JF Carreiras: como são preparados os profissionais do futuro
Atentos às possíveis mudanças do mercado, educadores e instituições de ensino diversificam métodos e processos de aprendizagem
Aos sete anos, Manuela tem como um dos passatempos favoritos gravar vídeos. Júlia, de três, adora ouvir e criar histórias. Saulo, quatro, gosta de brincar com dinossauros, enquanto Murilo, três, prefere os carrinhos. Já Eduarda, com apenas seis meses, está prestes a aprender engatinhar. Além da alegria e curiosidade em cada descoberta, os pequenos têm algo a mais em comum: serão os profissionais do futuro. Num mundo que se torna cada vez mais tecnológico e experimenta mudanças tão rápidas, o que esperar do mercado de trabalho daqui a 20 anos? Como nossas crianças devem ser preparadas para esta realidade sem deixar de preservar a infância?
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Ferramentas, modo operacional e até mesmo o significado de trabalho devem mudar, de acordo com pesquisa realizada pela Cognizante, empresa de tecnologia e negócios. “Os humanos serão cada vez mais necessários. Não para tarefas repetitivas, mas para dar um direcionamento crítico e criativo”, afirma o presidente da organização no Brasil, João Lúcio de Azevedo Filho.
De acordo com o estudo, divulgado em março deste ano, a tendência é que a hierarquia organizacional ceda espaço a um modelo baseado em auxílio mútuo, e os cargos sejam desconstruídos em tarefas. A expectativa é que a jornada de trabalho também seja alterada. “O formato de 40 horas distribuídas em cinco dias ao longo da semana é fruto da Primeira Revolução Industrial. Mas agora o trabalho pode ser realizado a qualquer hora, de qualquer lugar. A tendência é que o fim de semana passe a contemplar, também, a sexta-feira.”
O estudo aponta a possibilidade de uma nova revolução digital que torne tudo ainda mais veloz: internet, transmissão de dados, sistemas de programação. Em contrapartida, este cenário deixará ainda mais claro a importância das relações humanas. Neste sentido, o próprio significado de trabalho será outro, de pertencimento. “A diversidade é um conceito que está na ponta da língua, mas a inclusão para minorias no ambiente de trabalho deve ser mais do que um representante no meio da maioria, como vemos hoje. Essa abordagem está chegando ao fim. Não importa nossa identidade, todos nós queremos sentir que pertencemos a algum lugar.”
Desafio
Apesar da impossibilidade de afirmar com exatidão como será o mercado de trabalho daqui a 20 anos, especialistas têm se dedicado a estudar as mudanças sociais, culturais, econômicas, comportamentais e tecnológicas para desenharem possibilidades que permitam compreender quais serão as habilidades exigidas aos futuros profissionais. “São várias as chamadas competências do século 21, e sabemos que elas devem ser estimuladas desde a infância para que as pessoas consigam um bom desempenho não só na vida profissional, como também alcancem a realização pessoal”, explica a diretora de tecnologia educacional da escola de programação Happy Code, Débora Noemi Inouye.
A situação implica em um desafio para profissionais da educação e instituições de ensino. “Estima-se que daqui a 20 anos, 60% do trabalho do ser humano serão realizados por profissões que ainda não existem. Estamos educando hoje pessoas que vão fazer coisas que não sabemos quais são. A nossa preocupação é além do conhecimento científico, desenvolver uma educação integral de verdade”, avalia o diretor pedagógico do Sistema Degraus de Ensino, Rodrigo Mendonça Pereira.
Ele alerta que a educação para o futuro vai muito além de ensinar tecnologia aos alunos. “As habilidades do século 21 não são exclusivamente tecnológicas, envolvem colaboração, flexibilidade, plasticidade cerebral. Não adianta só treinar tecnologicamente, é preciso focar também o desenvolvimento socioemocional.”
Expectativas
As famílias entrevistadas pela Tribuna destacaram a importância de uma educação que seja feita de forma complementar entre instituição de ensino e casa. No ambiente escolar, esperam que as crianças possam se desenvolver além do conhecimento científico. “Desejo que a escola ofereça as bases necessárias para que ela siga qualquer carreira, mas permita-lhe ter consciência de seu papel naquilo que irá exercer. Ou seja, que desperte seu senso crítico, sua capacidade de avaliar uma situação a partir de vários pontos de vista. De forma complementar, desejo que a escola reforce valores para uma boa convivência em sociedade”, explica a jornalista Elisa Franco de Almeida, 33 anos, mãe de Manuela, aluna do segundo ano do ensino fundamental, e de Eduarda, que ainda não frequenta a escola.
Mãe de Saulo, que ingressou no primeiro período infantil este ano, e Murilo, que será matriculado no próximo, a auxiliar administrativo Monique Siqueira Werneck, 32, também espera que a escola contribua no desenvolvimento do senso crítico. “Espero uma educação libertadora, que os torne seres de opinião capazes de contribuir para uma sociedade melhor.”
Com relação ao mercado de trabalho, ela acredita que esta apresentação deve acontecer de forma lúdica. “Acho importante a escola mostrar a relevância de cada profissão e como cada profissional contribui para a sociedade.”
A técnica em enfermagem Marcela Scarato, 38, que é mãe de Júlia, aluna do maternal, destaca a importância de uma relação próxima entre família e escola. “Nós a incentivamos ao máximo e acompanhamos tudo de pertinho. O método de ensino é muito bom e, desde já, estimula o hábito da leitura e a criatividade.”
Instituições diversificam aprendizagem
Atentos às mudanças e aos desafios da área da educação, as instituições de ensino passaram a diversificar o processo de aprendizagem. Além das disciplinas “tradicionais” da grade curricular, como português e matemática, as escolas oferecem outras experiências aos alunos. Robótica, astronomia, xadrez, educação financeira e jardinagem são algumas destas opções.
“Cada pessoa tem uma forma de aprender que mais se relaciona com seu perfil, que pode ser visual, auditiva, sinestésica e mais teórica. Por isso, a gente procura diversificar a forma de entrega do conteúdo” explica o diretor pedagógico do Sistema Degraus de Ensino, Rodrigo Mendonça Pereira. “Com relação ao perfil, seguindo a teoria das inteligências múltiplas, algumas pessoas são da linguagem, outras lógico-matemáticas, por exemplo. Desta forma, também é importante diversificar o próprio conteúdo.”
Diante desta diretriz, a escola inseriu no currículo diversas atividades como capoeira, xadrez, educação financeira e empreendedorismo, astronomia, educação digital e idioma. O aprendizado é realizado a partir dos seis anos.
No Colégio de Aplicação João XXIII, as crianças participam de diferentes projetos, que incluem, por exemplo, aulas de xadrez, plantio na horta e ginástica de trampolim. “O nosso objetivo é manter um ensino de qualidade. O colégio está voltado à formação do cidadão crítico, criativo e comprometido com a construção de uma sociedade mais justa, livre e fraterna”, destaca a assessoria.
O programa bilíngue do Colégio Jesuítas é oferecido a partir da pré-escola. “Por meio de conteúdos e atividades diversificadas, que privilegiam experiências em situações cotidianas de aprendizagem, os estudantes ampliam seus conhecimentos sobre a cultura de outros países”, informa a assessoria.
A coordenadora, Amanda Santos, ressalta que as crianças menores estão em um período de grande plasticidade cerebral. “Oferecer a elas, nesse momento, a oportunidade de aprender uma língua diferente da materna é criar possibilidades de ampliar conhecimentos nos âmbitos cultural e cognitivo. O método utilizado pelo programa parte das experiências vividas pelos estudantes e, naturalmente, contribui para a organização da estrutura linguística do idioma, o que favorece seu uso.”
Área tecnológica será uma das mais promissoras
Quando Manuela é perguntada sobre o que quer ser quando crescer, as respostas variam. Já disse professora, veterinária, faxineira e motorista de van. Apesar de toda habilidade para gravar vídeos, ainda não mencionou alguma atividade diretamente ligada à tecnologia, uma das áreas que prometem viver uma intensa expansão nos próximos anos. Esta também não é uma opção citada por Saulo, que por enquanto se divide pela vontade de ser policial ou “médico de cavalo”, e Júlia, que já respondeu policial e enfermeira.
A perspectiva é que, nos próximos anos, o mercado de trabalho incorpore cada vez mais a área de tecnologia, o que pode contribuir para o surgimento de novas profissões. “Isso traz um leque de oportunidades àqueles que souberem analisar as informações e situações de forma crítica, imaginando diferentes caminhos para resolver os problemas. Para quem souber inovar e assumir riscos, ser criativo, saber gerir o tempo, ter consciência sobre os seus pontos fortes e fracos e, acima de tudo, conseguir estabelecer e manter relações com facilidade.”, diz o CEO da LEO Learning Brasil, empresa de educação corporativa digital, Richard Vasconcelos.
Ele acredita que o novo cenário será desafiador. “Com a aceleração no ritmo da transformação digital nos locais de trabalho, os próximos anos trarão grandes desafios, tanto para quem está iniciando a sua vida profissional quanto para quem já é ativo no mercado de trabalho.” A solução, para Vasconcelos, está na preparação para esta realidade desde já.
Diante desta perspectiva, educadores consideram a educação digital extremamente importante. “Independente de qual carreira as pessoas exercerem, o mundo vai estar ainda mais cercado de tecnologia”, avalia a diretora de tecnologia educacional da escola de programação Happy Code, Débora Noemi Inouye.
Ela alerta que o país precisa se atentar a esta realidade. “O Brasil já enfrenta escassez de profissionais ligados à tecnologia, por isso, é importante se preparar para o que está por vir e, principalmente, não deixar ninguém de fora, não permitir a exclusão digital.”
Esta preparação deve ocorrer respeitando as diferenças dos estudantes. Respeitando que cada criança tem as suas particularidades, habilidades e interesses, a principal proposta da educação, segundo os especialistas, deve ser estimular o desenvolvimento em diferentes aspectos a partir da diversificação. “É preciso desenvolver habilidades para que as pessoas que estamos formando sejam flexíveis, adaptáveis e que tenham a capacidade de entender o outro. O conhecimento técnico da profissão será adquirido, mas a nossa tarefa é criar camaleões que consigam se adaptar aos ambientes no futuro, independente de quais sejam eles”, analisa o diretor pedagógico do Sistema Degraus de Ensino, Rodrigo Mendonça Pereira.