Número de superendividados cresce 60% em Juiz de Fora
Mulheres idosas com até 1,5 salário que se endividaram com serviços essenciais como água, alimentação e farmácia são maior parte do público
O número de juiz-foranos superendividados, que não conseguem arcar com as dívidas e comprometem a própria renda, tem aumentado desde o segundo semestre do ano passado. No Serviço de Defesa do Consumidor (Sedecon) da Câmara Municipal, o atendimento a este público aumentou 60% nos últimos cinco meses em comparação com igual período dos anos anteriores. Entre setembro de 2016 e janeiro de 2017, o órgão atendeu 389 pessoas nesta situação, já no intervalo de setembro de 2017 a janeiro de 2018, o número subiu para 623.
Mulheres idosas com baixa escolaridade e renda de até 1,5 salário mínimo representam o principal perfil dos juiz-foranos superendividados. As contas a pagar são, na maioria, de serviços essenciais como água, luz, alimentação e farmácia. “São pessoas aposentadas que recorreram a um empréstimo consignado ou pessoal para cobrir despesas como a compra de remédios, ou que ajudam em casa e se endividaram com o supermercado, ou, ainda, que precisaram socorrer algum familiar em uma emergência”, explica o coordenador do Sedecon, Nilson Ferreira Neto.
Para ele, o aumento do número de atendimentos no Sedecon se deve aos efeitos da crise econômica. “O endividamento não se refere à extravagâncias do consumidor, como a compra de um produto muito caro que ele não deu conta de pagar, por exemplo. São despesas diárias, que devido ao encolhimento da aposentadoria ou até mesmo os casos de desemprego na família, sobrecarregaram o orçamento. A inflação pressionou os preços, num momento em que a renda diminuiu.” Só no ano passado, Juiz de Fora fechou 811 postos de trabalho, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). No mesmo período, a inflação ficou em 2,95%, de acordo com o IBGE.
Nilson conta que o uso do cartão de crédito também tem deixado os juiz-foranos superendividados. “As pessoas fazem uso deste recurso como se fosse dinheiro e se esquecem que no mês seguinte receberão a conta. Quando a fatura chega e não é possível quitá-la integralmente, optam pelo pagamento mínimo. Os juros incidem sobre o valor, que só vai aumentando e se tornando uma verdadeira bola de neve”, explica. “Recebemos casos críticos no Sedecon, em que a dívida ultrapassou demais a renda da pessoa, de forma que ela não tinha dinheiro para subsistência.”
Dívidas superam vencimentos
Nilson alerta que é preciso a população entender a diferença entre endividados e superendividados. “A partir do momento em que há o parcelamento de uma compra ou fazemos o uso de cartão de crédito para pagar no mês seguinte, contraímos uma dívida. Neste caso, somos endividados e precisamos ter cuidado com os gastos que iremos assumir dali para frente. Quando perdemos o controle da situação e não conseguimos quitar esses débitos, nos tornamos superendividados.”
Segundo ele, é necessário a pessoa entender a real situação financeira que vive para conseguir ter controle dos gastos. “Atendemos pessoas no Sedecon que tinham 70% da renda comprometida com parcelas de pagamento e até mesmo casos em que as dívidas superaram os vencimentos. É uma realidade muito grave, triste.”
“É preciso pedir ajuda”
O coordenador do Sedecon, Nilson Ferreira Neto, destaca a necessidade de pedir ajuda. “Em muitos casos, faltam instrução e conscientização. Por isso, a solução passa por buscar auxílio dos órgãos de defesa.” Para Nilson é possível que o número de pessoas superendividadas na cidade seja ainda maior. “Muitas pessoas não procuram os órgãos de defesa do consumidor por terem vergonha da situação.”
No Sedecon, as pessoas atendidas têm a possibilidade de renegociar as dívidas com os credores de modo que as parcelas caibam no orçamento, avaliar se os juros de contratos de empréstimo não são abusivos, receber orientações sobre educação financeira e, também participar de terapia financeira para evitar o retorno na situação de superendividamento. Todos os serviços são oferecidos gratuitamente.
“Algumas instituições têm regras mais rígidas para negociar. Mas, em razão do interesse de receber o crédito, sempre negociam. A situação é dificultada quando há reincidência por parte do consumidor, mas com o auxílio dos órgãos de defesa é possível chegar a um acordo.”
Para ser atendido, o consumidor deve comparecer à sede do Sedecon levando documento pessoal, contratos firmados com credores e faturas. O órgão funciona na Rua Halfeld 955, Centro, de segunda a sexta, das 8h às 17h. A Agência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon/JF) também auxilia pessoas superendividadas, para isso, basta ir pessoalmente à Avenida Presidente Itamar Franco 992, Centro, de segunda a sexta, das 9h às 17h, levando os mesmos documentos.
Inadimplência aumenta em serviços de água e energia elétrica
Em Juiz de Fora, os serviços essenciais perceberam aumento da inadimplência. Em 2017, a Cesama registrou inadimplência em 7,4% das contas de água. Em 2016, o percentual era de 5,2%. A assessoria informou que para regularizar a situação, o proprietário do imóvel ou terceiro com mais de 18 anos e que tenha autorização com firma reconhecida deve ir à agência de atendimento (Avenida Getúlio Vargas 1.001, Centro) ou aos postos de atendimento da companhia nas regionais da Prefeitura.
A assessoria da Cemig afirmou que não fornece dados de inadimplência por cidade ou região, mas que, ao comparar os registros de setembro de 2016 e setembro de 2017, quando foi feita a última apuração, verificou aumento de 3,36% da taxa. “Os clientes em débito devem entrar em contato com o canais de atendimento da empresa. Vale destacar que a companhia utiliza diversas ferramentas para evitar a inadimplência como envio de e-mail, mensagem de texto via celular (SMS), carta cobrança, notificação por meio de carta, visando evitar a inscrição do titular no serviço de proteção ao crédito, e contato telefônico.”
Pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que sete em cada dez brasileiros atrasaram ou deixaram de pagar alguma conta em 2017. O levantamento revelou, também, que 47% dos brasileiros estão ou tiveram o nome incluído em algum serviço de proteção ao crédito no ano passado.
Orientações
O presidente da Associação Brasileira de Educação Financeira (Abefin), Reinaldo Domingos, explica que o primeiro passo para sair de uma situação de superendividamento é ter consciência da realidade para poder mudá-la. “Boa parte dos endividados tem medo de encarar a situação e saber qual é o real tamanho de sua dívida. Isso tende a agravar o problema, levando a um círculo vicioso. Portanto, conheça a verdadeira situação financeira em que se encontra.”
O educador financeiro do SPC Brasil, José Vignoli, explica como verificar se as dívidas assumidas estão acima do nível aceitável: “O endividamento não pode impedir a pessoa de pagar todas as suas contas fixas. Além disso, é recomendável poupar uma parte dos ganhos e deixar uma quantia para arcar com as despesas variáveis do mês. Sempre que o consumidor se vir obrigado a pagar juros, o certo é recorrer à reserva financeira ou fazer atividades extras para aumentar a renda e se livrar dessa situação o mais rápido possível.”