Teatro: Toda roupa tem história para contar
Espetáculo ‘Do vazio dos teus bolsos’, criado a partir de oficina teatral do Corpo Coletivo, estreia nesta quinta-feira no Espaço OAndarDeBaixo
Nossas memórias e sentimentos podem ser ativados por uma série de motivos, e a roupa que usamos é um desses elementos. A camisa de um show de rock, a saia comprada em uma viagem inesquecível, o vestido do primeiro encontro, a roupa usada no dia do nascimento de um filho. Memórias afetivas que carregamos mesmo quando nos desfazemos dessas peças, que podem criar novas histórias quando passadas para frente. É a partir desse conceito, em que roupas perdidas podem criar novos sentidos para almas desprovidas de um passado, que estreia nesta quinta-feira (26), às 21h, no Espaço OAndarDeBaixo, o espetáculo “Do vazio dos teus bolsos”, que fica em cartaz até domingo, no mesmo horário.
A peça é resultado de seis meses da oficina de montagem teatral “Quimeras e Mariposas: A poesia de re[existir]”, realizada pelo Corpo Coletivo. Ela dá continuidade ao trabalho iniciado em 2016 e que rendeu outra peça, “302”, encenada no mesmo local e que tem como objetivo ensinar técnicas de teatro e possibilitar aos participantes que estejam em todas as etapas da construção do espetáculo até sua apresentação para o público. Integrante do Corpo Coletivo e uma das responsáveis pela oficina, a atriz Carú Rezende conta que o texto da peça foi escrito por Hussan Fadel a partir dos estímulos que os participantes – muitos deles sem experiência de palco – davam a ele, com muitas falas saindo diretamente dos exercícios realizados durante seis meses.
“Foi a partir de uma série de exercícios de improvisação que surgiu um tema de interesse, a ausência que nos acompanha todos os dias, a sensação que falta alguma coisa, que algo não encaixa”, explica a atriz, lembrando que esta sensação surgiu a partir da construção do campo conceitual da oficina, baseada na obra do poeta e dramaturgo espanhol Frederico Garcia Lorca. O grupo leu textos teatrais e de poesia do artista, além de pesquisar sobre sua vida. “Foi esse alimento que nos trouxe esse universo, histórias que giravam ao redor desse sentimento de ausência que está sempre presente.”
De acordo com Carú Rezende, o Corpo Coletivo “provocava” os participantes com esses textos e exercícios para construir o que chamam de “performances” ao invés de personagens.”Fomos construindo essas personalidades nas cenas, e a partir daí o Hussan foi construindo as histórias, em que o universo feminino está muito presente, em parte porque a mulher sempre esteve presente na obra do Garcia Lorca e também por termos muitas mulheres participando da oficina.”
Foi através dessa série de exercícios, de improvisações, que veio à tona o eixo principal de “Do vazio dos teus bolsos”. Segundo conta Carú, eles trabalhavam com Garcia Lorca quando um dos participantes disse que ele sentia como se estivesse em uma gaveta bagunçada, cheia de roupas, em que uma delas é escolhida, e tudo passa a ter sentido. “Vimos que essa é a imagem perfeita do que queríamos. Começamos a experimentar com nossas próprias roupas, espalhando-as pelo local do ensaio, e vimos que daria um jogo”. relembra.
Novas histórias para quem não tem memória
A história é sobre pessoas que estão em um mundo simbólico onde as roupas perdidas vão parar, sejam elas aquela que você não lembra onde deixou, o cachecol que guardou em um lugar diferente do imaginado, que pode ter sido emprestada e jamais devolvida. “As pessoas que estão ali não têm memória, história, são vazias de significado. Elas encontram essas roupas e criam histórias para elas”, explica Carú. Para aumentar essa sensação, o espetáculo terá como figurino peças doadas para a encenação, que depois serão distribuídas para instituições de caridade. “A gente quis trazer de fato as histórias das pessoas que compraram esse projeto, fizeram as doações, e carregar para a gente essas memórias, histórias reais”, explica a atriz, ressaltando que o volume de doações foi maior do que o esperado. “E trouxemos o público para o espetáculo antes mesmo de ele começar, deixamos as pessoas com curiosidade de saber como será a peça com as peças que elas doaram.”
A oportunidade de “vestir” as histórias que essas peças carregam trouxe uma nova gama de significados, acredita Carú. “É como se a gente mergulhasse em um outro universo. É tanta roupa que falamos ‘caramba, esse estilo ainda existe; olha, essa roupa veio com etiqueta, nem usaram; essa está toda rasgada, e a pessoa ainda usa’. Foi muito legal espalhar essas roupas e vestir, imaginar que ela tinha a ver com a personalidade que escolhemos. Só de vestir já provoca uma modificação em ti”, diz. “Você questiona por que a pessoa resolveu doar aquela roupa, a gente não sabe a razão, e isso é mais legal. Pode ser o que quisermos aos vesti-las. Elas carregam tanta energia de verdade, tiveram tantos usos diferentes, e agora essa lembrança passa a ser nossa.”
DO VAZIO DOS TEUS BOLSOS
De quinta a domingo, às 21h, com estreia nesta quinta-feira (26), no espaço OAndarDeBaixo (Rua Floriano Peixoto 37)