Preços de alimentos da cesta básica disparam em JF
Aumento no valor de produtos, como arroz, feijão, leite e carne, ocorre por conta de desequilíbrio entre demanda e oferta, somado à valorização do dólar

Os juiz-foranos têm levado um susto ao ir ao supermercado nos últimos dias: o preço de muitos alimentos que integram a cesta básica disparou. O que chama a atenção é que produtos mais comuns na mesa dos brasileiros, como arroz, feijão, leite e carne estão entre os que sofreram aumento significativo. De acordo com levantamento da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agropecuária (Sedeta) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), divulgado na última quarta-feira (9), a cesta básica ficou 24,5% mais cara em comparação com o mesmo período do ano passado. Segundo especialistas, o aumento no valor destes produtos ocorre por conta de um desequilíbrio entre a demanda e a oferta, somado à valorização do dólar. Para tentar conter a alta, sentida em todo o país, o Governo federal busca medidas junto ao setor supermercadista e a produtores de alimentos.
No último ano, a carne bovina de segunda subiu 56%. Outros produtos, seguiram a tendência, como o feijão (50,9%), o arroz (41,2%) e o leite tipo C (21,3%) – ver arte. Outros produtos também passaram a pesar mais no bolso do consumidor juiz-forano, como no caso do pernil suíno sem osso (69,97%), alho (56,3%), óleo de soja (48,4%) e farinha de mandioca crua (42,46%).
Segundo a auxiliar de serviços gerais Sônia Fátima de Souza Mota, não se encontra mais pacotes de arroz de cinco quilos por menos de R$ 15 na cidade. A consumidora está sempre de olho nos preços dos produtos nos mercados e, para ela, eles continuam altos mesmo quando há promoções. “Eu costumava comprar o quilo do feijão por R$ 4, mas não tem mais. O mais barato hoje, na oferta, está a R$ 6,49. O litro do óleo, que era R$ 2,79 na oferta, hoje está R$ 5,90. Tudo está caro”, comenta. “Antes ainda tinha umas promoções boas, mas agora não tem mais. De um mês para cá, o negócio ficou feio. Não adianta procurar em lugar nenhum.”
O cenário de Juiz de Fora é semelhante ao que ocorre em todo o Brasil, onde as famílias estão gastando mais com as refeições dentro de casa. O grupo alimentação e bebidas saiu de um ligeiro avanço de 0,01% em julho para uma elevação de 0,78% em agosto, dentro do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em agosto, houve pressão dos preços de tomate (12,98%), leite longa vida (4,84%), frutas (3,37%), carnes (3,33%), óleo de soja (9,48%) e arroz (3,08%). O arroz, por exemplo, acumula alta de 19,25% este ano, avalia o IBGE.
Tradicional lei de oferta e procura explica elevações
Três fatores principais podem explicar a alta nos preços de alguns alimentos, de acordo com o economista e professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernando Perobelli: período de entressafra, aumento na demanda e valor do dólar. A entressafra, entre março e setembro, quando há menor volume de chuvas no Brasil, impacta na produção e, consequentemente, nos preços de diversos produtos agrícolas da cesta básica. No caso do arroz, por exemplo, por ser um item o essencial na alimentação do brasileiro, o preço acaba sofrendo reajuste. Além da baixa oferta, um crescimento na demanda também influenciou os valores. Com a pandemia do coronavírus, as pessoas passaram mais tempo em suas casas no regime de isolamento social, levando a um aumento no consumo de alimentos.

Em relação à valorização do dólar, o professor comenta que houve um direcionamento das vendas para exportação. Nesta quinta-feira (10), a moeda estava a R$ 5,28. “Esse desvio, digamos assim, das vendas para o exterior também fará com que haja menos oferta, pressionando o valor, que é o impacto de querer vender o produto internamente com preços equivalentes ao do exterior”, explica Perobelli.
A alta nos demais produtos também podem ser explicada pelos mesmos fatores. Como publicado pela Tribuna no último dia 4, o preço do leite, por exemplo, foi puxado pela entressafra, além da alta nos custos de produção e crescimento na procura pelo produto.
De acordo com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agropecuária da PJF, Lucio Sá Fortes, é comum que haja diminuição da produção neste período por conta da piora nas pastagens. “A safra do boi foi no começo do ano e terminou por volta de maio. Agora, o que tem chegando no mercado é só o boi que chamamos de boi de confinamento”, explica. “Já é uma oferta menor e, de alguma forma, a demanda externa, principalmente da China, tem puxado a cotação. Aumentando a demanda, consequentemente, puxa o preço para cima.”
Expectativa de estabilização para o próximo ano
Na avaliação do economista Fernando Perobelli, a expectativa é que não haja, a curto prazo, uma estabilização ou queda nos preços de commodities por conta de uma tendência de aumento do dólar, além dos impactos também da crise econômica, em função da pandemia. “Independentemente desse aumento do dólar, acredito que vai haver uma diminuição dos preços somente no ano que vem.”
Ainda sem previsão para o fim da estiagem, a entressafra continuará ocorrendo. Além disso, o lucro do produtor também deve adiar a estabilização dos valores. “Muito provavelmente está ocorrendo o que chamamos de ‘janela de lucro’ para esses produtores grandes nesse momento. Nós teremos uma perspectiva de produção maior na safra, que levaria a uma diminuição de preço no próximo ano”, explica o especialista.
‘Os mais pobres têm impacto maior’
Como os produtos que estão sofrendo aumento expressivo são tidos como os mais comuns e essenciais na alimentação do brasileiro, as classes mais baixas acabam sendo mais afetadas com os ajustes, de acordo com o professor da Faculdade de Economia da UFJF, Fernando Perobelli. “Uma pessoa que ganha até um salário mínimo sente o aumento do feijão, da cenoura, da abobrinha e do arroz. Isso tudo faz parte do consumo do indivíduo e pesa no valor da cesta dos mais pobres”, diz. “Esse agravamento vai ter um impacto no bem-estar desta população.”
Para fins de comparação, o especialista cita uma mudança de comportamento das classes média e alta durante a pandemia. Por conta do regime de isolamento social, essa faixa da população deixou de gastar com lazer e vestuário e passou a se alimentar mais em casa, aumentando a demanda destes itens, o que, juntamente com os demais fatores, ocasionou aumento dos preços. No caso da classe baixa, por conta da restrição de renda, a readaptação torna-se mais complexa. “Os mais pobres, em alguns momentos, diminuem a quantidade calórica quando não dá para substituir o item. O arroz e o feijão praticamente não têm um substituo na estrutura de consumo do brasileiro, porque são básicos na nossa alimentação. Então se eu não tenho substituto, o que fazer?”, questiona Perobelli.
Associação solicita providências sobre reajustes
Na semana passada, a Associação Mineira de Supermercados (Amis) manifestou preocupação em relação ao aumento do preço de determinados produtos, em especial, arroz, feijão, leite, carne e óleo de soja. Liderado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o setor tem buscado dialogar com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), fornecedores e outros integrantes da cadeia a fim de solicitar providências quanto aos reajustes dos preços.

De acordo com o vice-presidente regional da Amis, Álvaro Lage, por conta das manifestações do setor, a expectativa é que, em breve, alguma ação efetiva seja tomada para normalização dos preços. “O nosso segmento de supermercado, principalmente do varejo, fica muito preocupado com relação ao aumento de preço, principalmente de produto da cesta básica. Há um esforço conjunto de trazer melhores preços através de grandes compras para que a gente possa repassar essas oportunidades de custo menor ao consumidor”, destaca.
Conforme abordado pela Amis em nota e reforçado pelo vice-presidente regional, o aumento “não representa lucro para os supermercados, porque eles não ampliaram suas margens”. De acordo com Lage, os altos valores têm sido repassados ao setor pelas indústrias e distribuidores. “O segmento esteve aberto desde o início da pandemia e aderiu, de forma permanente, a todas as providências e ações preventivas para o combate ao coronavírus: investiu muito em treinamento, em comunicação, em equipamentos, dedetização das lojas”, aponta. “Com isso, os custos desse trabalho são altos e acabam sendo anulados por esse aumento de preço e essa falsa expectativa de aumento de lucro”, justifica.
Imposto para importação do arroz é zerado
Dentro das medidas para tentar conter a alta nos preços dos produtos alimentícios, o Governo federal anunciou, na noite de quarta-feira (9), que irá zerar a alíquota do imposto de importação para o arroz em casca e beneficiado até 31 de dezembro deste ano. A decisão foi dada pelo Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), repartição ligada aos ministérios da Economia, das Relações Exteriores e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, responsáveis por definir alíquotas de importação e exportação, fixar medidas de defesa comercial e internalizar regras de origem de acordos comerciais, entre outras atribuições. A redução temporária está restrita à quota de 400 mil toneladas, incidente no arroz com casca não parboilizado e no arroz semibranqueado ou branqueado, não parboilizado.
Além da determinação de zerar o imposto, a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina, havia garantido, durante reunião do Conselho de Governo no início da semana, que “o arroz não vai faltar”. De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), vinculada ao Mapa, a produção de arroz estimada para a próxima safra (2020/21) é de 12 milhões toneladas, um incremento de 7,2% em relação à safra anterior. Desta forma, com uma produção maior, é esperado um arrefecimento de preços no próximo ano.
Senacon notifica setor alimentício
Também na quarta, a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), informou que notificou supermercados e representantes de produtores de alimentos para que expliquem, no prazo de cinco dias a partir do recebimento da notificação, o aumento do preço dos alimentos que compõem a cesta básica brasileira. O órgão também afirma estar em contato com os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Economia para discutir medidas a fim de mitigar o aumento exponencial dos valores dos alimentos.
De acordo com a Senacon, caso haja indícios concretos de abuso de preço, a pasta poderá investigar e sancionar administrativamente os incidentes como infrações aos direitos dos consumidores. Neste caso, as multas podem ultrapassar R$10 milhões.