Apesar da queda na refinaria, preço de gás de cozinha não cai para consumidor
Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (Asmirg-BR) considera que há risco iminente de desabastecimento; Petrobras aposta na importação do produto para abastecer mercado interno
Diante das sucessivas quedas de preços internacionais do petróleo, acentuadas pelo agravamento da pandemia mundial do coronavírus, a Petrobras já reduziu, no acumulado do ano, em 21% o preço do gás liquefeito de petróleo (GLP), ou gás de cozinha, nas refinarias. A última alteração foi anunciada pela estatal em 31 de março, com queda de 10%. Na outra ponta, entretanto, a alegação é que a retração não chegou aos revendedores, tampouco aos consumidores. O preço em Juiz de Fora se mantém estável desde o início do ano.
Na cidade, o valor médio pago pelo consumidor é de R$ 67,19, variando de R$ 60 a R$ 80, de acordo com a revenda escolhida. Em janeiro, o botijão custava, em média, R$ 67,21 no mercado local. Os preços são os mais recentes apurados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), referentes à semana de 12 a 18 de abril.
O preço médio do GLP nas refinarias da Petrobras é hoje equivalente a R$ 25,54 por botijão de 13 quilos. No entanto, o valor final ao consumidor se mantém na faixa entre R$ 68 e R$ 70 no país. Desse total, cerca de R$ 25 formam a parcela da Petrobras e outros R$ 12 são impostos. O restante está ligado às atividades de distribuidoras e revendedores.
Procura cresce mais de 20%
Com mais famílias em casa por conta da recomendação de distanciamento social, houve aumento entre 20% e 25% na procura por gás de cozinha, conforme a ANP. Atuando no comércio de entrega de marmitas há mais de dez anos, Heleonora de Castro viu suas vendas crescerem neste período de isolamento e, por isso, o aumento no consumo do gás se deu na mesma proporção. Pelo produto, este ano, ela pagou, em média, entre R$ 60 e R$ 70.
“Não percebi nenhuma diferença de preço neste período. Seria ótimo se o reajuste anunciado pela Petrobras chegasse até os consumidores”, pontuou, informando ainda que, por mês, utiliza entre três a quatro botijões. “Tento economizar ao máximo, mesmo porque muitos alimentos aumentaram, e eu mantive o preço para fidelizar a clientela.” Questionada se sentiu dificuldade em encontrar o gás de cozinha, ela contou que, em momento algum, isso ocorreu. “Cheguei a ficar com medo de as pessoas comprarem sem limite e faltar, mas, não aconteceu”.
Já a vendedora Maria Helena Marcondes está em home office há quase um mês. O consumo de alimentos aumentou, assim como o uso do gás. Na casa dela moram o marido e dois filhos. “Antes a gente comprava comida, almoçava na rua. Atualmente, eu faço almoço e janta em casa e, com todos sem atividades fora, já tive que comprar outro botijão. Paguei o mesmo preço do penúltimo, R$ 72. De fato, não teve queda.”
A redução, porém, não teria sido repassada aos revendedores, como garantiu Lúcio Martins, proprietário de uma distribuidora no Bairro Benfica, na Zona Norte de Juiz de Fora. “Quando a Petrobras repassa um aumento, a gente vê bem rápido, mas, quando é uma redução, nunca chega para as revendedoras, e menos ainda ao consumidor”, disse.
Possível desabastecimento
A comercialização do GLP teve um pico nas primeiras semanas de isolamento. Com maior demanda, houve preocupação em faltar o produto na cidade, mas a situação já estava normalizada em meados de abril, afirmou Nando Carvalho, funcionário de uma revenda localizada à Rua Orvile Derby Dutra, no Bairro Santa Rita. Ele disse que as vendas aumentaram na primeira semana de isolamento social, mas depois despencaram. “Isso preocupa porque as despesas continuam as mesmas. No início do confinamento, fazíamos entregas o tempo todo.” Agora, segundo ele, as vendas são menores ante períodos considerados ‘normais’ (antes da pandemia). “Na primeira semana, foi igual aos supermercados, todo mundo saiu às compras e pediu gás, para ter estoque mesmo. Agora, a gente já tem uma redução de 50% nas vendas nesse período. Mas acredito que, no começo do mês, com os salários e muitos recebendo o auxílio do Governo, venderemos mais”, concluiu.
Funcionário há sete anos de uma revenda no Bairro Teixeiras, que preferiu não se identificar, disse que atualmente trabalha com o produto de duas marcas. A mais barata está custando R$ 58 para retirada pelo cliente e R$ 65 para entrega a depender do local. A marca mais cara apresenta variação de R$ 70 a R$ 79. Sem se recordar da data exata, ele informou à reportagem que, há alguns dias, estava faltando a marca mais barata para compra. “Fiquei sabendo que estavam com dificuldade de carregar no Rio de Janeiro. Além disso, limitaram a compra da marca mais cara, acredito que para não haver desabastecimento. Podíamos comprar 50 unidades apenas.”
Associação vê risco iminente
“Estamos vivendo um momento de calmaria antes de uma tempestade”, alerta o presidente da Associação Brasileira dos Revendedores de GLP (Asmirg-BR), Alexandre José Borjaili. Ele afirma ser iminente o risco de desabastecimento não apenas no estado, mas em todo o país. Segundo ele, as revendas trabalham com estoques insuficientes a longo prazo. “Milhares de famílias já utilizam lenha para cozinhar, pois o produto tem se tornado inacessível. Tenho denunciado isso sempre às autoridades”, disse.
O presidente adverte que o possível desabastecimento pode comprometer não apenas o consumo residencial, mas também o funcionamento de comércio, hospitais e indústrias, além de outros setores. Segundo ele, apesar de a Petrobras garantir que vai aumentar a importação, o mundo todo vive sob a crise da pandemia. “O Brasil está sujeito a não poder comprar dos países importadores, pois também precisam usar o produto internamente. Daqui a uns dias o povo começa a receber, e a primeira atitude é comprar alimentos e gás. Já vemos pontualmente essa falta, mas, no todo, acreditamos que é uma falsa sensação de normalidade. Estamos preocupados e há risco de um colapso, não tem como olhar com otimismo”, concluiu.
Na última semana, durante coletiva de imprensa, o presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse que, caso haja elevação do imposto sobre a gasolina para salvar a indústria do etanol, pode faltar o produto. A afirmação foi dada depois que a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) pediu apoio ao Governo, para evitar um “colapso” do setor sucroenergético, diante da forte queda dos preços do petróleo no mercado internacional. Um dos pleitos da Unica é elevar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da gasolina, paga por litro. A questão é que o GLP entra na mesma fase de produção da gasolina, por esse motivo, quando um é afetado, o outro também é.
Importação para sanar mercado interno
A Petrobras informou que está reduzindo a produção em suas refinarias, mas substituindo a oferta por gás importado. A instituição explicou que a redução do consumo dos combustíveis, como gasolina e diesel, fez com que fosse reduzido o processamento de derivados em suas refinarias, mas informou que, no caso do GLP, a queda da produção continuará a ser compensada pelas importações do produto.
“As importações adicionais se somarão às produções atuais das refinarias da Região Sudeste, com a chegada de três navios no Porto de Santos. Cada navio tem capacidade adicional de 20 milhões de quilos (equivalente a 1,6 milhão de botijões P13). Não há qualquer necessidade de estocar GLP neste momento, pois não haverá falta de produto para abastecer a população”, informou.