‘Um marco histórico’: campeonato inédito de futsal reúne atletas trans em Juiz de Fora

Primeira edição da Copa Trans JF acontece neste fim de semana


Por Mariana Souza*

17/09/2025 às 06h00

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Coletivo Transtornados nasceu da união em quadra (Foto: Divulgação)

Em sua primeira edição, a Copa Trans JF será realizada neste fim de semana, no Ginásio Municipal Jornalista Antônio Marcos. O evento começa no sábado (20), às 13h, e a grande final está marcada para domingo (21), ao meio-dia. Ao todo, cinco equipes disputam o título, formadas por atletas transexuais, travestis e pessoas não binárias.

Para o presidente e atleta Gabriel Del’Duca, do Coletivo Transtornados, o campeonato vai além das quatro linhas. “Mostrar que a pessoa trans, travesti ou não binária tem direito ao esporte, ao lazer e à dignidade. Somos um marco histórico, estamos afirmando que fazemos parte da cidade.”

Ele acrescenta que o torneio é também um ato político. “A gente pode jogar um campeonato oficial, é resistência, é uma forma de inspirar as pessoas a retomarem o esporte”.

A competição, organizada pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), é apresentada pelo Executivo como uma iniciativa de inclusão e representatividade. Segundo a Administração municipal, o objetivo é fortalecer o direito à participação, à diversidade e ao pertencimento, abrindo espaço para que todos possam viver o esporte com dignidade e respeito.

Apesar do clima de celebração, o campeonato não apaga as cicatrizes que os atletas carregam. Apaixonados por esportes – especialmente pelo futebol -, muitos relembram as diversas situações de preconceito que já enfrentaram: dos olhares e xingamentos às portas que se fecharam.

Os obstáculos ainda persistem

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Associação Alcateia: amizade, identificação e espaço para evoluir no esporte (Foto: Divulgação)

Organizada a partir da amizade e do desejo de identificação, a Associação Alcateia surgiu da vontade de Nathan de Oliveira Rosa de estar à vontade em um espaço onde a única preocupação fosse evoluir como atleta. De acordo com o cofundador e técnico, o maior desafio foi mostrar a importância do esporte para o bem-estar. “O esporte é nosso melhor remédio mental e, quando surgem problemas na nossa vida, ele nos revigora.”

Para Del’Duca, o maior desafio encontrado pelo coletivo é manter os treinos e projetos enquanto concilia também a vida pessoal. Ele destacou que, diante da sociedade, as principais dificuldades são a desinformação e a falta de apoio e recursos. Segundo ele, o grupo enfrenta muita desinformação e preconceito. Além disso, ressalta que a obtenção de apoio e recursos para a continuidade do trabalho é sempre um desafio.

Da gestão ao campo, o goleiro da Alcateia, Levic relembra o início e o define como doloroso. “Muitas vezes tentaram me reduzir ao que não sou ou me excluir pelo simples fato de existir fora do padrão esperado. Hoje, quando olho para trás, vejo que resisti porque sempre acreditei que havia um espaço onde eu pudesse jogar sendo eu mesmo – e encontrei”.

Apontada por eles como um dos maiores desafios históricos, a definição de gênero no esporte trouxe momentos de não pertencimento para ambos. Para Nathan, as maiores dificuldades na representatividade surgem no momento de decidir em qual gênero se enquadrar: feminino ou masculino. “Acredito que existe uma resistência muito grande porque, desde cedo, as categorias são divididas por sexo, o que faz com que a gente tenha que parar de praticar esportes muito cedo quando nos identificamos como pessoas trans.”

Vale mais que título

Del’Duca avalia que muitos acabam perdendo o contato com o esporte durante a adolescência e agora têm a chance de competir na categoria em que se sentem confortáveis. “Ter esse campeonato, um campeonato pensado por nós e para nós, é uma forma de desenvolvermos esse direito básico, que é o direito ao esporte e ao lazer. É mostrar que estamos aqui, que existimos e podemos ocupar qualquer espaço”

Levic ressalta que o evento é fundamental por dar visibilidade e reafirmar que o esporte deve ser inclusivo. “Não é só sobre ganhar título, é sobre abrir caminho para que outras pessoas trans saibam que também podem ocupar quadras, campos e ginásios. É visibilidade, mas também é futuro: quanto mais a gente aparece, mais portas se abrem.”

O goleiro reforça que disputar um campeonato voltado ao público LGBTQIAPN+ é viver o esporte em sua essência: digno e alegre. “É poder entrar em quadra sem carregar o peso de me esconder ou justificar quem eu sou. Jogar em um time em que minha identidade é respeitada significa que minha energia está toda voltada para o jogo, para o coletivo – e não para me defender.”

Às vésperas do torneio, Nathan destaca que o objetivo é aproveitar cada segundo, entregando o melhor de si para que todos possam viver uma experiência única, já que, para eles, o futebol é a maior diversão. Ele acrescenta que o time e a competição vão além do aspecto esportivo, refletindo em identificação e representatividade. “É importante termos esse espaço na nossa cidade porque, além do futebol, somos uma rede de apoio, e é isso que muitos de nós precisamos.”

Confira a programação dos jogos:

Sábado

13h: Alcateia x X Trans United FC 1
13h35: Bomba Patch X Transtornados
14h05: Pogonas FC X Alcateia
14h40: Trans United FC X Bomba Patch
15h15: Transtornados X Pogonas FC
15h50: Alcateia X Bomba Patch
16h25: Trans United FC X Transtornados
17h: Pogonas FC X Bomba Patch
17h35: Alcateia X Transtornados
18h10: Trans United FC X Pogonas FC

Domingo

12h: Disputa de 3º lugar
12h40: Final – primeiro x segundo colocado

*Estagiária sob supervisão do editor Gabriel Silva

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