Uma poética do corpo


Por MARISA LOURES

20/01/2016 às 07h00- Atualizada 20/01/2016 às 10h42

Artista se apresenta nu no espetáculo

Artista se apresenta nu no espetáculo “Etéreo”

Uma perda. Surge “Etéreo”. “Era um trabalho feito a quatro mãos, porém, meu ex-parceiro faleceu, e decidi dar continuidade ao processo. ‘Etéreo’ traz a questão da ausência. Com ele, mostro minhas reais sensações, meus reais medos estão todos ali expostos”, confidencia René Loui, juiz-forano radicado em Natal (RN), onde integra a Companhia Gira Dança, e que volta ao berço para apresentar o único espetáculo de dança da 15ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança de Juiz de Fora, realizado até 31 de janeiro. Desenvolvida na Ilha da Madeira, em Portugal, em parceria com o Grupo Dançando com a Diferença, a criação segue estrada com patrocínio do Ministério da Cultura.

O artista não gosta de divisões. Vem de uma linha em que tudo é dança contemporânea, performance e teatro. “Esse projeto lida com ações que podem ser coreográficas, ou, então, atividades.” Apesar de a obra apresentar um roteiro pré-definido, René enfatiza que é na troca com o público que ele se completa. “A minha responsabilidade é de 50%, os outros 50% são de responsabilidade do espectador que, a cada lugar, me propõe novas ações. Eu me proponho a estar à mercê do outro e tento guiá-lo, mas acabo indo para outros caminhos”, diz ele, ressaltando que, durante o período de quatro meses em que fez residência com o Dançando com a Diferença, encontrou afinidades entre sua dança e a da trupe lusitana. “Lá, assim como em todas as companhias em que trabalhei na vida, a proposta é o conceito de corpos diferenciados. Trabalhamos com pessoas com e sem deficiências”, conta.

Segundo René, a própria maneira de entender sua obra mudou com o tempo. “Até janeiro passado, considerava ‘Etéreo’ como algo em processo, mas vi que não é. Ele é um projeto em que o processo é o produto. Estou ali sendo o René, evidenciando minhas reais sensações, mostrando minhas questões sociais, trazendo meu modo de lidar com a arte para a cena. É uma conexão entre arte e vida”, reflete ele, que usa o corpo nu em cena. “Talvez eu veja esse despir como dispositivo de fuga”, assevera, para logo completar. “Como pesquisador, já digo que meu papel principal na arte é provocar, gosto de convidar o indivíduo a sair da zona de conforto. Por mais que não tenha vínculos sexuais, que seja algo tão convencional estar nu, a nudez é algo que sempre incomoda”, aponta René.

De acordo com ele, a ausência de roupa é um dos principais pontos discutidos nos bate-papos realizados após as apresentações. “Para mim, o mais interessante é que eu suscite questionamentos que não sejam sanados ali na hora do espetáculo, nem sequer no bate-papo, mas que as pessoas sigam para a casa com aquilo reverberando na cabeça delas a fim de que, num próximo momento, a gente consiga estar mais próximo, que o distanciamento seja menor.”

René é performer e pesquisador das poéticas relacionadas ao corpo, tendo começado sua trajetória artística com a imersão na Ekilibrio Cia de Dança, em 2003. Para o Gira Dança, em que atua como intérprete, criador e assistente de produção, ele está desde que se formou em artes e design pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Agora, ele inicia o mestrado em artes visuais e um novo projeto, também com apoio do MinC. “Estou indo para um processo de circulação em Portugal e Alemanha, mas também é um processo de desenvolvimento de uma nova criação artística. Ainda não sei se essa criação nova vai ser teórica, se vai ser prática, mas estou indo para me contatar com artistas individuais que também pesquisam a dança, a diferença e a deficiência dentro do âmbito da dança e da performance.”

“ETÉREO”

Apresentação de dança contemporânea e performance, de René Loui

20 de janeiro, às 18h

CCBM

(Av. Getúlio Vargas 200 – Centro)

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