À Tribuna, Baby do Brasil fala sobre família e religião
Em comemoração ao aniversário do Cultural Bar, cantora vem a JF com banda nova, autonomia criativa, e, claro, honrando os clássicos dos Novos Baianos
Quando eu ostentava longas madeixas castanhas, não foram poucas as vezes em que completos estranhos me pararam em filas de mercado, banheiros de rodoviária e diversos outros lugares inusitados por um motivo específico, externado de várias formas. “Menina, você é a cara daquela mulher dos Novos Baianos’, ” Nossa, você é a cara das filhas da Baby”, “Mas qual?”, pergunto, “Ahhhh todas, a SNZ” – grupo formado por três filhas da artista -; “Você é a cara da Baby. Mas ela nova, filhinha, porque com aquele cabelão roxo ela é bem mais modernona que você.”
A vida inteira, desde muito criança, por herança musical familiar, escuto o som que Baby fez com os baianos (ela era a única de Niterói) e sozinha, e desde que a semelhança física começou a virar brincadeira entre os amigos, incorporei pra mim um pouco da artista de 65 anos ,que é a única mulher de um dos maiores movimentos musicais da história da música nacional. E se você fecha o olho, “a menina ainda dança”, como a própria reitera em entrevista à Tribuna. “(Risos) Sim, dança o tempo todo! E muitas horas por dia!”
Apesar de ter iniciado a carreira solo ainda em 1978, com o disco “O que vier eu traço”, e ter emplacado inúmeros hits desde então, como o inesquecível e delicioso “Menino do Rio”, de Caetano, Baby é reconhecida, celebrada e icônica por seu trabalho junto a Pepeu Gomes, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Dadi Carvalho e outros músicos que foram se unindo ao grupo ao longo dos anos, engrossando o caldo de talentos que vivia no Cantinho do Vovô, em Jacarepaguá, e vivia de fazer música, de afetos, de umas partidinhas de futebol e de simplicidade.
“Muita música! Muita vida! Muitos anos juntos como uma família musical. Lembro-me, entre outras coisas, quando transformamos o galinheiro num estúdio e ali ensaiávamos o nosso regional e o elétrico, no sítio de Jacarepaguá. E não queríamos luxo, nem nos preocupávamos com a grana, mas somente em criar e fazer um legado para todas as gerações futuras. (…) mas tendo que driblar todo o dia a repressão da ditadura e acreditando que tudo ia dar muito certo! E, é claro,…. deu! “. Missão cumprida. Sobre os tempos atuais do país, a cantora mostra-se esperançosa, falando sobre o papel dos artistas. “Um novo paradigma está em gestação. E nessa hora que parece difícil, por incrível que pareça, que as artes crescem e se tornam mais inspiradas e potentes, influenciando toda a gente, vem cantando e atuando para dar ênfase a essa reviravolta e produzir a grande mudança.”
Reencontro histórico
Da época do sítio e da trajetória com os baianos, Baby guarda um carinho especial por alguns dos hinos (que já lhe eram antes de a expressão “hino” virar moda) entoados por várias gerações. “São várias canções! Mas principalmente as que canto no DVD que acabamos de lançar: “A menina dança”, “Tinindo e trincando”, “Farol da Barra” e “Brasileirinho”. Fazem parte da nossa história juntos, e as duas primeiras foram feitas especialmente para mim”, lembra ela, fazendo referência ao DVD “A menina ainda dança”, gravado em 2014 e feito em família – literal e metaforicamente -, com direção artística de seu filho Pedro Baby e participações do próprio, de Caetano Veloso, Dadi Carvalho e Jorginho Gomes (irmão de Pepeu e também ex- integrante dos Novos Baianos).
Para os fãs, um momento esperado e histórico foi a reunião de Baby e Pepeu, seu ex-marido e pai de seus filhos, ao lado de Pedro Baby, no palco do Rock in Rio em 2015, depois de 27 anos sem tocarem juntos. “Foi um outro grande marco na minha vida, tanto como artista quanto como pessoa, pois fomos casados e tivemos seis filhos e fizemos inúmeros hits, em muitas parcerias de sucessos. Achamos que esse reencontro talvez nunca mais fosse acontecer. Mas tivemos o nosso filho Pedro Baby como o nosso grande mediador e que nos proporcionou realizar esse reencontro, e a nossa amizade hoje tornou-se uma realidade, e uma alegria para nossos filhos, para nós e para todo o Brasil”. (Eu, como pretensiosamente me sinto parte da família pela anunciada similaridade física, posso garantir que sim!). Dois anos depois, a porta que se abriu durante o festival ainda rende frutos, como a cantora anuncia. “Vem aí brevemente uma nova música linda, da parceria minha e de Pepeu, para o meu próximo disco.”
“Muito louca, mas sem drogas”
Da época dos longos cabelos castanhos do Cantinho do Vovô para a atualidade, muito mudou: Baby deixou de ser Consuelo – sobrenome que adotava – para ser “do Brasil”; virou evangélica; fundou uma igreja, o Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome do Senhor Jesus Cristo – em que é pastora -; ficou afastada dos palcos por dez anos, e a voz….continua a mesma. Mesmíssima. “Mas os meus cabelos… violeta ! (risos) Cresci muito por dentro, a experiência espiritual com Cristo me fez reavaliar tudo: o perdão, o arrependimento, o amor, os relacionamentos, o sexo, a família. E a minha vida ficou muito leve e ‘sarada’. Minha inspiração aumentou muito, e a minha interpretação recebeu muito dessa influência, dessa sustentável leveza do ser (risos)”.
A religião, inclusive, passará a ser parte ainda maior de sua carreira, pois Baby já gravou um disco gospel que será lançado “quando Deus der o sinal”. “Nunca mais fui a mesma, tudo mudou! A minha trajetória musical ganhou novos rumos, pois componho músicas de adoração, e no momento propício lançarei um CD, que já está pronto, com produção de Tom Books”, anuncia a cantora.
Sobre o show em Juiz de Fora, Baby promete uma noite animada e dançante, com novas nuances da eterna “Telúrica”. “Esse novo show é uma experiência maravilhosa que estou compartilhando com todos, por ser o momento de maior liberdade de criação no palco que já vivi depois dos Novos Baianos. A minha nova banda é uma pegada muito forte! São de músicos virtuosos com muito potencial,”, diz ela, sobre o time que constrói nova fase com ela e tem Frank Solari na guitarra, o parceiro de anos Jorginho Gomes, André Gomes no baixo, Dudu Trentin nos teclados, Gui Schwab na guitarra, e Marcos Suzano na percussão. “Se preparem para curtir e dançar muito! A minha relação com a cidade é muito profunda; tenho grandes amigos e já participei de muitos cultos extraordinários na cidade.”
Avaliando a trajetória na música e na religião, Baby, que, querendo ou não, sempre rompeu com tabus e estereótipos, sabe bem seu lugar. “As pessoas não têm mais medo de que eu fique careta …religiosa. Elas já sabem que a Baby do Brasil é muito louca! Mas sem drogas! E que ela é totalmente Matrix do Bem!”. Tinindo e trincando, eu diria.
Baby
Nesta sexta-feira (16), às 23h, no Cultural Bar (Avenida Deusdedit Salgado 3.955). 3231-3388