Leitores juiz-foranos celebram 90 anos da imortal Adélia Prado

Personalidades falam sobre importância de sua obra; em entrevista exclusiva à editora, Adélia Prado reflete sobre aniversário


Por Elisabetta Mazocoli

14/12/2025 às 07h00

adélia prado
(Foto: Divulgação)

“De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo”, escreve a poeta Adélia Prado, em “Paixão”. Há 90 anos, a mineira nascia em Divinópolis e transformava parte da literatura brasileira, fazendo com que vários leitores por todo o Brasil enxergassem bem menos pedras por seus caminhos. Com livros como “Bagagem”, “O pelicano” e “Oráculos de maio”, ela se consagrou como uma das grandes vozes de seu tempo e continuou marcando gerações — inclusive, com um novo livro lançado em 2025, “O jardim das oliveiras”. Na comemoração de seu aniversário, a Tribuna convidou leitores juiz-foranos a reviverem memórias com a obra da autora, seja a partir de sua vinda à cidade, em 2013, ou com um sarau do Grupo Divulgação que recupera a sua obra.

A colunista da Tribuna, Marisa Loures, lembra com carinho uma conversa que teve com Adélia Prado, há 12 anos, quando ela participou do “Sesc Literatura: Grandes Escritores”. Na época, ela tinha apenas um ano de formada e era repórter de cultura do jornal — e estava muito emocionada por poder falar com uma poeta que tanto admirava. “Faz bastante tempo, mas consigo me lembrar de que ela falava de uma forma que me acalmava, que diminuía meu nervosismo. Uma das lembranças que guardo daquele dia foi quando ela explicou que escrevia à mão. Aquilo me encantou, porque revelava uma autora que preservava o gesto inicial da escrita”, conta. 

Ela também se lembra de ter ficado tocada pela maneira com que Adélia falou sobre o tempo e sobre a morte, e de ter trazido para a conversa entre as duas, inclusive, um trecho do poema “Viação São Cristóvão”, de 1999, que refletia sobre o assunto: “Não quero morrer nunca, porque temo perder o que desta janela se desdobra em tesouros”. “Ela comentou que, como qualquer pessoa, também desejaria que a juventude durasse para sempre. Ao mesmo tempo, disse que procurava transformar o fato de sermos mortais numa oportunidade para fortalecer a fé, cultivar a alegria e recuperar aquela esperança dos primeiros anos da vida, vivendo tudo isso como um gesto de gratidão. Era possível sentir a serenidade com que ela abordava o tema. Ela falou como alguém que tem consciência da finitude, mas sem medo”, conta. Nos 90 anos da poeta, Marisa reflete como esse verso ganha ainda mais força com a passagem do tempo. 

É pensando como releituras podem fazer ainda mais sentido com o tempo que o Grupo Divulgação deu início ao sarau “Ouvindo Adélia”, neste 2025, com o núcleo da terceira idade. O coordenador José Luiz Ribeiro conta que a autora sempre fez parte da história do grupo e que essa foi uma forma de homenageá-la durante a 13ª Noite Mineira de Museus. “Ela tem uma religiosidade mineira e uma familiaridade com a perspectiva da mulher”, comenta ele sobre a importância da autora. Quando as apresentações acabaram, também lembra que duas senhoras se aproximaram e pediram para eles continuarem lendo os poemas de Adélia, e acrescenta que é normal a autora deixar esse “gostinho de quero mais”, principalmente por acionar tantas memórias afetivas. “Quando você toca a alma humana, você vira um protótipo de eternidade. A partir do momento que ela comunga com as pessoas da forma mais rica possível, com fatos do cotidiano ou rezas que estabelece nos seus poemas mais religiosos, nos marca para sempre”, diz.

Adélia Prado por Adélia Prado

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Para celebrar seus 90 anos, editora Record relança diversos livros de Adélia Prado, em edições renovadas (Foto: Gabriel Araujo/Divulgação)

Em comemoração aos 90 anos, a editora Record está relançando os demais livros de Adélia Prado em edições renovadas. Este ano, chegaram às livrarias quatro livros: “Bagagem”, publicado em 1976; o terceiro livro da autora, “Terra de Santa Cruz” (1981); “O pelicano”, de 1987; e o romance “O homem da mão seca” (1994). Em fevereiro de 2026 haverá novas edições de “Filandras”, “Miserere” e “Solte os cachorros”.

Durante entrevista exclusiva ao podcast Casa do Livro, apresentado pela jornalista Simone Magno e que teve como entrevistadora convidada a editora-executiva de ficção nacional da Record Ana Lima Cecilio, ela fala sobre os 90 anos. “Por dentro, ainda tenho as mesmas curiosidades, as mesmas dificuldades, os mesmos sofrimentos, as mesmas perguntas de quando eu tinha dezoito. A diferença agora é a idade, que pesa no corpo, mas começa, de forma interessante, a pesar menos na alma”. Ela nota, no entanto, que o corpo não acompanha mais o que ela é por dentro. “O olhar que você tem e deve ter sobre a vida, a filosofia, a ciência e essa coisa empolgante que é o cosmos, a física quântica e não quântica, tudo isso continua vivo e pulsante, exigindo da gente uma resposta”, diz. 

Filha de pais que faleceram com 35 e 66 anos, Adélia reflete que tem um medo de falar sobre a morte que é ancestral — mas é o assunto que justamente permeia toda a sua obra. Ela enxerga que isso acontece porque, mesmo assim, os assuntos com os quais sempre gostou de trabalhar continuam os mesmos, até porque o mundo pouco mudou durante todo o tempo que escreve poesia. “Não mudou nada no meu jeito de fazer poesia, porque estou retrabalhando. (…) É a mesma vida de antes”, diz. O que ela entende, no entanto, é que as dores da juventude são diferentes das da maturidade.

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