Alta histórica do preço do café pressiona consumo e desafia o mercado

Nos últimos 12 meses, o preço do café moído acumulou alta de 80,2%, de acordo com o IPCA. É a maior variação registrada para o produto desde 1995, quando os preços subiram 85,5%


Por Mariana Souza*

16/05/2025 às 06h00

Preço do café mais caro em 2025, impacto na rotina dos consumidores
Preço do café mais caro impacta rotina dos consumidores. (Foto: Leonardo Costa)

Mais do que um hábito, o café é parte do dia a dia de milhões de brasileiros — e agora também um item que pesa no orçamento. Nos últimos 12 meses, o preço do café moído acumulou alta de 80,2%, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É a maior variação registrada para o produto desde 1995, quando os preços subiram 85,5%. Desde a implementação do Plano Real, o café não passava por um aumento tão expressivo.

Somente em abril, o aumento foi de 4,48%, sinalizando uma desaceleração em relação aos meses anteriores — em março, a alta foi de 8,14% e, em fevereiro, atingiu 10,77%, maior avanço mensal em 26 anos.

Para a empresária Elisa Paiva Delgado, o aumento foi um choque. “Sempre tomei café, faz parte da minha rotina. Não está tendo muita promoção. Realmente não tem muita opção com desconto no momento”, afirma.

Elisa, que é proprietária de uma pousada, relata que o impacto é ainda maior no fornecimento de café da manhã para os hóspedes. “Tento manter as boas marcas, mas o que me assusta é a velocidade do aumento. De repente, o café que custava R$ 18 passou a custar R$ 34. E mesmo as marcas consideradas mais baratas estão com preços próximos das marcas premium”, comenta.

Célio Inácio, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), destaca que o aumento influencia diretamente o consumo e o comportamento de compra. “Nesse cenário, os consumidores procuram alternativas mais acessíveis. Isso pressiona a indústria e o varejo a buscarem mais eficiência e novos formatos de venda. Como item de grande peso no consumo popular, o café impacta diretamente a inflação e esse reflexo já aparece nos indicadores recentes”, explica.

Um consumidor, que preferiu não se identificar, relata que o café segue como tradição em casa, mas as compras passaram a ser feitas com mais cautela. “Busco promoções, tento sempre passar no mercado e observar os valores. Quando encontro mais barato, compro mais pacotes para não sentir tanto depois”, diz.

Mudanças no consumo

Heveraldo Lima de Castro, presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria de Juiz de Fora (Sindipan/JF), avalia o cenário atual e afirma que os ganhos do setor foram diretamente impactados. “As nossas margens de lucro com o café têm diminuído, justamente para que possamos acompanhar a realidade financeira dos consumidores. Muitas vezes, a pessoa não consegue pagar por um café mais caro. Para não perdermos vendas e também para manter a tradição de oferecer um cafezinho aos clientes, reduzimos consideravelmente a margem.”

Ele também ressalta como o aumento no preço do café afeta toda a cadeia de consumo.“O café influencia diversas dinâmicas do consumo. Antes, era comum vermos clientes que vinham todos os dias à padaria, tomavam café, comiam um pão ou um sanduíche. Hoje, esse comportamento mudou. Não é mais como antes, porque o custo aumentou. Muitos têm preferido preparar o café em casa ou espaçar as visitas à padaria. O encarecimento do café provocou, sim, uma redução no consumo.”

Para o professor da Faculdade de Economia da UFJF, Weslem Rodrigues Faria, o encarecimento está ligado à produção atual. “A cultura do café, por ser uma lavoura permanente, tem enfrentado sérias dificuldades nos últimos anos, especialmente em razão das condições climáticas adversas. Ainda que o café atualmente consumido não seja o mesmo que está sendo colhido agora, a expectativa em torno da oferta futura já afeta os preços de hoje.”

O economista explica que o preço do café ficou mais caro devido à instabilidade na produção. Segundo ele, “a incerteza em relação à oferta futura exerce uma pressão imediata sobre os preços. Dessa forma, os fenômenos climáticos e os desafios enfrentados na produção se consolidam como os principais responsáveis pelos recentes reajustes no valor do café.”

Apesar do aumento do preço do café, população brasileira ainda o procura no mercado. (Foto: Leonardo Costa)
Apesar do aumento do preço do café, população brasileira ainda o procura no mercado. (Foto: Leonardo Costa)

Por que ficou mais caro?

Célio Inácio destaca que os impactos da crise climática sobre o setor cafeeiro não são recentes e vêm se acumulando ao longo dos anos. “O principal impacto é o climático severo nas safras passadas, especialmente as geadas e a seca extrema entre 2021 e 2022, que comprometeram a produção.” Além disso, Inácio afirma que os estoques mundiais estão em níveis historicamente muito baixos e a demanda externa por café brasileiro continua muito forte. “A crise climática, de forma mais ampla, tem provocado oscilações constantes na oferta e tende a seguir impactando o setor, tornando esse tipo de alta mais frequente, se não houver medidas estruturais.”

O economista alerta que “quando a oferta diminui devido a esses fatores climáticos, mas a demanda permanece constante, o ajuste é feito por meio do aumento do preço.” E acrescenta: “O café, por exemplo, é uma cultura bastante sensível às mudanças climáticas e aos eventos climáticos extremos, o que torna a oferta de café vulnerável a choques e consequentemente aumenta os preços. Esse aumento no preço do café, junto com o aumento geral da inflação dos alimentos, faz com que a população precise ajustar seu consumo, selecionando com mais cuidado sua cesta de compras.”

Além disso, Weslem Faria não descarta mudanças na qualidade e na própria oferta do produto. “O café, embora seja um produto bastante consumido no Brasil, pode ser visto como menos essencial em comparação com outros itens, o que pode levar os consumidores a buscar alternativas mais baratas. Isso, no entanto, pode incentivar o mercado a oferecer produtos substitutos que não sejam café, mas que se assemelhem ao produto, podendo afetar sua qualidade.”

Novas opções

Fabrício Rocha, gerente comercial, conta que tem optado pelo café gourmet. “Estou pagando em torno de R$ 30 a R$ 32 por um pacote de 150 gramas. Aumentou bastante. Antes, eu pagava cerca de R$ 22, R$ 23”, relata. Assim como Rocha, a empresária Elisa também encontrou no café gourmet uma alternativa. “Estou buscando cafés gourmet porque a diferença de preço entre o tradicional e o gourmet já está ficando pequena, especialmente em termos de custo-benefício”, afirma.

Ambos destacam o sabor e a qualidade como principais motivos para essa escolha. Apesar do preço mais elevado, Rocha não pretende mudar de fornecedor. “Não pensei em trocar. Tenho alguns que gosto bastante e, de vez em quando, vario. Mas, no geral, a média de preço para esse tipo de café, que é de microlote, se mantém estável”, completa.

Minas Gerais lidera produção

O economista Weslem Faria destaca que o café é um item de grande importância para a economia brasileira. Segundo ele, o grão ocupa posição de destaque tanto na pauta de exportações quanto na geração de receita para o país. “O café é um dos principais itens de exportação do Brasil, sendo essencial tanto para a geração de receita quanto para o fortalecimento da balança comercial”, afirma.

No setor agrícola, o protagonismo também é evidente. “O café se mantém entre os produtos mais cultivados, frequentemente figurando na quarta ou quinta posição entre as culturas mais relevantes”, observa. Para Faria, “o grão exerce um papel fundamental não apenas na produção rural, mas também na geração de empregos e nas exportações brasileiras”.

Ele lembra ainda que “por se tratar de uma commodity internacional, o café tem seu preço definido globalmente”. E alerta: “Brasil e Vietnã, por exemplo, estão entre os maiores produtores do mundo. Quando ocorre uma quebra de safra nesses países, o impacto é direto no preço internacional, já que a oferta diminui enquanto a demanda permanece constante. Esse descompasso resulta em alta nos preços”.

Minas Gerais, estado que lidera a produção nacional de café, ilustra bem essa dinâmica. Dados da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) apontam um consumo médio anual de 2.198.255 sacas no estado. Já o 2º Levantamento da Safra de Café 2025, divulgado neste mês pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), projeta redução de 6,6% na colheita de café arábica — espécie mais sensível ao fenômeno da bienalidade — com produção estimada em torno de 37 milhões de sacas no país. Em Minas, a expectativa é de uma safra de 25,65 milhões de sacas.

Segundo o levantamento, “um longo período seco entre abril e setembro de 2024 prejudicou o vigor vegetativo das lavouras, comprometendo o potencial produtivo dos cafezais”. O diretor executivo da ABIC alerta que, apesar de uma recuperação parcial prevista para 2025, “os preços ainda não devem retornar aos patamares anteriores”. Ele explica: “A normalização só deve ocorrer com duas ou três safras consecutivas. Por isso, o consumidor brasileiro deve seguir enfrentando um mercado volátil, com possíveis oscilações ao longo do ano, embora sem a mesma intensidade da alta registrada em 2024”.

Apesar dos desafios, Heveraldo Lima de Castro, presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria de Juiz de Fora (Sindipan/JF), acredita que a relação cultural com o café segue firme. “O café no Brasil é uma verdadeira tradição. Quando você recebe alguém em casa, a primeira coisa que oferece é um cafezinho”, afirma. “O consumo é forte justamente por causa dessa tradição tão enraizada. Acredito que essa tendência não vai mudar. Pode até diminuir um pouco, mas mudanças no consumo são difíceis de acontecer.”

*estagiária sob supervisão da editora Fabíola Costa

Tópicos: alta café / café

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