Outras ideias com Antônio Isair da Silva
“Isso daqui é igual a obra de igreja, que não para, mesmo com o dinheiro curto. Só que a minha obra, nem igreja é. Minha obra é a cultura”, diz Antônio Isair da Silva ao ser questionado sobre o sentimento que representa as três últimas décadas de sua vida. Valeu a pena, afirma. Valerá? Não sabe. Não há, agora, quem possa prevenir o ponto final de seu “Jornal do Poeta”. O escritor de cabelos brancos e folhetos debaixo do braço a andar por bares e restaurantes da noite de Juiz de Fora já se sente cansado. “Queria, pelo menos, ir até os 75. E queria, também, chegar às 200 edições”, espera o senhor que, no próximo dia 19, completa 74 anos e hoje está na 193ª edição do jornal. “O bom disso não é o dinheiro, mas o contato com o público. Com o tempo, as forças diminuíram. Quando preciso sair, pegar o touro à unha, percebo que não sou mais o mesmo. Há 30 anos, ia a Benfica, rodava tudo, ia para os bairros vizinhos e chegava ao Centro a pé. Das 10h às 22h.” Casado, pai de seis e avô de dez, Antônio, o homem simples, que me recebe em sua casa numa rua florida por ipês amarelos no Bairro Granbery, aguarda um prestígio maior e ainda quem queira herdar seu hercúleo trabalho de divulgador da poesia local. “Completando as 200 edições, talvez não me esforce mais. Mas penso em formar uma equipe para levar isso adiante”, comenta ele, que deseja sujeitar o projeto a uma lei de incentivo, financiando uma equipe e possibilitando a distribuição gratuita do jornal, que hoje custa R$ 5. Não deve passar, acabar, aquilo que alimentou Antônio. “Quando menino, no grupo, tínhamos clube de leitura, e a poesia rolava. De uns tempos para cá, isso acabou. Porém, a poesia é necessária”, reflete.
Do varal para a escola
Era 1981, quando Antônio, então representante de uma indústria farmacêutica, desembarcou em Juiz de Fora. Nascido em Itamaraty de Minas, crescido em Cataguases e criado em Carangola, ele já fazia poesia, desde os 12, quando, num exercício de escola, descobriu sua expressão.
“Assim que cheguei aqui, ao passar em frente ao Cine-Theatro Central, vi um varal de poesia e muitos poetas em volta. Achei a ideia muito boa e pensei em botar a minha. Quando fui ler, vi muitas fora dos padrões, com português errado e cadência nada agradável. Resolvi, então, chamá-los para uma espécie de escola de orientação aos poetas. Inspiração eles tinham, faltava o conhecimento. Conversei com um deles e marcamos um encontro, mas não apareceu ninguém”, conta. Foi então que lhe veio à cabeça organizar um jornal. Mais uma vez, a adesão não foi a esperada. “Fiz tudo. Peguei umas poesias mais velhas e outras mais novas. Além de mim, deveria ter outros quatro, apenas. No segundo número, já vieram mais. Daí foi crescendo. O primeiro deu prejuízo, o segundo já consegui reembolsar alguma quantia. Em janeiro, faremos 30 anos.”
Quase o Direito
Sobre os tempos de pequeno, Antônio se recorda de ter tido “uma infância pobre, com o pai muitas vezes desempregado”. Mesmo a luta sendo grande, os estudos eram ordem. Aos 13, foi trabalhar como office boy de um hotel. No ano seguinte, ganhou uma bolsa de estudos no Colégio Granbery, em Juiz de Fora, mas só permaneceu por aqui um ano. Terminou o ginásio, formou-se em técnico em contabilidade, começou a cursar história, depois letras, mas só concluiu a graduação em direito. “Na minha trajetória no Direito, só trabalhei um ano. Como não tinha renda, desanimei de pagar a Ordem dos Advogados do Brasil. Hoje me arrependo, deveria ter insistido”, lamenta. Foi funcionário de gráfica e posto de gasolina, professor, secretário e representante comercial, dentre outras funções, e aposentou-se nos anos 1990. Hoje, Antônio, ganha um salário mínimo e tenta não ter prejuízo com seu jornal.
Como fazer amigos
No início, o “Jornal do Poeta” era mensal, até que perdeu a periodicidade. São mil exemplares, diagramados pelo filho Newber e vendidos de mão em mão. “A noite me oferece encontros, pesquisa. Levo o jornal e trago muita coisa de volta”, comenta, para logo ser questionado: Te constrange essa andança toda para distribuir seu trabalho? “Não. Sou cara de pau, em qualquer lugar, com qualquer um”, dispara. Há uma certeza desconcertante nos olhos do autor de “Menino dos arrozais” (2012) e “Quando chega a musa” (2015). Antônio, o poeta do jornal, acredita no que escreve. “Livros de autoajuda são importantes. Se não fosse o livro ‘Como fazer amigos’, eu não tinha avançado. Mas a poesia é mais eficiente, ela fala direto com a alma, bota a pessoa mais sensível.”