Procon notifica bancos por restrições no atendimento
Consumidores se queixam da dificuldade de acesso a serviços na “boca do caixa”
Em tempos de fechamento de agências, redução de terminais de autoatendimento e incentivo a desligamentos de bancários, os correntistas têm enfrentado um problema adicional: a dificuldade para realizar pagamentos na “boca do caixa”. Na prática, o cliente encontra cada vez mais entraves para conseguir passar pela porta giratória e seguir em direção ao guichê. As tentativas de direcionar as demandas a terminais de autoatendimento, correspondentes bancários e internet são inúmeras, da hora da chegada na agência até a fila para deixar o celular na caixinha. O problema é que, nem sempre, o consumidor tem disponibilidade de usar a internet para realizar transações, muito menos sair da fila para pagar as contas na lotérica mais próxima.
Durante o prazo de pagamento do IPTU à vista, inúmeros contribuintes usaram as redes sociais da Tribuna para denunciar a dificuldade para quitar o imposto nos bancos credenciados e na boca do caixa, principalmente quando não se tratava de correntista da instituição, exatamente por conta dos convênios firmados, restritos ao pagamento em caixas de autoatendimento e internet banking.
Um aposentado de 76 anos, que prefere não ser identificado, frequenta o banco pelo menos uma vez na semana. Além das contas de casa, ele gere também as da sua sogra, uma senhora de 90 anos. Ele só realiza operações na boca do caixa. As tentativas de ser impedido, afirma, são várias. Tantas, que já perdeu as contas. Em todas, porém, faz valer o seu direito de escolher o canal de atendimento. “Sinto-me mais seguro ao fazer saques e realizar pagamentos no guichê. Não gosto de fazer as transações no terminal de autoatendimento. Não sabemos a índole de quem está ao lado. Também não uso a internet para essa finalidade.” Certa vez, disse, sacou o dinheiro no guichê e, ao tentar pagar as contas de água e luz, foi orientado pelo bancário a quitá-las na lotérica. “Não aceitei a recusa. Pedi para falar com o gerente e fiz valer o meu direito.”
Mediante as inúmeras denúncias recebidas neste sentido, o Procon notificou, na semana passada, todos os bancos com agências em Juiz de Fora para que informem as limitações impostas no atendimento aos clientes na boca do caixa, quais convênios estão ativos e as condições previstas em cada um deles. Também foi questionado em que local essas informações estão discriminadas de forma clara para o consumidor.
O superintendente do Procon, Eduardo Schroder, citou o caso do Banco do Brasil (BB) que, no final do ano passado, oficializou a recusa de receber boletos com valores acima de R$ 2 mil nos caixas das agências, inclusive os emitidos pelo próprio banco. A intenção é saber o motivo da não aceitação e, caso seja “plausível”, que exista a divulgação de forma clara e precisa.
O Procon aguarda resposta e acredita que esse é um fator importante na decisão do consumidor de abrir – ou não – uma conta ou firmar um contrato com a instituição. Segundo o superintendente, a partir das informações repassadas pelos bancos serão adotados os procedimentos devidos. Schroder acrescentou que o assunto será debatido no Fórum dos Procons Mineiros, que acontece em Juiz de Fora nesta sexta-feira (9), no XVI Conferência da Advocacia Mineira. A meta é traçar uma estratégia conjunta para minimizar os transtornos ao cidadão.
Queixas de cobranças indevidas
Problemas com bancos públicos levaram 174 consumidores ao Procon desde o início do ano. O número representa uma queda de 16,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando as queixas chegaram a 208 em Juiz de Fora. Os números referem-se ao acumulado do ano até 27 de fevereiro. Na análise de todo o ano passado, no entanto, 1.203 consumidores acionaram o órgão de defesa do consumidor para denunciar problemas em relação a Caixa e/ou Banco do Brasil.
Cobrança indevida está no topo das queixas em relação aos dois bancos. Problemas com contratos (não cumprimento, alteração, transferência, irregularidades e rescisão) e cálculo de prestação/taxa de juros revezem-se no segundo e no terceiro lugares. Considerando todas as outras instituições bancárias, o número de queixas chega a 515 só no acumulado do ano até terça-feira passada (dia 27). O número representa 15% do total contabilizado em 2017 (3.422).
Para sindicato, problema reflete redução de trabalhadores
Para a diretora de Bancos Públicos do Sindicato dos Bancários Zona da Mata e Sul de Minas, Lívia Terra, as dificuldades enfrentadas pelos consumidores são reflexo do sucateamento dos bancos públicos, com redução drástica no número de empregados e fechamento de agências, inclusive em Juiz de Fora.
“A quantidade de bancos e de funcionários não é suficiente para cobrir a demanda de atendimento.” A redução da estrutura de atendimento gera consequências, como redução de linhas de crédito, com impactos desde a agricultura familiar ao financiamento habitacional, aumento do valor das tarifas e comprometimento do atendimento ao público. “Todo mundo sofre na pele.”
A diretoria afirma ser uma “estratégia” antiga dos bancos a redução dos atendimentos presenciais no caixa das agências. Segundo ela, há um incentivo no sentido de direcionar operações a determinados canais de atendimento, especialmente correspondentes, além do estímulo à adesão às novas tecnologias, através de aplicativos. “A utilização das novas tecnologias facilita – e muito – a vida das pessoas, mas tem que ser uma escolha.” Lívia destaca a existência de uma parcela da clientela que ainda não conhece, ou não confia, na tecnologia. “O cliente tem que ter a opção. Aquele que se sente bem, utiliza os canais automáticos, mas é preciso manter as agências abertas para atender quem prefere ver a transação e se sente mais seguro dessa forma.”
BC veda limitação a acesso
O Banco Central do Brasil (BC) no artigo 3º da Resolução 3.694/2009 garante que é “vedado às instituições financeiras recusar ou dificultar, aos clientes e usuários de seus produtos e serviços, o acesso aos canais de atendimento convencionais, inclusive guichês de caixa, mesmo na hipótese de oferecer atendimento alternativo ou eletrônico”.
Já a Resolução 4.479/2016 prevê que as instituições devem divulgar, “em suas dependências, em local visível e em formato legível, informações relativas às situações que impossibilitem a realização de pagamentos ou de recebimentos nos canais de atendimento existentes, a exemplo de contratos ou convênios que prevejam canais de atendimento exclusivamente eletrônicos, dos boletos de pagamento vencidos ou fora do padrão, bem como dos pagamentos com cheque”.
Procurado, o BC, por meio de sua assessoria, reforçou que a instituição financeira não pode impedir o acesso aos guichês de caixas, mas ponderou que “a vedação não se aplica às dependências exclusivamente eletrônicas nem à prestação de serviços de cobrança e de recebimento decorrentes de contratos ou convênios que prevejam canais de atendimento eletrônico”.
“Exclusão de um grupo social”
Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a recusa do pagamento na boca do caixa é uma prática abusiva, de acordo com o artigo 39, IX, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O texto proíbe que fornecedores se neguem a vender bens ou prestar serviços, caso o pagamento seja feito na hora. Para o Idec, muitos consumidores não possuem conta bancária nem facilidade de acesso para efetuar os pagamentos por meio dos canais on-line, débito automático ou caixa eletrônicos, gerando a exclusão de um grupo social. Outro problema é que nem sempre os correspondentes bancários, como correios e lotéricas, estão disponíveis e oferecem a segurança necessária para realizar o pagamento.
Segundo o Idec, em caso de recusa justificada, o banco é obrigado a informar quais são as opções fornecidas, seja por meio do caixa eletrônico, internet banking ou lotérica, por exemplo. Se a cidade não dispor de meios alternativos para o pagamento em dinheiro, é possível registrar uma reclamação no prestador do serviço e no banco – por meio do SAC e ouvidoria – exigindo que aquele pagamento seja facilitado. Além disso, é direito do cliente formalizar queixa no Procon ou no site consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça, sempre que se sentir lesado. Para o Idec, o BC, com a Resolução 4.479/2016, desrespeita o direito de escolha do consumidor, garantido também no CDC.
Regras entre banco e empresa
A Tribuna procurou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil (BB). A Febraban, por meio de sua assessoria, afirmou que um dos serviços básicos oferecidos pelos bancos de varejo é o recebimento de contas de concessionárias. Segundo a entidade, a arrecadação de contas é regulada somente por contrato, que é negociado livremente entre a instituição financeira e a concessionária de serviços públicos. As cláusulas, afirma, são estabelecidas de acordo com as necessidades da empresa e da estratégia comercial dos bancos. “Portanto, o banco não poderá permitir o recebimento no guichê de caixa, se não estiver previsto esse serviço no contrato.”
Sobre pontos físicos de atendimento, o posicionamento é que, apesar do “franco crescimento dos canais digitais”, os pontos físicos e outros canais de atendimento continuam desempenhando papel importante no atendimento aos clientes bancários. Em pesquisa, a federação identifica a “preferência crescente dos clientes” em realizar as transações bancárias por meios eletrônicos – mobile e internet banking. Juntos, os dois canais representaram 57% das operações realizadas em 2016, enquanto as operações realizadas em agências somaram 8%. Ainda conforme a federação, o número de agências bancárias no país registrou alta, passando de 22,9 mil em 2015 para 23,4 mil no ano seguinte.
Já a Caixa, por meio de sua assessoria, afirmou que valoriza as informações registradas pelos clientes e as utiliza como subsídio para melhoria e modernização de todos os seus processos de atendimento. Informa, ainda, que realiza diversas ações para melhoria do atendimento, como acompanhamento do tempo de espera para atendimento nos caixas, divulgação de canais de atendimento alternativos como autoatendimento, internet, mobile, caixa-rápido, rede lotérica e correspondentes bancários. “Além disso, a Caixa revisa permanentemente seus serviços e produtos, priorizando a redução das reclamações e o aumento da solução em todos os canais.” O BB não se posicionou sobre o assunto.
Falta de caixas eletrônicos
A retirada de cerca de 50 terminais de autoatendimento do Banco do Brasil (BB) em diferentes pontos da cidade, como Shopping Alameda e Independência Shopping, tem prejudicado ainda mais o atendimento aos clientes. Os equipamentos são alternativa para a realização de procedimentos bancários fora do horário de funcionamento da agência, em qualquer dia da semana, como pagamento de contas, transferências, resgate de poupança e outras operações.
Procurada pela Tribuna, a assessoria do banco informou que a instituição está em meio ao processo de substituição dos caixas eletrônicos pelas máquinas de autoatendimento do Banco24Horas. “Oferecemos, ainda, canais alternativos de atendimento como correspondentes bancários, rede de terminais do Banco 24h, central telefônica, aplicativo de celular e internet banking.” A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) orientou o uso de canais alternativos.
“Eles indicam ao usuário usar os caixas eletrônicos 24 horas, que são integrados com outros bancos. Mas eles têm serviços muito limitados – só dá para sacar e consultar saldo impresso. Nada mais. Você não pode sacar da poupança, nem fazer transferências. Como usuária, achei a restrição muito ruim, principalmente porque, como trabalho entre 14h e 21h, e o banco abre às 11h, tenho um período curto para ir a uma agência bancária para pagar contas, sacar e fazer transferências”, reclama uma consumidora que não quis se identificar.
A Agência de Proteção e Defesa do Consumidor de Juiz de Fora (Procon/JF) explicou que não há exigência em lei que determine aos bancos disponibilizarem os terminais de autoatendimento. Para o diretor de formação sindical do Sindicato dos Bancários da Zona da Mata e Sul de Minas (Sintraf JF), Robson Marques, a reestruturação vivida pelo Banco do Brasil tem afetado de forma negativa a população de baixa renda. “Muito nos preocupa as decisões que visam o benefício apenas para os clientes com maior poder aquisitivo. Se, por um lado, acompanhamos uma redução do número de trabalhadores nas agências físicas e a retirada dos caixas eletrônicos, por outro, há uma ampliação dos serviços digitais e das chamadas agências Estilo, que são destinadas ao atendimento do público de alta renda.”