‘O céu é o limite’


Por JÚLIA PESSÔA

22/05/2013 às 07h00

Atualizada às 13h30

"Mas você não percebe que nós somos diferentes?" Carregada de preconceito, a pergunta feita em uma das cenas do filme "Colegas" certamente já foi ouvida por muitos que, como os protagonistas e mais outros 60 atores do longa, têm síndrome de Down. No filme, a questão é lançada por uma mulher depois de uma cantada de Márcio, um dos personagens principais, que não titubeia da resposta : "Não tem problema, eu gosto de gorda", diz ele, insistindo na investida e arrancando gargalhadas nas salas de cinema.

"Essa frase sintetiza a mensagem do filme, que mostra, sempre com bom humor, que a ‘diferença’ está na maneira de ver o outro", explica Aleksandra Zakartchouk, diretora de comunicação de "Colegas" e "multiassessora" dos três atores principais, Rita Pokk, Ariel Goldenberg e Breno Viola, todos portadores de síndrome de Down. "Ela trabalhou muito com a gente nos ensaios, ajudando a decorar os textos e mesmo no controle da nossa saúde, era uma mãe mesmo", conta Rita, que esteve em Juiz de Fora, acompanhada dos outros dois atores e da assessora, participando do seminário "Inclusão social e cidadania", promovido pela UFJF na última sexta.

 

O grupo falou com exclusividade à Tribuna sobre arte inclusiva, preconceito, desafios, planos para o futuro e sobre o destino de "Colegas", grande premiado do Festival de Cinema de Gramado nas categorias de melhor longa, direção de arte e Menção Honrosa aos três protagonistas, agraciado também no Festival de Cinema de Anápolis, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no Festival de Cinema Latino Americano de Trieste, na Itália, e no International Disability Film Festival Breaking Down Barriers, na Rússia.

O sucesso não para por aí: ainda este ano, o longa será inscrito na lista dos possíveis representantes do Brasil no Oscar. "Antigamente, os médicos diziam que as crianças com síndrome de Down viviam uns 12 anos. Agora estamos aqui, dando entrevista como artistas de cinema. Tudo pode acontecer até o Oscar. O céu é o limite", diz Breno Viola, aspirando voos ainda mais altos.

No ano que vem, um documentário que narra a história de três importantes personagens na trajetória dos três atores será lançado. No documentário "Três vidas e um sonho", as mães de Ariel, Breno e Rita contam o caminho que percorreram do momento em que souberam que dariam luz a crianças com síndrome de Down ao que, de olhos marejados, viram os filhos se tornarem estrelas de cinema. "Muitos pais não dão chances para que os filhos descubram seus talentos, e isso é fundamental. Não teríamos chegado aqui se não fosse pelo apoio e incentivo da nossa família", destaca Rita.

Há rumores de que o diretor Marcelo Galvão possa realizar, ainda, uma sequência para "Colegas" ou um seriado baseado no filme. "Foram possibilidades cogitadas, mas nada está certo, o que é fato é que o Marcelo pretende continuar trabalhando com atores com síndrome de Down", adianta Aleksandra. Independentemente da continuidade da história do cinema, os protagonistas seguirão sendo colegas, já que foram convidados a participar do remake da novela "Chiquititas", no SBT, ainda em 2013.

 

 

‘Não é natural’

Segundo Aleksandra, uma das grandes dificuldades para a realização do filme foi a captação de recursos. "Recebemos muitos ‘nãos’ de grandes empresas e nomes de muito prestígio na indústria cinematográfica. Diziam que ninguém queria ver um filme estrelado por pessoas com síndrome de Down, e absurdos como ‘isso não é natural’. Não é à toa que demoramos sete anos para concluir o projeto, com um roteiro que foi escrito em 2005 e só está nos cinemas agora."

"Fico muito triste com isso. Porque o filme é de aventura, amizade, sonhos, só que interpretado por atores com síndrome de Down. É muito ruim ouvir que uma empresa não quer ter seu nome associado a esse projeto", desabafa Breno, a quem o colega Ariel, que captou, sozinho, mais de R$ 400 mil reais em patrocínio, responde sem pestanejar. "Mas eu não desanimei, cada vez que me diziam não, eu ia em frente porque sabia que era um filme de peso."

 

Cada um dos protagonistas possui traços distintivos em sua atuação. "O Ariel tem muita facilidade em decorar textos em diversas línguas, coisa que o Breno tem um pouco mais de dificuldade, mas ele tem um grande poder de improviso, é muito espirituoso. Já a Rita é muito profunda, densa, e se aproveita muito das experiências pessoais para reproduzir as emoções dos personagens", analisa Aleksandra.

Imitando a vida, Aninha, Stalone e Márcio, personagens do filme, têm muito em comum com quem lhes dá vida em cena. "Sou tudo que a Aninha é: sonhadora, me emociono com facilidade. Em algumas cenas, continuava chorando mesmo depois do ‘corta!’", conta Rita. "O Márcio gosta muito de comer e pegar gordinhas. Já eu cuido da minha alimentação, mas também gosto das magrinhas", diz Breno, entre risos. "Não basta aprender o texto, estudar o roteiro – e olha que fizemos muito isso! -, o ator tem que saber entrar no personagem", completa ele.

Em relação às semelhanças com seu personagem Stalone, Ariel Goldenberg não precisa pensar duas vezes. "No filme, ele é apaixonado pela Aninha, e eu amo demais a Rita", declara-se ele, casado com a companheira de cena há dez anos. "Além disso, na vida nós três somos como no filme: um por todos e todos por um. Isso ajuda a entrar de coração no filme e é o que faz um grande ator, não é? O coração."

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