Nascidos em 1981 falam sobre a expectativa de um novo título mundial
Rubro-negros que cresceram com sob a aura do esquadrão de Zico e companhia lidam com a possibilidade de, enfim, ver o time campeão do mundo

Era dezembro de 2011 quando cheguei à redação da Tribuna com uma sugestão de pauta: relembrar os 30 anos do título interclubes conquistado pelo Flamengo, em dezembro de 1981, quando os ingleses do Liverpool foram colocados na roda. A ideia era escutar torcedores nascidos naquele ano mágico do Rubro-Negro e como eles reconstruíram em suas memórias o título que, ainda nas fraldas, não assistiram. De pronto, o amigo e editor Wendell Guiducci comprou a bronca: ‘manda ver, Renatinho”! Agora, às vésperas do Mundial e de uma provável reedição da final entre Fla e Liverpool, voltei à carga: “Del, e se a gente tentasse escutar aqueles torcedores de novo…” “Manda ver”, foi a resposta.
Como o policial do filme famoso, “missão dada é missão cumprida, parceiro”. Lá fui eu atrás dos três flamenguistas que nasceram em 1981, os mesmos entrevistados há oito anos, para saber quais as suas expectativas para o Mundial de 2019. Consegui localizado dois deles, que, como dito na reportagem publicada em 2011, “em tese, não assistiram ao jogo histórico (de 1981)”.
“Apenas em teoria, pois este é um daqueles casos em que a paixão desafia a linha cronológica, tempo e espaço.”
Começando “do começo”, o jornalista juiz-forano João Paulo de Oliveira tinha apenas 20 dias de vida naquele 13 de dezembro de 1981. Mas “assistiu” àquela partida ao longo da infância, através das palavras de amigos e familiares. “Meu destino foi guiado por essas glórias. Nasci entre o título da Libertadores e o Mundial”, disse, há oito anos. Por parte de sua infância, ele acreditou, inclusive, que sua família esteve representada no Japão. “Meu tio Zé dizia para um monte de gente que jogou na final. O time era Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Adílio, Andrade e Zico; Tita, ‘Zé’ e Nunes. Depois entrava o Lico, aos 36 do primeiro tempo.
Oito anos depois, João coloca a família como elo entre os dois momentos de glória. “A diferença é que, lá atrás, minha emoção foi montada em cima da felicidade e do orgulho da minha família com o Flamengo. Agora, consegui envolver minha filha – que até então era indiferente a futebol – e assisti à final da Libertadores com ela, ao lado dos meus tios e primos. Ou seja, a sensação é da possibilidade de uma conquista muito pessoal também.”
‘Está tudo dando certo’

O designer Vinícius Peixoto ficou surpreso com o convite para participar da reportagem. “Para ser honesto, não me lembrava de ter sido entrevistado. Muito legal revisitar esta matéria, reviver a memória de tudo o que aconteceu e lembrar do histórico jogo de 1981.” Então, vou refrescar a memória sobre o que ele disse, há oito anos, sobre o sucesso rubro-negro no Japão, em 1981. Uma vez mais, as reminiscências foram construídas pelos relatos de familiares.
“Essa construção do time imbatível de 81, e do mito e grande ídolo Zico, começou com as histórias relatadas por meu pai, botafoguense, e meus tios flamenguistas. Desde que me entendo por gente, escutava meu pai contar que o Zico foi o melhor atleta que ele viu jogar. Aprendi o que foi aquele time, vi fotos, vídeos e me emocionei ao assistir o jogo da final do Mundial na íntegra”, contou Peixoto, lá nos idos de 2011.
Oito anos depois, a emoção parece inabalada. Ou melhor, ainda mais embalada pelo bom momento pelo qual passa o Flamengo. “É um sonho que estamos esperando chegar desde o histórico 23 de novembro. Já rolou essa coincidência de, em 2019, o Flamengo conquistar a Libertadores no mesmo dia em que conquistou o torneio em 1981. Não que eu seja supersticioso, mas fico pensando ‘está tudo dando certo’… Foi uma espera de 38 anos. Nada se compara a se viver o momento. Na hora do gol do Gabigol, foi um êxtase. Só de lembrar, já arrepia”, vibra, na expectativa por vivenciar, de fato, aquilo tudo que a história, amigos e familiares lhe ensinaram e reeditar. “Até hoje, eu me arrepio toda vez que assisto aos gols daquele jogo ou vejo alguma matéria sobre o Mundial que o Zico foi buscar”, disse, há oito anos, hoje e pela eternidade.
Confiança na boa temporada
Como todo flamenguista, tanto João como Peixoto mostram-se confiantes no momento do Flamengo, mas reconhecem o favoritismo do Liverpool, campeão europeu, que, uma vez mais, pode ser o adversário do Fla no torneio interclubes que fecha a temporada. Cada um a sua maneira, os torcedores se mostram otimistas, mesmo que tentem manter os pés na realidade.
“Sei que o Liverpool é um time teoricamente superior. É o melhor da Europa. Mas sei também que o Flamengo montou um time que tem condições de brigar pelo título. Não vai ser fácil. Mas o raio já caiu no mesmo lugar de novo com a conquista da Libertadores em 23 de novembro, por que não pode cair de novo contra o Liverpool, e o Flamengo repetir aqueles 3 a 0 épicos, milagrosos, fantásticos e surreais?”, visualiza Peixoto.
Por sua vez, João mantém o foco na semifinal desta terça-feira (17), quando o Flamengo enfrenta o Al Hilal. “Passando desse desafio inicial, a final se concretiza e chegamos contra o Liverpool com dignidade e com a força da Magnética guiando os jogadores em campo. Não acho que vai ser fácil como em 81, nem um horror como foi o Santos de Neymar contra o Barça. O sabor da vitória contra o River foi tão incrível que, até se não triunfarmos no Qatar, o Natal vai continuar sendo de Jesus e rubro-negro.”
Qual o maior Fla da história?
Sobre qual o maior momento da história rubro-negra, se em 1981 – o time que só viu por VT – e 2019, João deixa o tempo se encarregar de responder o questionamento. “No meio desse momento estranho em que vivemos, o Flamengo de 2019 foi um alívio, uma espécie de narcótico. Ver os jogos, ouvir os debates e a força da torcida fez muito bem para atenuar o peso da vida real. Assim, acho que essa resposta vai depender do tempo. Hoje, ainda acho que a equipe de 81 era mais redondinha e jogava contra times muito fortes. Portanto, acho que só no futuro que vou conseguir medir – se isso for possível – qual equipe foi a melhor.”
Já para Peixoto, uma conquista do Mundial em Dubai colocaria os dois momentos em condições de igualdade. “É difícil. É outra época. Mas não tem como a gente deixar de comparar. O Flamengo esse ano conquistou tudo. Foi um time praticamente imbatível que ganhou de forma incontestável de todos os times brasileiros, com grande disparidade na conquista do Brasileiro. Ganhou a Libertadores com 3 minutos mágicos, em que o Gabigol achou dois gols decisivos, que entraram para a história. Se o time deste ano ganhar, chega ao mesmo nível do de 1981. Estou confiante. Na teoria, o Liverpool é melhor e é o melhor time da Europa. Mas aqui é Flamengo. A gente se supera.”
Ao final deste texto, confesso que os dois entrevistados são dois grandes amigos. De público, desejo axé no Mundial que têm pela frente. Com certa propriedade, uma vez que já vi meu Corinthians levantar dois mundiais, posso dizer que todos torcedores merecem em algum momento vivenciar tal alegria. Boa sorte ao Rubro-Negro.
Abaixo, uma reprodução da reportagem original, de dezembro de 2011.