Outras Ideias com Priscila Nascimento França Fontoura
Era fevereiro deste ano. Convidada para um baile de carnaval da agência bancária na qual trabalha, Priscila combinava os preparativos quando ouviu: “Você já tem fantasia, vai de Globeleza”. Não. “É muito vulgar, não combina comigo e vai contra o que acredito. Mostrar a bunda valoriza alguém?”, questiona, indignada, a bancária de 28 anos. “Pensando na minha cultura, decidi ir de turbante. Entrei no YouTube, peguei um pano, amarrei como uma faixa e fiz uma maquiagem. Se tivesse ido de Globeleza não seria tão impactante”, conta.
Era julho de 2014. Aos sete meses da gestação do terceiro filho, Priscila sofreu uma pré-eclâmpsia, perdeu a criança e ficou oito dias no CTI e outros dois no quarto do hospital. Dali em diante, acordaria diferente. A missão, para a qual diz ter sobrevivido, lhe surgiu justamente na semana da “festa pagã”. “Depois do baile, resolvi trabalhar com um turbante de cabeça fechada. Foi a experiência da minha vida. Quando estava contando o dinheiro de uma senhora, ela, com os olhos cheios d’água, me disse: ‘Nunca imaginei estar viva para ver uma pessoa como eu, trabalhando assim'”, reproduz.
Era para ser um dia qualquer. “Ali, percebi que tenho uma função social. Comecei a estudar e a participar de encontros. As histórias das negras são todas iguais. Tanto faz se é bancária ou doutoranda. Ainda somos menosprezadas. O turbante é meu ato contra o racismo”, diz, firme, a mulher de voz doce, que tem feito oficinas pela cidade ensinando a história e a amarração do ornamento que ostenta. “Com autoestima, conseguimos tudo”, defende.
#empodereumamulherpreta
Para Priscila, “a questão estética é importante, porque uma mulher negra que coloca um turbante e se maquia fica empoderada”, mas há um forte discurso em cima da cabeça. “Desde o Egito Antigo, existe o turbante, um adorno para proteger do sol. Foram os negros que trouxeram para o Brasil. Para nós, é uma forma de falar que desejamos ver a nossa cultura preservada. Não queremos fazer maquiagem para afinar o nariz, sofrer com alisamentos de cabelo ou ser aprisionada ao mega hair”, reflete ela, que parou de usar química e mantém os cabelos naturais. “Ia a um salão no Rio de Janeiro conhecido por tratar do cabelo crespo. Saía de Juiz de Fora, aos sábados, às 6h, e chegava às 19h. Íamos eu e mais um batalhão de mulheres negras, numa van, tendo que comer rápido e passar muito aperto, além de ser muito caro.”
#representatividade
No dia a dia das cruéis sutilezas, Priscila descobriu que a mesma pele que a exclui também pode lhe trazer um espelho a sorrir. “Na minha família, tem italianos, portugueses, e meu bisavô era um escravo recém-liberto quando roubou minha avó, uma índia, da tribo a qual ela pertencia. Não sou moreninha, não sou cor de jambo, sou negra”, afirma a filha de Elza e Adilson e irmã de Melina. Nascida em São João Nepomuceno, ela foi a única negra do turno de seu colégio particular. “Minha forma de fugir do bullying não era a correta: eu batia”, lembra-se. Aos poucos, acalmou-se, sem perder o timing das respostas, e foi cobrar pelo espaço que desejava ocupar. Aos 20, com um filho de 3, passou no concurso da Caixa Econômica Federal, em Além Paraíba, onde viveu por dez meses até ser transferida para a cidade natal. Há seis anos, mora em Juiz de Fora, ao lado dos filhos, Gabriel e Victor Hugo, e do marido Antônio.
#sublimequilombo
Dona de mais de 20 estampas diferentes de tecidos para seus turbantes, entre malha e algodão (“Queria ir para a África comprar contêineres de panos”, brinca), Priscila encanta pela segurança que transmite. Os olhos brilham ao falar das raízes. Pergunto-lhe, então, sobre o momento em que se voltou para uma postura mais politizada. “O negro tem que ser assim, nascer assim, senão morre”, dispara. Contudo, mesmo diante de seu vigor e energia, é preciso enfrentar os dias. “Percebo que as pessoas me olham de maneiras diferentes. Quando estou do lado de fora do banco, sou a macumbeira. Quando estou atrás do caixa, sou a estilosa”, lamenta. Olhares enganados. Priscila anda, para lá e para cá, como uma rainha. Ao menos é o que diz a hashtag com que posta suas fotos na página que criou no Facebook (Sublime Quilombo Acessórios): #meuturbanteminhacoroa.