Professores de alemão instalam placas bilíngues em estabelecimentos comerciais da Cidade Alta
O buffet de um self-service juiz-forano justifica a presença de placas bilíngues instaladas nas portas de estabelecimentos comerciais da Cidade Alta. “Juiz de Fora tem internacionalidade. Só não sabe que tem. Se você for a um restaurante self-service vai encontrar salsicha cortada, salada de batatas, quibe, tabule, feijoada, bobó de camarão, purê de batatas, macarronada. É uma mistura”, diz, numa metáfora exata, o professor Alexandre Hill Maestrini, 53 anos, explicando o projeto “Aprenda alemão na rua”, iniciativa particular, do Instituto Autobahn, criado pela esposa Christine, 52, uma alemã que abriu mão de sua matemática de formação para ensinar sua língua materna aos que nasceram rodeados pelo português.
“Nasci em Munique, fui morar em Berlim e cheguei aqui em 1999. Vim por causa da empresa Mercedes Benz. Comecei a dar aulas de alemão e depois fundei o instituto. Fazia mais sentido ensinar a língua aqui do que trabalhar na minha área de antigamente”, conta a mulher de olhos claros como a pele e os cabelos. Alexandre, que ela conheceu em 2013 e casou dois anos depois, fez o deslocamento contrário. “Sou jogador de vôlei profissional e morei na Europa por 20 anos, na Suíça alemã”, diz o atleta, que já passou pelo Flamengo, Botafogo, Fluminense e outros times brasileiros, além dos europeus.
Resgate
Do outro lado do Atlântico, onde estão as raízes de Christine, também estão as de Alexandre, tetraneto de um alemão e de uma italiana. História que remonta a de muitos outros, grande parte deles com acesso às placas que o casal fixa na Cidade Alta, nos Bairros São Pedro e Marilândia. “Os imigrantes alemães não eram nobres, e até hoje muitos dos descendentes ainda mantêm uma condição financeira baixa. Alguns enriqueceram, mas a grande maioria não conseguiu”, lamenta ele.
“Nossa vontade com o projeto é promover socialmente a cultura do jeito que é na casa do pai da Christine. Na Alemanha, quando você chega à padaria, está escrito ‘Bäckerei’. Queremos é que na frente da padaria do São Pedro esteja essa palavra, gerando curiosidade. Serve para que os descendentes de alemães percebam que aquele bairro é o início da colonização germânica na cidade. Foi lá que começou a história, onde hoje tem a Rua José Eduardo Kelmer, a Rua José Kirchmaier e outros sobrenomes germânicos. Já colocamos no açougue, na farmácia, na sorveteria, no ponto de encontro da Preta da Água de Coco, no supermercado, no ‘Fitnessstudio’. Essa é a filosofia do resgate, de fazer a parte alta ser identificada pelo bilinguismo”, explica o professor, apontando para as 20 placas instaladas e as novas que já começou a fixar.
Cerveja
Autor do livro “Cerveja, alemães e Juiz de Fora”, Alexandre acredita existirem, atualmente, cerca de 60 mil descendentes do povo alemão vivendo na cidade. Daí, segundo ele, a importância de resgatar e revisitar o passado. “Juiz de Fora tem um motivo de fazer a cerveja: os alemães, quando vieram, em 1858, gostavam de tomar cervejas, e alguns começaram a fazer. A cidade já teve até nove cervejarias ao mesmo tempo. A primeira de Minas Gerais é daqui, a Cervejaria São Pedro”, conta ele, responsável pela criação do Pólo Cervejeiro de Juiz de Fora, outra tentativa de insuflar o turismo pelas vias da história da imigração.
“Juiz de Fora não tem uma cara. Se perguntar o que é o Rio de Janeiro, é a Cidade Maravilhosa. São Paulo é a cidade do dinheiro. Brasília é a capital política. E Juiz de Fora? Ela tem sim uma cara, porque é a cidade da miscigenação, da integração de diferentes culturas, é uma cidade estudantil, uma cidade que viaja muito. Percebemos, então, que um projeto cultural como o ‘Aprenda alemão na rua’ pode despertar para que São Pedro tenha uma rua cultural em Juiz de Fora, para que as pessoas venham conhecer mais sobre a imigração germânica. Não há outra assim em Minas Gerais”, defende Alexandre, reforçando a independência de um projeto no qual o estabelecimento nada desembolsa além do espaço.
Tradição de canto a canto
Sabe o chopp?, pergunta Christine. “Vem do alemão. Juiz de Fora tem muita coisa que não sabe que é germânica, e é. Por exemplo, não existe em lugar nenhum onde já fui a venda de salsichão no espeto. Foram os alemães quem trouxeram. Aqui tem salada de batatas, comemos repolho refogado, que é nosso chucrute, tem muitas tradições, como a ‘Quermesse’ da igreja, que é uma palavra de origem alemã. ‘Chopp’ vem de um verbo alemão que significa tirar a cerveja do barril. Kombi no Brasil seria com ‘c’, mas é ‘kombiniert’, que é um carro combinado de levar coisa e gente. Você vai no kinoplex, não é mesmo?! É o complexo de cinema em alemão”, aponta Alexandre.
“Temos bastante palavras de origem latina. Posso me expressar e você me entende: ‘Fografiere’, ‘telefoniere’, entendeu, não?!”, questiona Christine, para logo apontar as diferenças que se mostram um abismo entre as duas culturas. “Há diferenças, porque o alemão é uma pessoa muito direta, sem ofender. Aqui no Brasil não dá para falar assim. Tive que aprender, mas ainda hoje sou estranha, choco as pessoas”, comenta ela, dizendo sobre a ausência de “jeitinho” em sua terra natal.
O que a encantou, então? “O calor humano é o principal. E acho o país muito bonito, a natureza. Na Alemanha é tudo muito direto, e existe uma pressão muito grande da sociedade em fazer tudo perfeito. Aqui já é mais relaxado, às vezes demais, e acaba não sendo organizado, mas isso eu gostei”, sorri a mulher, que aponta as diferenças culturais também nas últimas sextas-feiras de cada mês, quando o instituto oferece sessões gratuitas de cinema alemão. “Assistimos ao filme com a filosofia alemã: temos um máquina de café, água, cervejas, biscoitos e tem uma caixinha. É self-service, como na Alemanha, você pega e tem responsabilidade de pagar na caixinha, onde já está o troco. Não há controle”, explica Alexandre, pontuando, por sua vez, seu encantamento com a terra estrangeira.
Inevitável, portanto, questioná-los sobre a noção de pertencimento que desejam criar nos pedestres da Cidade Alta. Sentem-se pertencendo a algum lugar? “É uma pergunta difícil”, titubeia Christine. “Não posso dar uma resposta. Às vezes me sinto como um ET aqui”, ri. “Na verdade, a gente pertence ao mundo. Ao Brasil em alguns pontos e à Alemanha em outros. Morei tanto tempo lá fora que às vezes tenho mais problemas no Brasil do que ela. E ela, quando chega à Alemanha, tem coisas que tiro de letra, e ela não aguenta mais”, completa Alexandre. “Você fica no meio”, tenta explicar a mulher, enquanto ele resume a questão: “Nos identificamos entre duas culturas.” Dois seres entre duas línguas.
Conheça algumas traduções das placas
Clínica veterinária – Tierklinik
Cervejaria – Brauerei
Empório – Delikatessen
Açougue – Metzgerei
Padaria – Bäckerei
Farmácia – Apotheke
Mercado – Lebensmittelgeschäft
Floricultura – Blumenladen
Academia – Fitnessstudio