Mais de 45 mil mineiros vivem com autismo; diagnóstico tardio dificulta tratamento e inclusão
Pessoas com a condição são vítimas de capacitismo; abril é o mês da conscientização sobre o autismo
O mês de abril é marcado pela campanha de conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) – o Abril Azul. De acordo com a Agência Minas, a condição é realidade de, pelo menos, 45 mil mineiros. Isso porque com o recente anúncio, por parte do Governo estadual, da ampliação das funções da Carteira de Identificação da Pessoa com TEA, foi divulgado que essa é a quantidade de habitantes que utilizam o documento em 787 municípios do estado atualmente.
Entretanto, a tendência é que o número seja ainda maior, visto que há subnotificação por conta da dificuldade no diagnóstico de pessoas com o Transtorno. Fernanda Dias é professora e mãe de João Fernando, autista de 12 anos. Engajada na causa da conscientização, ela conta que muitos pediatras ainda não entendem questões relacionadas à condição, o que atrasa a busca por intervenção precoce que pode ser crucial para um melhor desenvolvimento da criança e, consequentemente, maior autonomia na vida adulta.
João foi adotado por Fernanda quando tinha 2 anos e 1 mês, com o quadro de “suspeita de autismo leve”. Imediatamente, a mãe procurou médicos de referência para iniciar a investigação. O diagnóstico foi de TEA moderado, como era denominado à época. “A informação foi descoberta relativamente precoce, já que atualmente é possível obtê-la ainda mais cedo, assim com a indicação de terapias que auxiliam no desenvolvimento infantil. Assim, conseguimos buscar a estimulação precoce e correta de questões que estejam atrasadas em relação aos pares”, esclarece.
Mesmo assim, Fernanda destaca que os diagnósticos em adultos são mais comuns hoje, devido ao maior conhecimento na área médica e melhor compreensão do autismo. “Pessoas que passaram a vida toda com alguma dificuldade no âmbito da interação, da comunicação ou do comportamento, principais indícios, atualmente conseguem compreender suas diferenças ou dificuldades através do diagnóstico. No entanto, cabe ressaltar que ainda é restrito o número de profissionais que de fato conseguem fazer uma boa avaliação de adultos de nível 1 de suporte.”
“Assim, ter o diagnóstico quando criança, oportuniza a autocompreensão, além da intervenção precoce. Receber o diagnóstico quando adulto, pode ser libertador e auxiliar no autoconhecimento. No entanto, a pessoa já terá passado por inúmeras situações difíceis, sem o apoio necessário e sem compreender a si mesma. Também por isso o índice de depressão para estas pessoas é maior do que para a população em geral”, ressalta a professora e linguista.
‘Sabíamos que tinha algo de diferente’
Mãe atípica da jornalista Ana Luísa Mariano, de 26 anos, Cristina Mariano relata que sua filha demorou para obter o diagnóstico correto quanto a sua condição. “Primeiro ela foi diagnosticada com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Aos 7 anos, com disritmia. Aos 9, mudou-se para bipolaridade. Com 16, quando já falava dois idiomas, indicaram retardo mental. Ao fim da mesma idade, finalmente identificaram a condição como TEA. Esse diagnóstico faz muito mais sentido”, afirma.
A demora para conseguir a informação correta atrapalhou o início da vida de Ana Luísa, como enfatiza a mãe. O contexto era ainda mais complicado por ser uma pessoa negra. “Foi muito ruim. Sabíamos que ela tinha algo de diferente, principalmente nos relacionamentos com as pessoas. Sempre foi muito inteligente, mas nunca teve amigos. Inclusive, já passou por situações de bullying quando era mais jovem. Aos 13 anos, ela tomou o remédio de dormir na aula porque os alunos ficavam mexendo com ela em sala”, lembra.
Mesmo acompanhada de psicóloga e neurologista, e depois psiquiatra, a jornalista chegou a tomar medicação que não tinha nenhum efeito. Após o diagnóstico correto, passou a se medicar adequadamente. Como consequência, logo teve melhora nas interações. “Nós, da família, conseguimos orientar melhor e também pedir o atendimento escolar apropriado, com mais tempo e formas diferenciadas de avaliação. O diagnóstico correto garante que o paciente vai receber o tratamento adequado.”
O apoio maior à família chegou no momento em que Ana Luísa passou para a faculdade – no caso, a UniAcademia. “Falo até emocionada. Foi o lugar em que minha filha foi acolhida. Ela não tinha um amigo, mas lá fez amizades, foi convidada para eventos da turma pela primeira vez, fizeram festa de aniversário para ela. Os professores também foram muito receptivos. Assim que ela foi aprovada, eu e meu marido, junto à psicóloga dela, fomos até lá para explicar a situação. Tivemos reunião e sempre que necessário, entravam em contato comigo para resolver.”

Associação em Juiz de Fora
Mãe atípica de uma menina e um menino, de 10 e 16 anos respectivamente, Sheila Marques é presidente da Associação de Apoio a Pessoas com Transtorno do Espectro Autista em Juiz de Fora (Aaptea). A entidade foi criada para atender as demandas que não são contempladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Dentre elas, terapias multidisciplinares. Além disso, ela destaca a necessidade de atenção aos autistas adultos, que não contam com tratamentos nas clínicas.
“Só existe para crianças e adolescentes, até uma certa fase. Os adultos – e futuros idosos – com essa condição estão à mercê no Brasil. Tentam colocá-los no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), mas esse equipamento não é voltado para pessoas autistas, com os tratamentos adequados. Há muita demora para marcar consultas e alguns profissionais não possuem o conhecimento e a formação necessários para atender. Então montamos a associação também pensando nas dificuldades dos familiares atípicos”, explica.
Sheila também inclui as famílias que não possuem rede de apoio dentro do público-alvo, com a criação de um grupo de acolhimento. “Sobretudo as mães atípicas – mas também os pais -, muitas vezes, perdem seu emprego e a vida social para cuidar de seus filhos. Essa é uma forma de inseri-los novamente na sociedade.” Ainda há acolhimento a professores que lidam com alunos com TEA.
Capacitismo com pessoas com autismo
Um grande problema enfrentado pelas pessoas com autismo é a falta de empatia, na visão de Sheila. “Sem ela, não existe inclusão, mas a ilusão. A sociedade atual é muito singular, e a empatia só fica nas palavras – na prática, ela não existe. Devemos praticá-la todos os dias, acolhendo aqueles que precisam. Inclusive, isso acontece dentro das próprias famílias atípicas em alguns casos”, lamenta.
Fernanda Dias acrescenta que o estigma e o preconceito afeta a todos. “Pessoas que se encontram no espectro autista no nível 1 de suporte constantemente têm seus diagnósticos questionados e invalidados e sempre escutam a frase capacitista ‘você nem parece autista’. Assim, os apoios que necessitam são frequentemente negados, levando a situações constrangedoras e estressantes. Da mesma forma, aquelas diagnosticadas no nível 2 e 3 com frequência têm suas capacidades (intelectuais, comunicativas, criativas, entre outras) colocadas em dúvida. Por isso, muitas vezes são desrespeitadas em suas falas, em seus desejos e em seus direitos.”