Exposição marca os 90 anos da “Revista Verde”
Movimento modernista surgido em Cataguases ganha espaço no Museu de Arte Murilo Mendes, com mostra de exemplares, textos e fotos
Ao menos em um ponto a primeira edição da “Verde – Revista Mensal de Arte e Cultura” se assemelha com as publicações atuais: suas nove primeiras páginas se restringiam a anúncios publicitários. O restante, porém, da revista lançada em setembro de 1927 voltava-se estritamente à produção literária, o que há muito já não se vê nas bancas do país. “Apparecemos para um público que não existe. Vamos ser incompreendidos e criticados. É certo. Mas, que esse público ainda virá a existir, é certo também. É certo e é um consolo… Portanto, conversar muito é bobagem!”, dizia a apresentação da publicação que completa, neste mês, 90 anos, homenageada em exposição no Museu de Arte Murilo Mendes. Ligeiro, o projeto de vida curta durou apenas um ano e somou cinco publicações, além de uma póstuma, datada de 1929. “Abrasileirar o Brasil – é o nosso risco. P’ra isso é que a Verde nasceu. Por isso é que a Verde vae viver. E por isso, ainda, é que a Verde vae morrer”, dizia a primeira edição, mostrando a consciência da fugacidade da proposta, ainda que seu prazo tenha sido adiantado com a morte precoce de um de seus maiores incentivadores, o poeta Ascânio Lopes, vitimado pela tuberculose em 1928, aos 19 anos.
Nascida entre as casas, esculturas e até igrejas de uma Cataguases plenamente modernista, a “Verde” era a concretização de um movimento de escritores mineiros que conseguiram, no entardecer dos anos 1920, se fazer conhecidos no país e, principalmente, intercambiar num tempo de cartas. “Quem recorrer às publicações atestará a colaboração de ilustres intelectuais brasileiros e de alguns poucos, mas relevantes, estrangeiros como o poeta franco-suíço Blaise Cendrars, que, em abril de 1924, empreendeu com Tarsila do Amaral, Oswald e Mário de Andrade, viagem a Minas à descoberta do nosso Barroco”, aponta o texto de apresentação da mostra “Juiz de Fora na Verde”.
“Vivendo e atuando no final da década de 20 do século passado, os Verdes se encontravam em um momento privilegiado, em que puderam realizar a síntese dessa primeira fase do Modernismo brasileiro e preparar a transição para as propostas da década de 30, enxergando não apenas o Brasil mítico da Uiara, da Mãe d’Água, do Saci, como também, e principalmente, o Brasil real, histórico, cotidiano, com suas belezas naturais, mas com sua dependência cultural, seus problemas sociais, seu processo de modernização contraditório, sua religiosidade, sua inocência e sua malícia, seus governantes inaptos”, analisa a pesquisadora Rivânia Maria Trotta Sant’Ana, que defendeu, em 2005, a dissertação “O Movimento Modernista Verde, de Cataguases”, no programa de mestrado em letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Encurtando a BR-267
Enfatizando a presença dos juiz-foranos Pedro Nava e Murilo Mendes na revista “Verde”, a exposição traça um recorte capaz de evidenciar o alcance do movimento literário, que, ainda, em nenhum momento se bastou no interior e teve participação de escritores como Carlos Drummond de Andrade, Sergio Milliet, Mario e Oswald de Andrade, já consagrados. “Logo no primeiro número, ou os participantes eram de Cataguases ou ligados à cidade. O único que não tinha essa relação era o Edmundo Lys, que era de Juiz de Fora”, chama atenção o responsável pela expografia da mostra Paulo Alvarez. De Murilo, participa o poema “Canto novo”, integrante da edição derradeira de 1929. “Tudo me invoca pra ultrapassar minhas dimensões/ ó elasticidade da minha memoria/ ó eternidade!”, escreve o poeta. De Pedro Nava se destaca “Ventania”, poema de 1926, publicado na terceira edição do suplemento. “O vento veio malúco lá do alto do Bomfim/ e veio chorando da tristura do cimiterio”, começa o autor de “Baú de ossos”, num de seus poucos poemas, que ele dedica a Mario de Andrade.
Também se destacam no legado da “Verde” críticas à produção juiz-forana, como o texto assinado por Carlos Chiacchio, na derradeira edição, sobre o livro “Verbo das sombras”, de 1928, do pintor e escritor Roberto Gil. “O desaccordo apparente de sua sensibilidade com o gosto dominante da poesia actual está, portanto, num retrato do tempo de publicação. Causa material. Insignificante causa, que é bem possível desappareça com uma nova colheita de versos feitos a moderna, o que é improvável pela força creadora do seu engenho poético, certamente capaz, e com grandes vantagens da experiência lyrica, de producções que valham os louvores coherentes da nossa época de transição”, pontua Chiacchio na 16ª página da revista de 25 páginas.
Curiosa, segundo Paulo Alvarez, é outra crítica, assinada por Rosário Fusco para a terceira edição, comentando “Poema lyrico”, de Austen Amaro, com ilustrações de Pedro Nava. “Assim como Roberto Gil, que era mais conhecido como pintor e tem sua literatura reconhecida, a revista também deu visibilidade a uma outra faceta de Pedro Nava”, ressalta Alvarez, que assina a obra “Nem tudo são flores”, que acompanha o poema de Nava numa das vitrines da exposição. “A revista teve uma importância muito grande não só por ter alcançado um lugar nacional, mas por ir muito além do fato de ser uma publicação literária. Acompanhando todo o trajeto dela, é possível ver como a Verde realizou contatos entre poetas, deu partida em outras publicações e aproximou artistas”, pontua, destacando, ainda, a juventude de uma redação formada, primordialmente, por jovens com menos de 25 anos. “Era o frescor da criação, o próprio ser verde.”