Rafael Senra lança o álbum ‘Reenvolver’
Influenciado por Clube da Esquina, o músico, professor, escritor e quadrinista amigos letristas em primeiro álbum autoral, mas segundo da carreira
Rafael Senra, 39 anos, mudou-se em abril de 2018 de Juiz de Fora para Macapá (AP) para assumir a docência em letras na Universidade Federal do Amapá (Unifap). De tanto frequentar a loja de música 2001, Rafael tornou-se amigo do proprietário. “Às vezes, ia pra loja e passava a tarde inteira conversando com Carlos”, relembra. Conversa vai, conversa vem, Rafael então contou que Clube da Esquina e o rock progressivo dos anos 1970 são as principais influências musicais. “Ele disse que, caso eu fosse gravar, não deveria perder tempo indo a vários estúdios em Macapá. Eu poderia ir diretamente ao Zarolho Records, estúdio do Alan Flexa.” Flexa é um produtor veterano local “gente boa, generoso”. Conhece a fundo Milton Nascimento e Lô Borges, pontua Rafael. O encontro resultou no lançamento do disco “Reenvolver”. É o segundo de Rafael, mas o primeiro apenas com autorais. A produção, mixagem e masterização são de Flexa.
O disco reúne 11 músicas. São quatro composições em que Rafael assina letra e melodia: “Cem palavras”, “Novela vaga”, “Diógenes” e “Desconectar”. As demais foram feitas em parcerias com amigos letristas que fez desde quando deixou a cidade natal, Congonhas (MG). Rafael esteve a cargo apenas das melodias. “Tive dois critérios para selecionar o repertório: o primeiro foi usar músicas em que já vinha trabalhando há muito tempo. O outro foi privilegiar parceiros letristas com quem trabalho já há muitos anos. Com alguns, por exemplo, componho há 20 anos”, explica. O mais antigo é Pablo Gobira, parceiro no EP “Lamparina”, quando ambos estavam juntos na banda Zastrados. Mas há ainda amigos da época de graduação em Letras em São João del-Rei, Aline Santos, Gabriel Oliveira, Guilherme Claudino e Renan Fonseca, além de Luiz Henrique Garcia, professor de Museologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o mais recente. “O Luiz Henrique já compôs com Lô Borges, Pablo Castro etc. A música com o Luiz é a que fecha o disco (‘Supernova SG-532’)”, revela. O álbum ainda tem a participação da cantora paraense Brenda Zeni. Ela interpreta “Novela vaga” e “Primeiro de abril”.
A influência de Clube da Esquina na sonoridade de “Reenvolver” é muito natural, afirma Rafael. “Quando terminei, mandei o disco para o pianista Túlio Mourão. Ao ouvir, logo já citou a referência de Clube da Esquina, mas com um sabor moderno.” Era justamente esta a intenção. Conforme o músico, as pessoas sempre lhe falavam sobre a referência do grupo mineiro na maneira como canta. “Me aconselhavam a não lutar contra essa influência, a sempre trazê-la de alguma maneira. Sei que é uma homenagem.” Mas a sonoridade de Rafael ainda traz outras influências, sobretudo internacionais, como U2, por exemplo. Há as bandas de rock progressivo, como Genesis, Pink Floyd e Rush. Além do pós-punk dos anos 1980, Cocteau Twins e Tears for Fears. “O disco é muito representativo das coisas que ouço. Costuro essas vários influências, mas Clube da Esquina é a que mais prevalece”, sintetiza.
Beatles: antes separados do que juntos
Há uma influência seminal na sonoridade de Rafael. “Beatles. Não só a banda em si, mas a carreira solo dos integrantes.” A referência estende-se até para o nome do disco recentemente lançado. A primeira versão da capa de “Reenvolver” era uma sátira do álbum “Revolver” (1966). “Em 2010, fiz um show e desenhei um cartaz que tinha a sátira. Em vez de desenhar os beatles, me desenhei”, brinca. Mas, posteriormente, Rafael desenhou a outra versão, a final, que “ficou mais legal do que a primeira”, diz. O próprio nome “Reenvolver” é uma derivação de “Revolver”. “Acho interessante porque ‘Reenvolver’ ressignifica o nome ‘Revolver’ e estamos nesta época em que o país está vivendo uma militarização. Amigos diziam que olhavam para o disco e liam revólver. E eu também. Mas o nome ‘Reenvolver’ ressignifica o símbolo das coisas ao nosso redor. E, no fim das contas, a minha música busca justamente ressignificar símbolos que pairam sobre a nossa cultura e estão distorcidos ou desgastados pelo tempo.”
O segundo disco de Rafael Senra foi lançado pelo selo polonês Progshine Records, especializado em rock alternativo e progressivo. Aliás, a Progshine nasceu como um site homônimo do brasileiro chamado Diego Camargo. “Ele mora na Polônia há muitos anos. Quando lançou o site, queria algo especializado em rock progressivo, mas em português. Eu sempre visitava o site, comentava etc”, relata. “Ao perceber que eu gostava muito de rock progressivo e fazia muitos comentários prolixos, o Diego me convidou para ter uma coluna no site.” Apenas depois veio o selo. Desde então, os trabalhos de Rafael são assinados pela Progshine, como seu projeto paralelo à carreira solo, Alfa Serenar. Nele, Rafael explora outras sonoridades musicais, como new age, ambiente music, trilha sonora e folk. O Alfa Serenar já tem dois álbuns: “The mood machine and other fornitures” (2019) e “VIA” (2020). “O ‘Reenvolver’ tem algumas músicas que deveriam ser do Alfa Serenar, como a ‘Supernova SG-532’.”
Mas tanto o novo álbum quanto o projeto Alfa Serenar são bem distintos do primeiro trabalho assinado por Rafael Senra. Em 2017, quando ainda estava em Juiz de Fora, ele lançou “Canções de São Patrício”. O disco trouxe 11 versões em português de músicas celtas irlandesas dos séculos XVIII e XIX. “Quem me incentivou foi o Kadu Mauad, outro amigo”, recorda – Kadu, inclusive, tem duas letras em “Reenvolver”: “Com você” e “Sentido vago”. “Eu havia gravado uma música celta e ele me incentivou a passar para o português, porque ficaria legal. Então, fiz as 11 versões do disco.” Rafael estava de mudança na época, então não achou que montaria uma banda. “Gravei em casa, fiz apenas voz e violão, porque queria reproduzir ao vivo exatamente como estava no ‘Canções de São Patrício’.” Alfa Serenar e “Canções de São Patrício” apenas expressam as várias facetas de Rafael Senra. Não bastassem a música e a docência, ele também é escritor e quadrinista.