O legado de Natália Romualdo: voz, determinação e empoderamento

A jovem jornalista e ativista era considerada uma força em ascensão, que ainda estava conquistando parte dos seus sonhos e que já tinha aberto muitas portas


Por Elisabetta Mazocoli, sob supervisão do editor Marcos Araújo

16/12/2022 às 07h00

Natalia Romualdo papo de preta
No Canal Papo de Preta, Natália buscava dar voz à mulher negra falando sobre cultura pop, cotidiano, beleza e sociedade (Foto: Reprodução/Redes Sociais)

Na tarde do dia 10 de dezembro, a jornalista e ativista antirracista juiz-forana Natália Romualdo teve uma parada cardiorrespiratória e faleceu. A morte precoce, aos 29 anos, deixou familiares, amigos e seguidores em choque – ela era considerada por eles uma força em ascensão, que ainda estava conquistando parte dos seus sonhos e que já tinha aberto muitas portas. Mesmo assim, a jovem já havia feito muito, principalmente no Papo de Preta, canal que tinha com a amiga de faculdade Maristela Rosa e que buscava dar voz à mulher negra falando sobre cultura pop, cotidiano, beleza e sociedade. Entre seus familiares, amigos e colegas, a vontade é honrar essa memória.

A notícia foi recebida por Ana Carolina da Silva com enorme surpresa. Foram 11 anos juntas, como amigas de faculdade, duplas em trabalhos e parcerias em diversas matérias. Ela acompanhava a amiga, que recentemente tinha ido à Comic Cons e sido convidada também para um projeto do LinkedIn. Ela estava trabalhando em São Paulo e “fazia mil coisas ao mesmo tempo”, conseguindo conciliar o canal com milhares de seguidores e também seu trabalho com carteira assinada. Era também co-criadora do projeto PretaFlix, um espaço criado por mulheres negras voltado para a exaltação da negritude. Para a amiga, era impressionante como mesmo assim tudo era muito bem feito. “Me orgulhava muito da mulher que ela era. Vi o que ela era antes do canal e o que estava se tornando. Ela me incentivava muito, eu ainda tinha alguns receios e medos…e ela sempre foi muito firme no que acreditava. Falava para ela: ‘amiga, que coragem’. E eu me sentia mais corajosa ao lado dela”, diz.

Maristela, sua companheira no canal, também homenageou a amiga em publicações nas redes sociais. “Você acreditou em mim quando nem eu mesma acreditava, e, juntas, nós construímos algo maior que nós mesmas. Obrigada por não ter desistido de mim esses anos todos, por toda sua dedicação. Eu tenho tanto orgulho da mulher que você se tornou: linda, inteligente, competente, corajosa…”. Por trás da dor do inacreditável, o que as amigas destacam é sempre o sorriso de Natália. Sua amiga, colega de sala e parceira no estágio na rádio CBN Juiz de Fora, Vívia Lima, lembra justamente assim de Natália. E vibrava por ela mesmo quando estavam longe.

“Eu me recordo que a Natália sempre falava de quando ela seria famosa, uma correspondente internacional. Fazia referência à Ilze Scamparini”, lembra Vivia. Recentemente, a amiga fez uma viagem para Paris, e Vivia, mesmo já mais distante, lembrou dessa vontade dela. “Me fez lembrar daquela Natália que conheci como colega de turma”, conta. Como profissional, também lembra que a amiga era ágil, conseguia conversar com rapidez com as pessoas e que se virava sempre como podia. “A memória da Natália como profissional era de alguém que sempre se dedicou muito, se entregou muito”, diz. “Ela tinha um sorriso muito alegre, uma risada alta. Eu e as pessoas que estudamos com ela, mesmo quem não tinha contato diário, estamos ainda tentando entender. Por que ela se foi tão jovem, tão nova?…Mas são coisas que ainda não temos respostas”, diz.

Determinação e garra

Um dos seus professores na graduação em jornalismo na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Márcio Guerra, trabalhou com Natália como aluna, estagiária e bolsista, e fala sobre como era sua relação com a profissão. “Desde o começo, eu via nela uma determinação e uma predisposição a vencer todos os desafios que me chamavam muita atenção. Uma vez, ela me relatou que estava sendo desafiador estar lá, e aquilo era uma conquista pessoal e familiar para ela”, explica. Ele também acrescenta que ela terminou o curso de forma brilhante, e notava o quanto ela se dedicava para não desperdiçar nenhum momento da oportunidade que teve. As amigas também destacaram o sonho de toda a família em vê-la brilhar.

Uma questão que afligia Natália e que ela deixava claro para as pessoas próximas era o espaço que ia encontrar no mercado de trabalho. Para Márcio, que vivenciou esse começo de carreira dela tão de perto, foi claro que ela encontrou um espaço muito próprio. “Ela encontrou, junto com a Maristela, um espaço para trabalhar as questões envolvendo a questão racial do preconceito e da mulher negra. Ela deslanchou, encontrou um nicho de mercado importante”, diz.

Influência para toda a vida

Para Ana Carolina, seguir depois dessa perda tem sido um desafio. “A gente acorda, a gente trabalha porque precisa, a gente come o que precisa, mas sem apetite, sem nada. É um choque enorme, é algo inexplicável”, diz. Com a sua partida, o que resta é relembrar o que ela construiu: o Papo de Preta tinha 122 mil seguidores nas redes sociais, mais de 180 mil inscritos no youtube. A influência não era só um número – nos comentários, é possível ver diversas pessoas falando sobre o quanto o canal impacta a própria noção de negritude, no empoderamento e no fortalecimento pessoal frente a todo o preconceito. Márcio também conta que, no velório, havia muitas pessoas ali presentes dizendo o quanto foram impactadas por sua voz. “Falavam sobre o quanto ela foi importante inclusive no papel dessas pessoas diante do preconceito e racismo estrutural. Foi reconfortante pra mim, que estava sentindo muita dor por essa perda, ver que esse legado dela se manteve”, disse.

Ela e Maristela trouxeram questões que permeiam a vida dos brasileiros. As “dicas do dia” eram, muitas vezes, verdadeiros ensinamentos que ultrapassavam a pressa do cotidiano. E que continuam disponíveis, para quem ainda precisar. O que fica para os amigos é a memória de uma mulher sorridente, alegre, que conquistou vários sonhos e abriu muitas portas. Para a família, alguém que ajudou com boa vontade e quis melhorar a vida de todos. Para os professores e para a UFJF, a lembrança de alguém que absorveu tudo de melhor e que também ensinou. Para os seguidores, uma influência que passa de vida em vida. E para Juiz de Fora, também um recado mais amplo: não se pode esquecer nem demorar para valorizar vidas como a de Natália.

 

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