Comércio anseia por recuperação em 2021
Após amargar perdas, setor formado majoritariamente por pequenos negócios almeja condições para reestruturação e crescimento
O ano de 2020 chega ao fim como um dos mais desafiadores da história da humanidade. Os números são insuficientes para mensurar as perdas, até mesmo no âmbito econômico. Os impactos da Covid-19 nos setores produtivos vão além da queda de indicadores, o que agravou a crise que já era vivida pelo Brasil anterior à doença. Estes reflexos atingiram sonhos, expectativas e projetos de vida. Diante deste cenário, o que esperar de 2021?
As projeções para o PIB do próximo ano giram em torno de 3,46%, mas, apesar da expectativa positiva, isto não seria suficiente para suprir as perdas de 2020. “Para este ano é aguardado o recuo da economia nacional entre 4,4% e 5%, o que é uma diminuição drástica”, analisa o professor da Faculdade de Economia da UFJF, Fernando Perobelli. Desta forma, para o especialista, o novo ano desponta como um momento de reestruturação.
Força motriz da economia juiz-forana, o comércio foi um dos setores que mais sofreu com os impactos da Covid-19. Com a necessidade do isolamento social, considerado a medida mais eficaz para reduzir a transmissão do coronavírus, as lojas precisaram fechar de forma repentina, a primeira vez, em março. Constituído em sua maior parte (90%) por pequenos negócios, muitos não sobreviveram para a reabertura, que aconteceu em agosto.
De acordo com o Sindicato do Comércio (Sindicomércio-JF), 226 estabelecimentos encerraram as atividades em decorrência da pandemia. Já os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgados pelo Ministério da Economia, revelam que o setor local perdeu 2.352 empregos entre janeiro e outubro deste ano.
Expectativas
Na lista de estabelecimentos que encerraram as atividades está o comércio de José Vianelli. Atuando há quase 40 anos no ramo alimentício, na Zona Norte, ele paralisou as atividades em março por ser do grupo de risco da Covid-19. “Imaginei que a situação seria temporária, mas, infelizmente, perdurou e eu precisei fechar de vez.” Para o próximo ano, ele espera poder retornar à ativa. “Anseio pela vacina e pela possibilidade de voltar ao trabalho com segurança.”
A loja onde Lúcia Santos trabalhava, na Região Nordeste, também fechou as portas. Foi assim que ela e outros colegas do antigo empego decidiram empreender. “Nós aproveitamos nosso conhecimento de mercado e relacionamento com clientes para abrirmos o próprio negócio. Contrariando as adversidades do momento, nossa loja nasceu durante a pandemia.”
A Autopeças Rui Barbosa, localizada no Bairro Santa Terezinha, inaugurou em agosto. Para 2021, Lúcia espera a consolidação da empresa. “Nós tivemos um retorno muito positivo até o momento. Ainda estamos começando, esperamos que, no próximo ano, a gente possa firmar a nossa marca no mercado”, afirma. “E, claro, queremos muito uma vacina para que a vida volte o mais próximo possível da normalidade.”
Incertezas ainda preocupam setor
Traçar perspectivas após um ano tão difícil não é uma tarefa simples, conforme avalia o presidente do Sindicomércio-JF, Emerson Beloti. “É complicado pensar o que está por vir, pois ainda convivemos com muitas incertezas. Dizer que 2021 será um bom ano para o comércio é otimismo, mas sabemos que, quanto mais próximo da normalidade, a tendência é de estabilidade para os negócios.”
Segundo ele, a “tranquilidade no mercado” será essencial para que o setor possa se recuperar. “A incerteza causa insegurança no empresário para investir e contratar. A geração de emprego é o balizador do crescimento e desenvolvimento. Precisamos de toda a cadeia aquecida.”
No entanto, ele relata que a pandemia trouxe reflexos não lineares. “Tivemos segmentos que experimentaram aumento das vendas, como supermercados, lojas de móveis e materiais de construção, independente do porte da empresa”, diz. “Enquanto outros viveram um ano extremamente difícil, como foi o caso de bares e restaurantes. Esta oscilação muito acentuada impede o crescimento do setor como um todo.”
O coordenador executivo do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Juiz de Fora (SHRBSJF), Rogério Barros, define 2020 como um “ano devastador”. Ele acredita que o cenário não será diferente no primeiro bimestre de 2021. “Nós perdemos muitos estabelecimentos e, infelizmente, a expectativa é que, entre janeiro e fevereiro, aconteçam mais fechamentos, principalmente, no segmento de comida a quilo.”
Medidas
De acordo com Barros, uma possível recuperação do setor está atrelada a medidas externas. “Para criar um ambiente mais favorável seria preciso maior facilidade de acesso ao crédito, continuidade do pagamento do auxílio emergencial para que as pessoas tenham poder de compra, retorno das aulas presenciais para geração de demanda e desburocratização de questões municipais.”
Ele destaca, ainda, as expectativas com relação ao trabalho do Comitê de Recuperação Econômica de Juiz de Fora (Corec). O órgão foi criado no início deste mês por lideranças empresarias locais. “Nós vamos dialogar diretamente com o Poder Púbico para discutir as necessidades dos setores produtivos.”
Empresas se preparam para expansão
A agenda para 2021 também inclui projetos de expansão de novos e de tradicionais negócios locais. Apesar das dificuldades vividas pelo setor de bares e restaurantes, o Mink Burguer tem planos de crescimento.
O estabelecimento localizado no Bairro Alto dos Passos, na Região Sul, iniciou as atividades em abril, quando a pandemia já havia chegado em Juiz de Fora. “Isto exigiu uma adaptação. Quando idealizei o negócio, imaginei realizar atendimento presencial, mas tive que ficar apenas com o delivery”, relembra o proprietário André Gonzaga.
Desde então, André, que é cozinheiro e também formado em administração, passou a ter uma rotina multifuncional. “Faço de tudo, desde o preparo dos lanches até a divulgação nas redes sociais, e conto com ajuda da minha família. A experiência neste ano atípico me permitiu conhecer o mercado e me preparar para o futuro.”
Ele espera que, em 2021, consiga tirar do papel os planos iniciais criados para o seu negócio, o que inclui ter uma equipe. “Estou me preparando para poder investir em marketing digital e, se tudo der certo, no meio do ano que vem, poder abrir as portas para o atendimento presencial.”
Novas lojas
Aproveitando o bom momento de vendas para o setor supermercadista, o Grupo Bahamas ampliou o número de lojas em 2020. Foram abertas sete novas unidades, que totalizaram R$ 110 milhões em investimento e geraram 500 empregos diretos. Para o próximo ano, a rede espera dar continuidade ao projeto de expansão.
“A expectativa é manter o ritmo de crescimento de vendas acima de dois dígitos e superar o número de inaugurações feitas este ano”, informou o gerente de Marketing João Paulo Rodrigues.
Reestruturação passa por adaptação ao novo cenário
Especialistas apontam que, para realizar a reestruturação dos negócios e alcançar, posteriormente, a retomada do crescimento, o comércio precisa se adaptar ao cenário econômico e às novas formas de trabalho e consumo.
O professor da Faculdade de Economia da UFJF, Fernando Perobelli, destaca que a pandemia da Covid-19 ainda permanecerá por tempo indeterminado. “A princípio, ainda estaremos convivendo com a realidade da doença em 2021, o que torna o isolamento social necessário e faz com que as famílias mantenham um consumo precaucionista.”
Ele destaca que a queda da renda verificada ao longo de 2020 pode se acentuar no próximo ano, restringindo ainda mais o poder de compra. “Há incerteza sobre a continuidade ou não do pagamento do auxílio emergencial, o que afeta diretamente as classes C, D e E.”
Neste cenário, haverá a necessidade de o comércio estar presente no ambiente digital. “Com a restrição de circulação nas ruas e muitas pessoas trabalhando em home office, caberá ao setor buscar os consumidores. A pandemia acelerou este processo, e a tendência é que este comportamento tenha continuidade mesmo no período pós-vacina.”
Desta forma, será necessário um modelo híbrido de negócio, que garanta tanto a experiência de compra presencial em lojas físicas quanto on-line por meio das plataformas digitais. “É preciso assegurar que o consumidor encontre o seu produto independente do modo como ele prefira consumir”, destaca Perobelli. “Outro aspecto importante é trabalhar a flexibilização de prazos, formas de pagamento, pois este consumidor estará com o orçamento enxuto.”
Pequenos negócios
O analista do Sebrae Gustavo Magalhães afirma que esta adaptação ao meio digital não só é possível, como “fundamental” para os pequenos negócios que compõem majoritariamente o comércio juiz-forano. “O cenário tecnológico está disponível por meio de Facebook, WhatsApp, Instagram. Cabe às empresas fazerem uso dessas ferramentas.”
Ele destaca que a utilização destes canais foi essencial para os negócios locais que sobreviveram aos meses de interrupção das atividades presenciais. “A demanda nunca parou, o que mudou foi a forma de acesso do cliente aos produtos e serviços. Então, quem fez uso destes canais saiu à frente.”
No entanto, Gustavo alerta para os desafios desta adaptação. “Na internet, a competitividade é maior. São empresas de diferentes lugares e portes disputando o mesmo público, por isso, é muito importante se preparar para o atendimento da demanda que será criada, de forma a promover uma boa experiência para o cliente e a sua fidelização.”
Capacitação
Em 2021, o Sebrae irá realizar um programa de capacitação para a estruturação do varejo híbrido. A proposta é auxiliar empresas que já estejam atuando no meio digital ou que tenham interesse em ingressar no e-commerce. “Serão realizados workshops, consultorias e capacitações. A prospecção dos interessados terá início em janeiro”, adianta o analista.