Luiz Ruffato lança livro em que investiga o Modernismo fora de SP
Escritor lança livro “A Revista Verde, de Cataguases – Contribuição à história do Modernismo”, em que investiga os impactos do modernismo para além de São Paulo

Luiz Ruffato nasceu em Cataguases. Mesmo morando em outras cidades, como a própria Juiz de Fora, onde cursou Comunicação Social na UFJF, ou, agora, em São Paulo, o universo do município da Zona Mata ainda o alcança. “Verão tardio”, por exemplo, seu último romance, lançado em 2019 pela Companhia das Letras, já pintava um retrato sobre a cidade, a partir da vivência do personagem principal, Oséias. Agora, juntando-se às reflexões sobre a Semana da Arte Moderna de 1922, cujo centenário é comemorado este mês, Ruffato lança o livro “A Revista Verde, de Cataguases – Contribuição à história do Modernismo”, que marca também sua estreia na editora Autêntica. O livro será lançado virtualmente, nesta terça-feira (15), às 19h, no YouTube da editora. Além dele, na mesma sessão, Yussef Campos lança seu livro “Inda bebo do copo dos outros, coletânea de Mário de Andrade”.
A verdade é que, a Ruffato, neste livro, não interessa a cidade de Cataguases, apesar de ela estar no título. De acordo com ele, o ponto principal é entender o impacto da Semana de Arte Moderna para além de São Paulo, que, inclusive, faria surgir o movimento Verde. Ele só viria a saber o que realmente foi a revista após sair de Cataguases. Pouco se falava sobre ela, pouco se entendia de sua dimensão. A Companhia das Letras acabou de lançar o livro “Modernismos 1922-2022”, em que consta um ensaio de Ruffato, que já atuou como jornalista, sobre o modernismo nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Ele disse que, quando começa a estudar um assunto, gosta de ir fundo. “Eu gosto de pesquisar. Talvez eu seja um pesquisador frustrado.” Depois de pronto o ensaio, ele decidiu que se dedicaria à escrita de um livro-pesquisa, o seu primeiro de não ficção (apesar de ter vários ensaios), sobre a Verde.
“Sempre me incomodou falarem que o surgimento da revista foi um fenômeno inexplicável. Para mim, tudo se explica. Isso, às vezes, acontece porque as pessoas não vão a fundo nos assuntos.” Com essa ideia, para entender como tudo se deu e por que Cataguases, Ruffato começou o estudo. Como ainda era assunto pouco explorado e, quase sempre, justificado pelo “inexplicável”, o escritor precisou de uma lista extensa de leitura para entender o início, o meio e o fim de tudo. O primeiro a se fazer foi entender o contexto. Para isso, ele explica que foi preciso uma viagem aos anos 1920 na Zona da Mata e entender que a diferença de população dos grandes centros para Cataguases não é a mesma de hoje. Cataguases era populosa e tinha um volume considerável de burgueses. “Em um país rural, Cataguases já era industrial.” Até chegar ao surgimento da revista, é esse contexto que ele explora nos cinco primeiros capítulos.
“A grande importância do movimento ‘Verde’ foi a de ter evidenciado a força de penetração do modernismo e de ter contribuído, definitivamente, para a consolidação dos postulados estéticos de vanguarda, reafirmados em suas principais vertentes, liberdade de expressão e nacionalismo”
‘Verde’ desaguou a produção modernista
A “Revista Verde” começou a circular em setembro de 1927, em um momento em que, explica Ruffato, os modernistas não tinham onde desaguar suas produções. O momento era oportuno e teve, inclusive, o aval declarado de Mário de Andrade, que, em trecho que consta no livro, escreveu: “Há nesses mineiros uma consciência de disciplina que há de ter um valor social importante se eles, espicaçados pelas críticas diletantes e pelas rivalidades não caírem naquele individualismo desbragado e no mandachuvismo pedante que destruiu dos movimentos modernos de S. Paulo e Rio a bonita função social que podíamos ter”. Na lista de artistas que faziam parte da “Verde”, estavam: Henrique de Resende, Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Francisco Inácio Peixoto, Guilhermino César, Antônio Martins Mendes, Camilo Soares, Oswaldo Abritta e Christophoro Fonte-Bôa – todos ganham perfis anexos ao livro. A arte precisa de apoio e “A revista Verde, de Cataguases” fala sobre o fato de todos serem pessoas de sobrenome e, por isso, conseguiram, facilmente, apoio das empresas locais para a veiculação.
“As tentativas de análise da ‘Revista Verde’ esbarram sempre em um lugar-comum: Cataguases é um ‘fenômeno inexplicável’, e esse argumento, repetido à exaustão, descerra um véu sobre o assunto. Pouco a pouco, a ‘Verde’ tornou-se uma espécie de exotismo literário”
Assim como muitas das revistas do modernismo, a Verde teve poucas edições. No total, foram seis. Mas, para Ruffato, o que valia mais era sua produção, o conteúdo dos textos, e não o número. Ele diz que ela foi uma das que “mais conseguiu acompanhar o radicalismo dos modernistas de São Paulo”. Seguindo também as outras, ela teve um manifesto que só saiu na terceira edição, e que os próprios integrantes consideravam desnecessário. Mas, já que todos fizeram, convinha fazer. O manifesto na íntegra, inclusive, também está presente em um dos anexos do livro. Acredita-se que, na edição seguinte, a quarta, começou o declínio da “Verde”. Ruffato pontua que a quinta edição saiu com atraso, e a sexta, por sua vez, nunca saiu. A justificativa apresentada é que, além das questões financeiras, o grupo começou a se dispersar e, a partir de 1927, quase ninguém morava mais lá. Mesmo com o fim, a produção deles não foi esgotada, já que começaram a fazer parte de outras revistas e publicações.
Não mais um movimento
“Se a semana de 22 não existisse, o modernismo continuaria existindo, mas talvez não existiria em Cataguases, por exemplo. O livro é importante para que a gente possa refletir sobre o modernismo e repensar o que tem que ser repensado. Entender qual é a dimensão. Realmente pesquisar o antes e o depois. Existiam modernistas antes da Semana de 22. O ponto principal é que ele não nasceu em 22, mas a Semana foi importante para a divulgação”, acredita Ruffato. Nos anos 30, o modernismo acaba sendo incorporado por Getúlio Vargas. Depois disso, ele vai perdendo algumas características dos anos 20, quando, realmente, aconteceu a ruptura. O modernismo continuou, então, proliferando, mas de outras formas. “Acaba virando uma manifestação, não um movimento”, esclarece.
“As efemérides, ainda que abstrações, são sempre marcos de reflexão. Não foi diferente com 1922, quando o Brasil comemorava 100 anos de independência”
Cataguases, além da “Verde”, teve outras manifestações interessantes no que se referia à arte naquele momento, como lista Ruffato. A começar pelo cinema, que foi importante até para a literatura, e, anos depois, a arquitetura. No entanto, pouco se fala sobre isso. A arquitetura, apesar de ser vista, de acordo com ele, também não tem o reconhecimento que merecia. Ruffato diz que existe, sim, uma explicação para isso: “Ninguém fala sobre cultura no Brasil. A cultura ainda é de uma elite que não quer compartilhar o que sabe”.