Antiquários de Juiz de Fora contam histórias e renovam memórias através de objetos

Móveis e objetos centenários se valorizam com o passar dos anos e contribuem para a decoração afetiva


Por Elisabetta Mazocoli

07/09/2025 às 07h00

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(Foto: Leonardo Costa)

 

“Antigo” já foi um adjetivo que indicava algo que estava ruim ou desatualizado. Quando se trata de objetos e móveis, no entanto, pode ser o contrário: é o que mostram os antiquários de Juiz de Fora, que trabalham com objetos centenários que se valorizam com o passar dos anos. Essas peças carregam um pedaço da história, não só de sua fabricação, mas de como foram passadas de família em família e permaneceram com o tempo. Quando adquiridas por um novo dono, também tomam um novo rumo e passam a ter um futuro. Isso porque essas peças, feitas há décadas atrás, também contavam, em muitos casos, com estruturas de maior qualidade, materiais que já não se encontram no mercado e até técnicas manuais que foram se perdendo com o tempo. Indo contra o modo de produção acelerado e descartável, espaços como o Antiquíssima Decor e a Casa dos Contos, ambos no Bairro Borboleta, na Zona Oeste de Juiz de Fora, servem como portais cheios de memória e descobertas. Antigos, sim, mas com muita vida pela frente.

‘É a peça que escolhe a pessoa’

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Cínthia Elena está à frente do Antiquíssima Decor Foto: Leonardo Costa)

Onde funcionava o Cine Paratodos, entre os anos 1940 e 1970, está o Antiquíssima Decor, novo guardião de encontros do bairro de imigrantes alemães. Funcionando com horário marcado, Cinthia Elena passou a comandar o negócio durante a pandemia de Covid-19, quando resolveu organizar o empreendimento da mãe e investir no uso de redes sociais para a divulgação dos produtos. Antes, o local era a malharia dos pais, e conserva parte dessa estrutura. Ela também organizou o grande acervo existente no local para que não se parecesse um depósito, mas sim um lugar que mostrasse todo esse potencial que a decoração com objetos de antiquário pode ter. “Meu foco é a decoração afetiva. As peças são colocadas à venda, aqui, porque têm a ver com você, com a sua história, com a sua vida. Quando a pessoa vem aqui, não é ela que escolhe a peça, é a peça que escolhe ela”, diz.

Esse jeito de arrumar o local, para ela, foi uma forma de valorizar as peças que já tinha — algo que segue fazendo sempre que um cliente pede sugestão ou quer testar um de seus produtos em casa. É por isso que também acredita que é possível vender para os mais velhos e os mais jovens, com um público bem diverso. “Todo mundo acha que só velho gosta de antiguidade, mas eu tenho uma clientela jovem maravilhosa, que compra sempre de mim, tem bom gosto, mistura e está ligada na sustentabilidade. Quando compra um abajur meu, sabe que está deixando de comprar outro que vai estragar rápido e que está sendo feito com trabalho escravo”, explica. Ela destaca que essas peças, que não foram feitas para serem jogadas fora quando apresentassem um problema, são capazes também de se adaptar de acordo com novas demandas, como apartamentos menores, basta saber como conjugar.

O trabalho de curadoria de Cinthia inclui louças, luminárias, objetos de decoração, móveis, entre outros. Ela, que pretende fazer um curso de design de interiores para continuar investindo na possibilidade de transformar ambientes assim, se importa em contar essas histórias e tocar os clientes da maneira que pode: “Às vezes, até consigo convencer os clientes a não vender, mesmo não tendo a ver com o meu trabalho, pra manter a memória da família dele. É algo que me faz sentir bem. Ajudo a mostrar que tem um espaço na casa dela, porque as pessoas acham que não tem mais espaço pro antigo, e dá pra ter sim. Criamos um vínculo e aprendemos muito.”

‘Contar histórias é o que me fez vir por esse caminho’

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“Contar histórias é o que me fez vir por esse caminho”, diz Daniel (Foto: Leonardo Costa)

Quando Daniel nasceu, há 73 anos, em Rio Novo, seus pais já trabalhavam com antiquário. Ele cresceu com o que era antigo e preservou consigo o que sabia que ia se tornar ainda mais importante com o tempo: os móveis passados de pai pra filho e que nunca tiveram um arranhão, os brinquedos que fazem criança de qualquer tempo rir e as experiências analógicas que fazem ainda mais sentido com um mundo tecnológico. Com 50 anos de experiência de mercado, ele trabalha como restaurador e vende uma diversidade de objetos, que tem os valores muito diferentes de seus preços: isso porque, para ele, o valor de algo que traz afeto é inestimável. “O que eu mais gosto nas antiguidades é o diálogo. Contar histórias é o que me fez vir por esse caminho. O amor que eu tenho é bem maior do que o negócio. Mas eu preciso sobreviver”, diz.

Apesar da dificuldade de ser comerciante, já que gosta tanto das peças que acha difícil fixar um preço ou negociar, ele já vendeu e fez negócios com pessoas de quase todas as ruas da cidade. E entende que essas peças não precisam de muita “propaganda”, e sim de um consultor que saiba recomendá-las e, se necessário, consertá-las, porque a sua própria persistência no tempo é o atrativo. “O passado é o que nos proporciona sermos quem somos, é o que nos molda. Então, eu abro meu coração pra entender o que ele foi a partir dos objetos”, explica.  Foi assim que também foi passando a fazer parte da vida de muitas famílias e proporcionando conexões de formas que nem poderia imaginar antes que cada cliente chegasse para falar com ele. 

E também foi essa paixão que fez com que criasse a Casa de Contos, em homenagem a Dirceu e Célia Scolarick, e que, para além da venda, tem como função fazer com que os visitantes dos 8 aos 80 anos possam encontrar objetos que fizeram parte de sua história, seja porque lembram antepassados ou porque fizeram parte de sua infância. Quem chega, se abre para as próprias memórias. E agora, o espaço também serve como centro de memória da cultura alemã no bairro. “Como as pessoas se relacionam com os objetos depende da história delas. E acho que essa é a magia”, conta Daniel. 

 

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