Mais de mil novas empresas do setor de alimentação são abertas em JF
Ministério da Economia aponta que 1.233 negócios do segmento começaram a operar na cidade em 2020, 21% a mais do que o observado no ano anterior
Seja no formato delivery ou de alimentação fora do lar, empreendedores juiz-foranos têm investido em estabelecimentos do segmento, buscando inovar com diferentes experiências de consumo, apesar da crise financeira agravada pela pandemia. O Mapa de Empresas do Ministério da Economia mostra que 1.233 empresas do setor foram abertas em Juiz de Fora durante o ano passado. Destes, 475 são serviços de delivery, 325 lanchonetes e similares, 295 restaurantes e similares e 138, bares. Os números são maiores que o registrado em 2019, quando 1.019 novos empreendimentos de alimentação foram inaugurados na cidade. A alta chega a 21%. No detalhamento do Ministério da Economia, entretanto, não é informada a quantidade de empresas que fecharam as portas por atividade econômica.
O fato de a alimentação ser considerada essencial deu segurança para novos negócios do segmento, entretanto, a pandemia trouxe a necessidade de adaptações, seja para abertura de um novo estabelecimento ou mesmo para aqueles que já estavam em atividade, de acordo com o analista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae-MG), Bruno Castro. “Foram criados novos bares e restaurantes e, com isso, o consumidor ficou um pouco mais exigente pela pandemia. Ele queria ter uma experiência que não poderia ter presencialmente, então os estabelecimentos tiveram que se readaptar.”
Foi buscando se adaptar às novas demandas do mercado que Rafael de Freitas e Nathália Abranches inauguraram o Sanduba do Totonho, no Bairro São Mateus, Zona Sul de Juiz de Fora. Os empresários já contavam com outros estabelecimentos do segmento de alimentação, mas precisaram repensar o serviço durante a pandemia. “A pandemia nos pegou de surpresa. Como várias pessoas, tivemos que implementar um sistema novo de trabalho da noite para o dia. Mobilizamos recursos, equipamentos, colocamos a mente para trabalhar e aí começamos a implementar o delivery”, conta Rafael.
Nestes estudos, eles testaram outros pratos que se adequassem melhor ao serviço de entrega, chegando aos “sandubas”. “Nós sempre focamos no conjunto gastronômico completo. No delivery, você perde um pouco disso. Nossos pratos sempre foram preparados para estar ali no momento com o cliente”, diz. “Dessa conversa toda e desse laboratório, surgiram os sanduíches de boteco. A ideia inicial não era ter os sandubas em uma loja própria, mas os produtos ficaram tão legais que então partimos para um projeto muito maior.”
Com os bons resultados com a implementação do delivery e o Sanduba do Totonho, os empresários irão inaugurar um novo estabelecimento no Shopping Jardim Norte, o Picanha, Pimenta & Pinga, mas já com a ideia de expandir, também, o trabalho com os sanduíches. “Sempre defendemos, dentro do nosso setor, que dava para conciliar o problema sanitário e epidemiológico com a questão de alimentação, até os meios competentes governamentais conseguirem entender que boa parte desse trabalho é essencial, principalmente falando de refeição e alimentação”, diz. “Nós já estamos pensando em ter novas unidades justamente com esse conceito de sanduíche de boteco, de sanduíches totalmente fora do que temos encontrado nas maiores redes de hamburguerias do Brasil.”
Sebrae identifica digitalização de pequenos negócios
Parte das mudanças que o setor sofreu se relaciona com o investimento em canais digitais, mas também com as práticas de higienização sanitária, visto que este ponto também passou a ser uma exigência por parte da clientela. “Vimos uma alta crescente na digitalização desses pequenos negócios, trabalhando melhor suas páginas nas redes sociais para que os clientes apareçam, porque a competição ficou bem mais acirrada do que já era”, explica Bruno Castro. De acordo com o analista do Sebrae-MG, estes fatores são como ‘legados’ da pandemia. Mesmo quando a vacina contra a Covid-19 atender, ao menos, 70% da população, esta já mudou os seus hábitos, mantendo as exigências. “Os restaurantes precisam se adequar tanto para boas práticas de alimentação, como boas práticas sanitárias e de biossegurança, bem como saber comunicar para o cliente sobre como está sendo feito isso.”
O ideal é que essa nova experiência também seja levada juntamente com o delivery, serviço que contribuiu para a manutenção de muitos estabelecimentos, especialmente no segmento da alimentação. Durante a pandemia, Juiz de Fora passou vários meses com medidas restritivas, em que estes estabelecimentos não poderiam abrir as portas, apenas realizar entregas. “Muitas pessoas vão deixar de consumir no local para pedir em casa, e se o bar ou restaurante souber trabalhar no delivery essa experiência que ele teria no restaurante, é um diferencial competitivo muito forte”, diz Castro.
Para lidar com as adaptações, o especialista indica que os empreendedores trabalhem a produtividade ligada à inovação. “Quando falamos de produtividade, estamos falando de aumento de faturamento e redução de custos. A melhor forma de trabalhar o aumento dessa produtividade é através da inovação.” Como lembrado pelo analista, o Sebrae tem desenvolvido eventos, consultorias e cursos voltados para este objetivo. A previsão é que, em março, sejam oferecidas ações voltadas para o segmento de bares e restaurantes.
Respeito aos protocolos sanitários
Desde o início da pandemia, diversos setores econômicos passaram períodos com as portas fechadas em Juiz de Fora, por conta das medidas restritivas de combate à contaminação pela Covid-19. O setor de alimentação fora do lar foi um deles. Atualmente, a cidade está na faixa laranja do Programa Juiz de Fora pela Vida, onde seria permitido o consumo interno em bares, restaurantes e outros estabelecimentos do mesmo segmento, como lanchonetes e padarias.
De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/Zona da Mata), Francele Galil, os estabelecimentos cuja atividade está permitida para atendimento presencial devem se atentar aos protocolos sanitários, que dão segurança para manter o funcionamento durante a pandemia. “A partir do momento que o setor segue os protocolos sanitários, a probabilidade de contaminação é praticamente zero, porque você está correspondendo a questão do distanciamento, do álcool em gel e cobrando o uso da máscara. Há o investimento do empresário em colocar um cardápio digital para não ter que pegar um cardápio que vários outros clientes pegaram”, exemplifica algumas das medidas tomadas na cidade. “Cumprindo o protocolo sanitário, qualquer atividade pode funcionar”, defende.
Planos adiados
A pandemia também chegou a adiar os planos de quem pretendia iniciar um novo negócio em 2020, como no caso do restaurante mexicano Los Mex. Mesmo diante do empecilho, o projeto foi levado adiante. Como lembra a proprietária do estabelecimento, Fabiana Ribeiro, o espaço seria aberto em 23 de março, entretanto, poucos dias antes, Juiz de Fora teve seu primeiro caso de Covid-19 e, com ele, vieram as medidas restritivas dos setores econômicos na cidade. “A nossa expectativa era que essa pandemia não durasse tanto tempo. No máximo em 40 dias fosse resolver, mas aconteceu de ficarmos muito tempo fechados.”
A sede do Los Mex já havia sofrido reforma, e a equipe estava passando por um treinamento junto à franquia quando foi preciso adiar a inauguração. A princípio, o restaurante iria atuar apenas com consumo local, mas os meses em que ficou impedido de funcionar levaram os proprietários a se preparem para oferecer o serviço de entrega em domicílio. “Nós não tínhamos nem embalagem, nem logística. Não tínhamos nada para montar o delivery. Só conseguimos tudo isso no final de julho”, conta Fabiana. “Não contávamos ter que ficar tantos meses sem faturamento e, mesmo assim, pagando todas as despesas do estabelecimento.”
O atendimento no local só se iniciou em setembro, quando as medidas de combate à Covid-19 se tornaram menos restritivas na cidade. Conforme a proprietária do Los Mex, desde que iniciaram as atividades, o estabelecimento busca trazer algum diferencial, especialmente na entrega dos produtos. Junto com a comida, o restaurante envia um pequeno recipiente com álcool em gel, um panfleto de agradecimento e um QR Code com uma playlist no Spotify do Los Mex. “Isso deixa o negócio mais legal e a experiência de comer mais divertida”, diz. O objetivo é demonstrar também segurança e buscar a confiança do cliente neste momento de pandemia. “A alimentação fora do lar só tende a crescer, e as pessoas estão procurando lugares mais seguros para poder consumir”, afirma.
Microempreendedores individuais aquecem setor
Como destacado pela presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel/Zona da Mata), Francele Galil, entre os impactos econômicos provocados pela pandemia estão as demissões que ocorreram em diversos setores devido à crise financeira. Durante 2020, Juiz de Fora acumulou saldo negativo de 4.393 postos de trabalho perdidos. O desempenho é o pior da série histórica do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), iniciada em 2003. De acordo com Francele, esta realidade levou ao surgimento de pequenos negócios no setor de alimentação, especialmente por meio de microempreendedores individuais.
“Quando isso ocorre [demissões], a primeira opção do cidadão é a alimentação. Ele sempre vai fazer alguma coisa em casa para vender”, explica. “O começo acontece dentro de casa, com um pequeno negócio. À medida em que se acredita que há uma perspectiva de mercado, começa-se a fazer esse crescimento de alugar uma loja, de comprar um equipamento. O empreendedor começa a se profissionalizar”, diz.
Conforme Francele, há uma facilidade em abrir novos negócios no setor de alimentação por ser algo que pode começar dentro da própria casa, entretanto, o segmento possui determinada fragilidade que pode levar a efeito contrário. “Os segmentos de alimentação fora do lar, como um todo, incluindo bares, restaurantes, lanchonetes e cafeterias, são empreendimentos de pequeno porte. Diante disso, esses segmentos têm uma fragilidade econômica muito grande. Costumamos dizer que é um setor em que o dinheiro que sai do caixa vai direto para boca”, explica.
A falta de planejamento pode levar ao fechamento desses estabelecimentos, por conta da dificuldade de manutenção do negócio, segundo a presidente da Abrasel-ZM. “O negócio exige planejamento, estudo, saber se vai ou não vai atender o público”, diz.
Conceito de ‘dark kitchen’ ganha novos adeptos
Um conceito que tem ganhado popularidade na pandemia é o ‘dark kitchen’, ou restaurante virtual, onde os estabelecimentos de alimentação não contam com sede física para atender os clientes, apenas trabalhando com delivery ou retirada. “Esse conceito ficou muito mais forte na pandemia e muitos restaurantes surgiram nesse modelo, até para reduzir custo, aumentar produtividade e trabalhar melhor o que o cliente precisa”, comenta o analista do Sebrae-MG, Bruno Castro.
Foi começando assim, na cozinha de um apartamento no Centro de Juiz de Fora, que Mônica Sanches e Daniela Doro criaram a Ari Hamburgueria. A ideia de iniciar um negócio no ramo de alimentação surgiu no início de 2020, entretanto, o casal realizou diversos estudos sobre produtos, estratégias de comunicação, público, entre outros pontos, até efetivamente tirar a ideia do papel. Em julho, as novas empreendedoras deram início ao projeto. “Foram quase seis meses só de processo de abertura. Abrimos no meio da pandemia, mas foi algo muito estudado e com muito teste”, diz Daniela.
As duas começaram com três hambúrgueres no cardápio e foram adicionando novidades com o tempo, de acordo com a necessidade e o desejo dos clientes. Hoje, trabalham com a proposta de disponibilizar um lanche novo a cada mês, que fica no cardápio por este mesmo período. Mônica e Daniela são as responsáveis por preparar os hambúrgueres, sendo que, além delas, o estabelecimento conta com um motoboy, visto que o serviço funciona apenas por delivery. “Foi um baixo investimento e tem o fator de ser na nossa casa. Nós não temos que nos preocupar com aluguel extra, então isso dá uma tranquilizada. Quando inauguramos, tivemos muito apoio dos amigos”, conta Mônica. “Nós estamos crescendo devagar, pelo ‘boca a boca’. Um cliente posta, faz propaganda, e os feedbacks são ótimos. Eles gostam do produto, e nós prezamos por isso.”
Relacionamento com o cliente
Este relacionamento com o cliente influencia não apenas nos produtos do cardápio, mas na própria experiência com o conceito da marca. O nome, Ari Hamburgueria, surgiu porque tanto Mônica quanto Daniela são do signo de Áries. A ideia é conversar com o público millennial ou geração Y, que são os nascidos na década de 1980 até o final da década de 1990. As empreendedoras também investem na comunicação com o público LGBT, disponibilizando fitas e imãs coloridos para os clientes. “Nós vendemos para todo tipo de público, mas o nosso maior público é o LGBT”, explica Daniela. “Para isso acontecer, estudamos muito. A Daniela tem formação em nutrição e logística, e eu estou me formando em Publicidade, então temos bases que ajudam muito para criar um negócio, principalmente com alimentação”, complementa Mônica.
Tirando ideias do papel
Para alguns, a pandemia serviu como momento de reflexão para colocar antigas ideias em prática. Foi o que aconteceu com a cirurgiã dentista e professora Priscila Faquini, juntamente com seus sócios, Thiago Massena e Gustavo Neto, que atuam na área do Direito. Os três já pensavam em iniciar um novo negócio há um tempo, mas bateram o martelo em agosto do ano passado, quando decidiram abrir uma franquia da Havanna, cafeteria com produtos típicos da Argentina. “A pandemia foi um momento em que todo mundo teve a oportunidade de refletir várias coisas, inclusive essa parte profissional. Cada um de nós atua em outras áreas, então veio a ideia de ter esse novo foco de trabalho, algo que nos desse uma outra possibilidade, mas que também abrangesse uma satisfação pessoal e profissional de ter uma cafeteria e de uma marca que gostamos bastante”, conta Priscila, sócia proprietária da Havanna.
O processo para abertura do estabelecimento durou cerca de três meses, e a inauguração ocorreu em setembro. Os sócios sabiam dos possíveis efeitos que a pandemia poderia causar. A possibilidade de realizar delivery foi um fator que impactou no momento da escolha do novo negócio, bem como o local escolhido para o estabelecimento funcionar, ao lado do Cine-Theatro Central. “Arriscamos tendo consciência de que vendas presenciais poderiam ser um pouco prejudicadas pelo momento, mas abrimos apostando também na possibilidade do delivery. Se fosse algo apenas de atendimento local, muito provavelmente esperaríamos um pouco para tomar essa decisão”, conta Priscila.
Desde que inauguraram o espaço, mesmo durante a pandemia, a sócia proprietária acredita que as vendas foram positivas e dentro do que se esperava. “Por ser uma novidade, pelo fato de a marca já ter um público que a conhece e também por ter sido em uma época próxima ao Natal, nós tivemos um movimento bom no final de ano”, conta Priscila.