Alimentos livres de agrotóxicos ganham mercado juiz-forano
Para pesquisador, falta oferta de produtos; legislação municipal é antiga e precisa ser readequada
Na contramão das recentes liberações massivas de agrotóxicos, a região da Zona da Mata se tornou Polo Agroecológico e de Produção Orgânica em 2019, atendendo a uma demanda crescente dos consumidores por alimentos produzidos de modo quase artesanal, longe da produção em larga escala com a utilização de defensivos agrícolas. Mas, em Juiz de Fora, como é o mercado de alimentos livres de agrotóxicos? Na cidade, são duas feiras reconhecidas como orgânicas: a Feira da UFJF, que acontece às segundas-feiras, entre 16h e 19h; e a Feira da Praça do Bom Pastor, que ocorre semanalmente aos sábados, das 8h às 12h. Há dois anos, a Feira É Daqui também se estabeleceu em Juiz de Fora, sendo realizada às sextas-feiras, no Parque Halfeld, das 9h às 14h, mas não se enquadra na legislação de feiras orgânicas por ter produtos de outros tipos, como os sem glúten ou sem lactose.
Quem circula pelos mercados ou feiras da cidade também pode encontrar barracas dedicadas a produtos orgânicos ou livres de agrotóxicos, mas sem a exclusividade de alimentos do tipo. Na mesma linha, estabelecimentos de grande porte, como redes de supermercado, mostram-se dispostos a dedicar pequenos espaços para os suprimentos agroecológicos, ainda que de forma incipiente. Não é em vão, os produtores e comerciantes já notaram a abertura de mercado na Zona da Mata para as produções sem venenos, demanda criada pelos próprios consumidores.
“As pessoas estão percebendo que isso está influenciando na saúde e no bem-estar em geral, então tem uma grande procura”, avalia a produtora orgânica Natália Martins, proprietária do Sítio Estrela de David. Se há três anos o cenário era diferente pela falta de informação acerca dos benefícios dos alimentos sem defensivos agrícolas, atualmente, além das vendas presenciais nas feiras, a entrega a domicílio foi uma ferramenta encontrada por ela para atingir uma parcela maior de consumidores, agora consideravelmente mais conscientes.
O perfil do consumidor
“Já faz alguns anos que comecei a me preocupar mais com a origem e com a forma que são produzidos os produtos que minha família consome. A preocupação surgiu pensando na saúde dos meus filhos, sobretudo”, contou Cristiane Silva, consumidora assídua da Feira É Daqui, do Parque Halfeld. O desejo em proporcionar uma alimentação mais saudável para os filhos é um motivo corriqueiro entre os consumidores agroecológicos, configurando um dos grupos mais ativos neste mercado.
Em sua pesquisa de doutorado, o professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (Facc) da UFJF, Danilo Sampaio, em trabalho de campo com produtores e consumidores, apontou que o público, além de valorizar o caráter mais nutritivo, é estimulado pela preocupação com o meio ambiente. “O consumidor que realmente procura o produto orgânico não quer só se alimentar bem. Se as empresas observarem os resultados dessa pesquisa, elas vão conseguir promover um bem-estar social indiretamente, mesmo que não seja a intenção dela”, analisa o pesquisador. Para o professor, a mídia, fatores individuais e fatores sociais são elementos da construção de crenças que serão determinantes na criação do hábito de consumir orgânicos, algo mais comum do que há sete anos.
Levantamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) divulgado em abril deste ano, apontou aumento de cerca de 300% no número de produtores orgânicos entre 2010 e 2018 no Brasil, com 22 mil unidades regularizadas. O reflexo dos dados na Zona da Mata é notado por Cristiane, com maior oferta de feiras do que há anos. No entanto, a falta de produtos nas grandes redes também é destacada pela consumidora, resultando em pouca variedade. “Ainda é pequena a quantidade de alimentos orgânicos frente à variedade de não orgânicos. Basicamente, são ofertados legumes, frutas e hortaliças nas feiras e alguns cereais nos grandes estabelecimentos”, conta.
A escassez de produtos é tida por Danilo Sampaio como dificuldade crucial na instituição de uma cultura agroecológica entre os consumidores juiz-foranos. “A pessoa se sente motivada por alguma reportagem, mas vai buscar o produto e não tem. Aonde tem o produto? Segunda-feira, na universidade; quarta-feira, em outro lugar; no mercado X tem, mas apenas duas prateleiras. Ainda é muito escasso em Juiz de Fora”, apontou o pesquisador que carrega vivências no exterior, sobretudo em países desenvolvidos da Europa, onde a oferta de orgânicos se dá, também, por meio de grandes redes de supermercados. No Brasil, a região Sul é referência, de acordo com Danilo, ainda que distante do que é tido como o cenário ideal do volume de produção.
Há demanda crescente dos consumidores por alimentos produzidos de modo quase artesanal, longe da produção em larga escala, com a utilização de defensivos agrícolas
Zona da Mata é Polo Agroecológico: e agora?
A Lei 23.207/18 da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) instituiu a Zona da Mata como Polo Agroecológico e de Produção Orgânica e definiu diretrizes para o desenvolvimento da produção agroecológica na região. De acordo com Carlos Werner, presidente da Associação Monte de Gente Interessada em Cultivo Orgânico (Mogico), ainda não houve qualquer alteração sensível aos produtores da região com a lei, ainda que seja motivo de expectativa para a classe.
Nesse contexto, o Mogico, em conjunto com os produtores, trabalha por iniciativa própria para avançar na produção orgânica, com projetos, por exemplo, para conseguir certificar produtos na região – no momento, eles são certificados por empresa carioca. “Atualmente, nós estamos fazendo tudo por conta própria mesmo. A verdade é que, até a própria lei, se a gente não ficar procurando, não chega nada na gente. Nenhuma coisa pública, nenhum deputado veio conversar com a gente”, conta Cazé, como é conhecido o presidente da associação.
Legislação antiga
Na cidade, o desenvolvimento da agricultura orgânica é de responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Agropecuária (Sedeta), que está em vias de iniciar um projeto mais aprofundado de incentivo ao segmento. A intenção da pasta da Prefeitura de Juiz de Fora é estimular a participação maior de produtores do segmento nas feiras da cidade, a partir da criação de reserva obrigatória de vagas para essas pessoas. No entanto, a iniciativa esbarra na falta de regulamentação deste tipo de comércio.
“Juiz de Fora não tem uma lei de feiras, a gente tem um decreto de feiras que é muito antigo. Hoje, precisamos de um ordenamento das feiras. A gente sabe que elas são muito importantes para a geração de emprego e renda, mas elas precisam se adequar a novas políticas urbanas”, avalia o secretário Rômulo Veiga, que defende a destinação de 30% das vagas de cada feira registrada pela Prefeitura para a “agricultura familiar orgânica”, projeto que deverá ser debatido na Câmara Municipal ainda no segundo semestre de 2019, segundo Veiga. A criação de um comércio sem intermediários entre produtor e consumidor final é visto pelo secretário como forma de garantir maior rentabilidade para quem produz, mas se torna necessário estimular o empreendedorismo rural, criando a visão de mercado do produtor. “Hoje ele pensa até a porteira e tem que pensar além da porteira que é: como eu faço a comercialização do meu produto conseguindo o melhor valor por ele”.
Alimentos orgânicos x alimentos livres de agrotóxicos
Conceitos muitas vezes tratados como sinônimos, alimentos orgânicos e alimentos livres de agrotóxicos não representam necessariamente o mesmo conceito. Os alimentos orgânicos podem ser classificados como um subgrupo dentro do universo das produções livres de agrotóxicos (ou defensivos agrícolas, como também são chamados), mas tem exigências próprias para ser classificado como tal.
Para ser considerado um produto orgânico, o plantio passa por rígidos procedimentos tidos como ambientalmente corretos, que respeitam os ciclos de produção da natureza. A certificação orgânica é feita após análise de todas as fases da produção, desde o uso da semente, o uso da muda e a adubação, por exemplo, não bastando apenas a não-utilização de defensivos agrícolas. Essas exigências também garantem, de acordo com o pesquisador Douglas Sampaio, a sustentabilidade ambiental. “Em termos de uso do solo e respeito à propriedade e as pessoas que moram no interior, a agricultura orgânica promove um bem estar e a manutenção dessas pessoas no campo, porque mantém bem o ambiente”.