JF Carreiras: Aposentados buscam novos projetos para continuarem na ativa
Aumento da expectativa de vida do trabalhador e necessidade de se manter na ativa levam aposentados a buscar novos caminhos
Por pouco mais de cinco anos, Wolney Fabiano Costa Morais viajava de segunda a sexta-feira de São João Nepomuceno para estudar Psicologia no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF). Em janeiro de 2020, aos 68 anos, ele completou a graduação e colou grau. “Foram cinco anos e meio ralando em Psicologia, cinco anos e meio que me deram um novo know-how de vida e de conhecimentos.” Ele se aposentou há cerca de dez anos como professor na área de Direito, sua formação original, e, em seguida, começou a trabalhar no Fórum de São João Nepomuceno. O curso de Psicologia veio como acréscimo para sua atuação. “Como eu trabalho na justiça, em conciliação, eu procurei uma matéria que abrisse mais os meus caminhos para atender melhor o povo”, conta. “A lei é muito seca: um mais um são dois e acabou. Mas as pessoas estão mudando, os hábitos estão mudando, e eu fiz Psicologia justamente para abrir esses caminhos e entender, atualmente, a humanidade.”
Leia também:
Como são preparados os profissionais do futuro
Geração Z chega ao mercado de trabalho
Profissionais buscam qualificações para atender novas exigências
Wolney é um dos exemplos de pessoas que buscam novos caminhos após a tão sonhada aposentadoria. Mesmo que o período seja visto como um descanso, especialistas apontam que continuar na ativa traz benefícios para esse grupo, seja em relação ao bem-estar físico ou social na terceira idade. Por outro lado, determinados fatores econômicos e geográficos têm levado idosos a voltar ao mercado de trabalho, como desemprego entre pessoas mais jovens e o envelhecimento da população. No terceiro trimestre de 2019, por exemplo, dos quase 34 milhões de brasileiros com 60 anos ou mais, mais de oito milhões estavam na força de trabalho, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Trabalhar em novos projetos após o período de aposentadoria está relacionado ao bem-estar no processo de envelhecimento, de acordo com o assistente social e gerontólogo José Anísio (Pitico). “A aposentadoria marca o início da chamada terceira idade, a partir dos 60 anos no Brasil, e precisamos nos preparar, porque se não temos esse planejamento, tendemos a ter menos contato sociais, um pouco mais de solidão, e pode advir situações de desequilíbrio emocional.”
Com o diploma novo em mãos, Wolney acredita na importância de se manter ativo e, agora, pretende planejar os próximos passos. “Se você deixa a cabeça morrer, todo corpo morre junto. Não existe ginástica para tudo, para o corpo em si? As pessoas não se preocupam, às vezes, em fazer uma ginástica com a cabeça, com o cérebro. Isso é muito bom porque você agita, movimenta, atualiza, e não deixa as coisas morrerem, interiormente falando.”
‘Nos aposentamos do trabalho, não da vida’
Aos 58 anos, Pitico está se preparando para se aposentar no segundo semestre de 2020. Em maio, o gerontólogo completa 34 anos de serviço pela Prefeitura de Juiz de Fora, onde, atualmente, atua como gerente do Departamento de Saúde do Idoso. Desta forma, seu ponto de vista sobre o tema vai além da opinião como especialista, mas também como quem está buscando novos caminhos com a aposentadoria. “Há necessidade de você abrir-se para novidades e ir atrás dos seus desejos, seja no campo profissional ou não”, diz. “A vida continua. Nós nos aposentamos do trabalho, mas não da vida.”
Seus futuros projetos a visam dar sequência ao trabalho na área de gerontologia, onde pretende buscar novos conhecimentos e aplicá-los como, por exemplo, na pós-graduação. “As faculdades já estão se dispertanto para a necessidade de pautar, em sala de aula, nas disciplinas científicas, a preparação de como trabalhar com a pessoa idosa em vários campos da intervenção: na saúde, na arquitetura, na engenharia, porque essa, inclusive, é uma exigência do mercado, onde você vai ter muito mais pessoas idosas, mais ainda, daqui para frente, do que pessoas mais jovens. Será que o mercado está atento e está se qualificando para receber essas demandas?”, questiona. “No campo da educação, notadamente profissional, é muito importante que esse assunto tenha uma envergadura de maior participação, de maior visibilidade. É um campo onde eu quero estar junto e vou me qualificar ainda mais para isso.”
Mais de 24% de idosos na força de trabalho
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE, no terceiro trimestre de 2019, das quase 34 milhões de pessoas acima de 60 anos no Brasil, cerca de 24,3% estavam na força de trabalho. O valor subiu dois pontos percentuais nos últimos sete anos, quando o levantamento se iniciou: em 2012, 22,5% de mais de 25 milhões da faixa etária, estavam na força de trabalho. A professora da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernanda Finotti, afirma que este aumento demonstra uma maior atuação por parte dos idosos. O ponto está associado a determinados fatores que levam o grupo de volta ao mercado de trabalho, como do envelhecimento da população. “Os idosos estão ficando em maior número do que os jovens. É a chamada inversão da pirâmide etária, o que vem impactando, por exemplo, a previdência. Antes, você tinha muito mais jovens para sustentar os idosos. Hoje, você tem muito mais idosos para serem sustentados por poucos jovens. Isso cria um problema de financiamento”, explica.
O fator acaba impactando em um segundo efeito, apontado pela especialista como “achatamento das aposentadorias”. “Não dá para pagar muito para esse contingente de pessoas que vai viver por muitos anos. Não é que você vai pagar aposentadoria cinco ou dez anos, tem pessoas que vão ficar aposentadas 40 anos, recebendo sem contribuir. Isso leva a um achatamento de reajustes dos aposentados, e os aposentados, então, se vêem forçados a trabalhar para complementar a renda.”
Os pontos se alinham, ainda, a um excesso de endividamento ocasionado pelo empréstimo consignado em 2014. “A taxa de juros do idoso era mais baixa e era descontado no próprio benefício” explica Fernanda. “Você imagina uma aposentadoria de R$ 2 mil, que tem um desconto de consignado de R$ 600, então esse idoso tem que voltar ao mercado de trabalho para complementar essa renda”, exemplifica.
Visão organizacional
Em contrapartida, os aposentados encontram uma mudança de mentalidade do mercado de trabalho, onde muitas empresas têm reconhecido os aspectos positivos do grupo, investindo em treinamento. “Os idosos são mais gentis, mais preocupados com a organização do grupo do que os jovens, então algumas empresas estão lançando programas de trainees sênior só para pessoas com mais de 60 anos”, diz a professora da Faculdade de Economia da UFJF. “Uma pessoa de 60 anos ainda vai ter mais, pelo menos, 25 anos de vida, de acordo com a expectativa demográfica, e ela tem muita experiência acumulada e já aprendeu que nós não ‘ganhamos no grito’. Hoje, então, é uma pessoa que traz harmonia para o mercado de trabalho.”
Assistência à família
Além dos fatores apontados pela especialista, outros de ordem financeira podem levar aposentados de volta ao mercado de trabalho, como para prestar assistência à família, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), Paulo Sardinha. “Nós recebemos muitos relatos de casos em que mesmo que a pessoa aposentada tenha uma renda que seria satisfatória para ela própria, vivemos uma questão de desemprego muito grande, principalmente entre jovens – hoje, aproximadamente metade dos jovens de até 24 anos de idade, de uma certa maneira ou de outra, está fora do mercado de trabalho”, exemplifica.
Por outro lado, há pontos positivos ligados ao período seguinte à aposentadoria, como maior grau de escolaridade, que pode levar esse grupo a buscar novos projetos. “Hoje, as pessoas que já se aposentaram têm uma vitalidade muito maior do que tinha antigamente. Essa vitalidade leva essas pessoas ao mercado de trabalho”, diz Sardinha. “O nível de escolaridade, de uma maneira geral também aumentou, isso faz com que as pessoas tenham projetos que dão oportunidade além do trabalho normal dentro de uma empresa.”
Retorno ao mercado requer planejamento
Por 35 anos, Gerson Guedes atuou em salas de aula. Atualmente, aos 62, continua planejando novos projetos em sua carreira como artista plástico. O mais recente deles foi a inauguração da Galeria Estação Ibitipoca, no distrito de Conceição de Ibitipoca, onde trabalhou nos últimos dois anos para que o espaço tomasse forma. Guedes começou a pensar em seus projetos antes mesmo de se aposentar. A ideia era seguir na linha artística, já que era professor de artes e atuou, inclusive, como pró-reitor de Cultura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde se aposentou em 2015. “Eu fui vendo essas possibilidades de continuar mexendo com a própria cultura, mas de uma forma mais individualizada. Então, principalmente nesse final de carreira, acho importante você estar já pensando, dentro da sua área, quais são seus projetos futuros.”
Antes da galeria em Ibitipoca, Guedes já havia inaugurado outras exposições de artes plásticas, além de escrever dois livros – atualmente prontos para passarem pelo processo de edição. Ainda assim, novos projetos ainda estão por vir. “Enquanto você tiver saúde e uma vida mental ativa, você tem que produzir algo. Quem não tem uma habilidade, é fazer novas estratégias, procurar profissões, trabalhar como voluntário e buscar alguma coisa até do seu passado, de uma carreira promissora que você teve que deixar pendurado em algum lugar”, diz. “A vida é uma passagem, cheia de estações, e a cada estação você tem que conhecer gente, evoluir, ler bastante, estudar mais, se for possível”.
A preparação antes, inclusive, de se aposentar, é um ponto importante para o trabalhador retornar ao mercado de trabalho, segundo o presidente da ABRH, Paulo Sardinha. Isto porque, muitas vezes, a iniciativa requer planejamento e investimento em formação. “O que acontece, muitas vezes, é que as pessoas se aposentam e, na aposentadoria, quando encerra o ciclo anterior, é que começam a pensar no que vão fazer. E aí, via de regra, nós temos um problema, porque o ideal seria que essa pessoa pensasse na carreira pós-aposentadoria ainda quando ela estivesse na atividade principal”, diz. “Da mesma forma que lá atrás ela estudou, se preparou, fez uma faculdade, fez estágio e foi ganhando experiência até subir ao posto em que ela um dia alcançou e se aposentou, essa nova carreira, depois da aposentadoria, requer toda uma série de esforço dessa natureza”, exemplifica Sardinha.
Para isso, o especialista aponta três fatores fundamentais para alongar a carreira após a aposentadoria. “A pessoa se preparar para preservar a sua saúde; ter uma capacidade financeira para ser investidor de si próprio nas atividades; e estar sempre atualizado e aumentar a sua formação. Um preparo como qualquer outro profissional para lidar com essa nova realidade.”