“Incríveis”: Segurança descobre na bicicleta uma forma de fazer amigos, emagrecer e recuperar a saúde perdida
Ciclista Allan Willian da Silva é o quarto entrevistado na série “Incríveis”, que mostra histórias de superação através do esporte
Segurança de uma boate em Juiz de Fora, Allan Willian da Silva, 49 anos, não vive mais sem sua bicicleta. Com chuva ou sol, frio de lascar ou calor de rachar, ele pega sua magrela e sai para pedalar depois que encerra o expediente, logo no início da manhã, ou à tarde. Sem contar, claro, quando chega o fim de semana e sai para percorrer dezenas, às vezes centenas de quilômetros, com os amigos que fez desde que subiu pela primeira vez numa bike, nos idos de 2013. Somente em 2017, de acordo com um aplicativo, foram 9.583km percorridos até o final de dezembro. Nada mais nada menos que 645 horas por ruas asfaltadas, estradas de terra e trilhas por Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, com uma média de 71km por dia.
Mas a vida de Allan nem sempre foi assim. Tudo mudou há pouco mais de quatro anos, em 2013, quando passava férias com sua então esposa e um dos filhos em Cabo Frio: com 126kg e consumidor de bebida alcoólica, ele estava na Praia do Forte quando começou a passar mal. Voltou para o apartamento, tomou um banho, caiu na cama e vomitou.
“Foi então que decidi mudar de vida, se continuasse daquela forma já estaria morto”, afirma, convicto. “Decidi fazer por conta própria, não tomei remédio. Só bebo água com um pedaço de gengibre dentro.” Ele ainda ficou na cidade do litoral fluminense por mais dois ou três dias, e assim que chegou em Juiz de Fora começou a caminhar. “Eu mal caminhei 600 metros da primeira vez. Não aguentei, e chorei por causa disso. Mas não desisti, no dia seguinte estava de novo lá na UFJF. Mas enjoei de caminhar, passei a correr, mas também não era suficiente.”
Pedaladas difíceis
Daí veio a ideia de pedalar. Sem conhecimento prévio algum sobre preparação física, locais para a prática, equipamentos ou os melhores modelos, ele comprou a bicicleta mais em conta que encontrou, parcelada em dez vezes, e começou a pedalar na Via São Pedro. Era uma atividade solitária, geralmente após o trabalho, que rendia dores nas pernas, nos joelhos, ansiedade por não beber mais (hábito quer abandonou desde Cabo Frio, assim como o consumo de massas e refrigerantes, substituídos por frutas e muita água). Nessa época, já havia emagrecido dez quilos, mas o excesso de peso ainda cobrava seu preço. “No primeiro dia pedalei 7km, cansei tanto que pensei em jogá-la fora e voltar a caminhar. Demorei dois meses para me acostumar.”
Mas Allan não desistiu, continuou na sua cruzada, pedalando até 10km por dia ao sair do trabalho. E mais uma mudança aconteceu quando cruzou com duas ciclistas – e futuras amigas -, Andrea Castelo e Andrea Toledo. Ele pedalava pela Via São Pedro quando cruzou com elas, que pediram ajuda para colocar uma roda. Só que era um desses modelos mais modernos que ele não conhecia, mas a solidariedade rendeu um convite para pedalar junto com outros bikers até Humaitá num fim de semana.
“Eu não conhecia ninguém, e nem pensava em pesquisar sobre lugares para praticar a atividade”, confessa. Foi a oportunidade perfeita para fazer novos amigos – e também uma nova namorada, a também ciclista Rilza Rocha, com quem está junto há cerca de oito meses – e, enfim, participar de um grupo que pedalava aos domingos até Cinco Porteiras, Humaitá e Torreões, entre outros lugares.
“Só que apenas o domingo era pouco para mim”, relembra Allan. Foi então que ele se uniu a outros amigos com mais tempo para as pedaladas – e disposição para subir e descer morros – e criou há pouco mais de dois anos o grupo Cabritos. A ideia surgida entre amigos hoje conta com mais de 200 integrantes, entre ciclistas e incentivadores, e pedala todos os dias, de manhã ou à tarde, percorrendo distâncias que variam dos 30 aos 60 quilômetros, dentre eles destinos como Pequeri, Sarandira, Sobragi e Belmiro Braga.
Parar? Jamais
Quatro anos, 40kg a menos e três bicicletas depois, Allan não consegue se imaginar sem suas pedaladas diárias, atividade a que credita estar aí, firme e forte. “O pessoal da boate não acredita quando digo que muitas vezes saio direto do trabalho para pedalar, como quando fui até o Castelo de Itaipava (em Petrópolis). Mas tive que levar um tapa na cara da vida para mudar. Se não fizesse isso, acredito que teria morrido. Tudo melhorou desde então, meu trabalho, minha alimentação, a forma como encaro a vida.”
Quanto mais longe, melhor
É nos fins de semana que Allan e os Cabritos colocam as bicicletas para girar pra valer, em jornadas que podem passar facilmente dos 100km. Se na primeira, até o distrito de Três Ilhas, em Belmiro Braga, foi de acabar com as pernas do cidadão, com o tempo ele conseguiu a resistência para ir ainda mais longe. “No sábado do carnaval de 2017 estava num grupo de dez pessoas que foi e voltou de Carrancas, totalizando 320km”, relembra.
Entre outros lugares, os Cabritos estiveram no Alto Caparaó, e Allan e mais três amigos já percorreram os 360km, ida e volta, até Cabo Frio (RJ). Aparecida do Norte, em São Paulo, foi visitada pelo grupo de ciclistas duas vezes este ano. Tudo organizado com antecedência, em especial para distâncias superiores a 200km, em que reservam pousadas e contam com carro de apoio para quaisquer eventualidades. “E sempre num clima de camaradagem, com todos parando quando alguém precisa trocar um pneu, sofre câimbras”, diz Allan.
Como prêmio, o segurança e ciclista destaca as belezas naturais que encontra nas viagens, que ele mesmo diz que jamais faria se contasse apenas com seu carro. “A gente encontra cada lugar maravilhoso, e que jamais conheceria se não pedalasse. E ainda conhecemos pessoas em todos esses lugares, gente que quer ajudar, que pergunta como viemos e que se impressionam quando dizemos de onde viemos.
Para este ano, Allan já tem algumas metas, entre elas voltar a Carrancas, Aparecida do Norte e Cabo Frio. Dentro os projetos mais ousados, se juntar a mais três amigos para pedalar durante um mês, descer o Brasil e chegar até o Chile.
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