Amplitude além das modulações


Por JÚLIA PESSÔA

12/05/2013 às 07h00

"Boa tarde aos meus amigos caminhoneiros, taxistas, motoboys, você da portaria, da pipoquinha, as donas de casa, o pessoal dos bares, restaurantes e mais diversos botequins…". A chamada para os ouvintes na inconfundível voz de Paulo César Magella pode variar de dia para dia, mas jamais deixa de contemplar dos ouvintes mais fiéis, chegando a chamar alguns pelo nome, no tradicional "alô" aos amigos. Variações e tradições à parte, quando a tarde dá seus últimos suspiros, precisamente às 17h30, milhares de juiz-foranos e moradores da região têm uma certeza e um compromisso: a "Ronda policial" está entrando no ar na Solar AM.

Depois de criar o programa "Repórter policial", em 1950, na antiga Rádio Industrial, o radialista José Carlos de Lery Guimarães lançou, na PRB-3 em 1953, a "Ronda policial", que, desde então, vem conquistando gerações, desde os que a escutavam nos antigos aparelhos de rádio aos que acompanham pelos mais modernos dispositivos.

Lery, morto em 1999, relembra, no documentário "Os anos dourados do rádio em Juiz de Fora", como funcionava o jornalismo da época. "Tínhamos um microfone para externas que pesava cerca de 2kg. Já o gravador ‘portátil’ que levávamos para a rua tinha uns 40kg."

À frente do programa em meados dos anos 1970 e 1980 , Carlos Neto foi o responsável por criar o estilo pessoal e intimista que a "Ronda policial" carrega até hoje, como aponta Natálio Luz, coordenador da PRB- 3 na época. "Ele se referia aos ouvintes, abria um diálogo com eles e deu uma alma à ‘Ronda’. Isso fez com que ele e o programa ganhassem um grande prestígio, um legado que o Paulo César honra como ninguém", destaca Natálio, hoje com 81 anos. "As pessoas queriam conhecer a voz da ‘Ronda’", reitera o Carlos Neto dos dias atuais, aos 78 anos, em meio a lembranças agora um tanto distantes no tempo e na memória.

 

‘Casa grande com muita gente’

Antes de ser ouvido nas transmissões esportivas que o consagraram como a voz de quatro Copas do Mundo e cinco Copas América, Maurício Menezes também esteve por trás dos microfones da "Ronda policial", entre 1967 e 1968, quando tinha apenas 18 anos. "Se hoje a audiência do programa ainda é altíssima, imagine na época em que não havia concorrência com a TV ou outros meios. A ‘Ronda’ é o rádio em sua essência, servindo à comunidade, trazendo as notícias das ruas."

A busca pelas informações chegou a levar o programa aos presídios na época. "Eram outros tempos, não havia tanta violência, e nós costumávamos ouvir os presos para saber o outro lado das histórias que narrávamos", recorda Maurício.

Apesar da tranquilidade do passado, o radialista chegou a ser abordado em uma confusão que quase acabou em briga de bar. "Gostava muito de jogar sinuca em um bar do Mariano Procópio, e um detento foi solto e descobriu que eu era o Maurício Menezes da ‘Ronda policial’ e tinha dado a notícia de sua prisão. Ele quis partir para cima de mim, e tiveram que segurá-lo", conta ele, que hoje ri da situação.

Para Paulo César Magella, à frente do programa há mais de 20 anos, grande parte da popularidade e da audiência conquistada ao longo de 60 anos é resultado da intimidade que o próprio meio permite com o público. "A rádio AM é uma casa grande com muita gente conversando coloquialmente, falando o que se diz nas ruas, o que permite uma grande identificação do ouvinte com a programação e com os próprios locutores, que entram diariamente na casa da população e acabam sendo tratados como amigos."

Pela grande casa da "Ronda", outras importantes vozes tiveram passagem, como a de Helvécio Cláudio dos Santos, que se dizia "Baeta de coração e, modéstia à parte, bonito", e morreu atropelado em frente aos estúdios da então B-3.

Um jovem Paulo Lopes, na época com 18 anos, também assumiu as rédeas do programa, antes de se tornar "O amigão das mulheres" na década de 1960 com um programa voltado para o púbico feminino. Hoje, o radialista atua na Rádio Capital, em São Paulo, comandando o programa "Debate com Paulo Lopes". Os Josés da "Ronda", José Holanda e José Américo, ambos falecidos, também imprimiram seus nomes na história do programa. "O José Américo dava uma teatralidade enorme ao programa, fazendo vozes de bandidos e mocinhos. Foi uma das vozes mais bonitas do rádio", recorda Paulo César Magella.

 

Referências pessoais e profissionais

Para a jornalista Vanesca Dias, repórter do noticiário entre 1998 e 2004, a "Ronda policial" rendeu mais que boas experiências profissionais. "Conheci meu marido, que é agente da Polícia Federal, quando fui cobrir um flagrante da prisão de um traficante. Depois disso, ficamos amigos, começamos a namorar e já estamos casados há 16 anos", recorda ela, que sempre se surpreendeu com a opoularidade do noticiário. "O alcance do programa era tanto que já cheguei a ser reconhecida pela minha voz em um banco."

Gilze Bara, mestre em comunicação e hoje professora e pesquisadora, deu os primeiros passos no radialismo indo à delegacia buscar matéria-prima para a "Ronda". "Eu selecionava o que seria noticiado entre os fatos registrados nos boletins, ia literalmente atrás da notícia. O fato de não haver computadores às vezes dificultava, porque nem toda grafia era legível, então era mais um desafio", relembra a acadêmica, divertindo-se. "Minha paixão pelo rádio vem de família, minha mãe sempre ouviu. Cresci escutando o Paulo César na ‘Ronda’, que é um programa fundamental para a história do jornalismo da cidade", acrescenta Gilze.

Outro traço marcante da "Ronda policial", que transcende os limites do jornalismo do gênero, é o importante papel social que o programa desempenha. Durante a transmissão, é comum ouvir pedidos de donativos, localização de documentos e pessoas, e outros "favores". "Isso começou com o Carlos Neto e ficou. Até hoje fico impressionado com o imediatismo da resposta. Se peço uma muleta ou uma cadeira de rodas no início do programa, é difícil que ele chegue ao fim sem a doação ter sido feita", afirma Paulo César.

Para Gilze Bara, este comprometimento com a comunidade é um dos ingredientes do sucesso que já dura 60 anos. "Aparentemente, notícias exclusivamente policiais e utilidade pública são duas ideias opostas, mas a receita deu tão certo que o tema merece um estudo aprofundado."

Com ou sem pesquisas, fãs de longa data do programa, como a lavadeira Rosalina Souza, atestam o êxito da combinação. "Quando começa a ‘Ronda’, paro o que estiver fazendo. Gosto de sentar na minha varanda e prestar atenção ao que o Paulo César fala e adoro as piadas que ele faz, sobretudo quando é sexta-feira, dia de os maridos comparecerem, segundo ele", brinca a trabalhadora, ouvinte da "Ronda" desde criança, que já conseguiu doações de uma cadeira de balanço e um óculos para parentes. "Pedi ao Paulo César para anunciar porque ele é meu amigo, todo dia estou com ele pelo rádio. E não é que ele sempre consegue?"

 

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