Queijo Minas Artesanal: da tradição à inovação, processo de produção guarda segredos
Apesar de seguir os mesmos ingredientes e passos, a tecnologia já adentrou os processos do Queijo Minas Artesanal e faz parte do resultado final de muitas produções; veja como
Se no Ano Novo de Belo Horizonte, quando os drones subiram ao céu para virada de 2024 para 2025 e mostraram um Queijo Minas Artesanal sendo cortado, as pessoas gritaram e aplaudiram, é porque essa história é muito mais antiga que o reconhecimento oferecido pela Unesco do patrimônio imaterial. O “jeitinho mineiro” para a produção de queijo artesanal já tinha ganhado o coração dos mineiros e era motivo de orgulho para boa parte do estado, mesmo aqueles mais distantes das áreas de produção rurais. Isso porque, seja pela tradição ou pelos benefícios econômicos que a inovação trouxe, o queijo virou um aspecto cultural identitário para os mineiros. Mas esse processo de produção ainda guarda segredos, mesmo seguindo o mesmo padrão em todas as microrregiões do estado. Cada queijo, afinal, tem a sua própria história.
Como a Tribuna já contou, o Queijo Minas Artesanal é feito apenas com leite cru, pingo, coalho e sal. O que faz a diferença de cada queijo é justamente o pingo de cada fazenda e as características de cada lugar – o que conseguem produzir o efeito de, por exemplo, o interior do queijo ficar mais macio ou ter uma casca mais firme. Outro aspecto que dá pra perceber logo de cara, sobre cada queijo, são as suas olhaduras (aquelas “bolhas” encontradas dentro do queijo, que variam de tamanho). As do Queijo Minas Artesanal, por exemplo, são totalmente diferentes de um queijo holandês ou emmental. Quem gosta do Queijo Minas com um sabor mais suave deve preferir os mais macios, enquanto quem gosta do sabor mais acentuado, por sua vez, deve procurar os mais maturados, que tendem a ser mais amarelados e com casca firme.
Embora o processo seja o mesmo, o que dá sabor e aroma são fatores diferentes e que dependem inclusive das tecnologias disponíveis em cada fazenda. Mas, principalmente, do pingo, que é produzido em cada propriedade e coletado depois de 12 horas que o queijo fica escorrendo para ser formado. Como cada fazenda tem um e não deve usar de outro espaço que não seja o seu, o sabor vai se formando de forma bem particular. Conforme explica Ana Helena Machado, consultora técnica de queijos e veterinária, esse soro é usado exclusivamente para isso nessas fazendas, apesar de ser uma fonte de proteína, inclusive usada para fazer whey protein.
O coalho, por sua vez, é uma das etapas de produção do Queijo Minas Artesanal que mais sofreu modificações. Isso porque, há décadas, era feito com estômago seco salgado de bezerro ou cabrito. Esse era o agente que coagulava o leite e formava a massa do queijo. Atualmente, no entanto, já foram desenvolvidas várias tecnologias para que o coalho seja feito a partir de uma mistura de enzimas, otimizando a produção e a deixando também mais segura. Esse é só um dos exemplos de como a tecnologia foi alterando um processo artesanal e secular, sem que, no entanto, ele perdesse a essência. De todo modo, desde os cuidados com o gado até a relação da natureza, tudo foi sendo afetado e também pensado para produzir o melhor queijo.
Essa é a última matéria da série sobre o Queijo Minas Artesanal, fruto da visita nas fazendas das microrregiões do Cerrado, Araxá e da Serra do Salitre, conhecendo mais sobre a história desse alimento – provavelmente o mais importante da cultura de Minas Gerais.
Movimentação econômica
Essa inovação tecnológica é totalmente atrelada à produção do leite, inclusive a partir da importação de gado e da sua inseminação artificial – uma técnica de reprodução que é usada para ter melhorias na produção dos bovinos. Conforme foi explicado pela veterinária, essa técnica pode promover a melhoria genética, já que usa sêmen de touros que têm produção de leite superior, enquanto também evita a transmissão de doenças infecciosas. O uso do gado “girolando” e “jersolando”, por exemplo, que domina tantas fazendas mineiras de Queijo Minas Artesanal, acontece para cruzar raças que não se adaptam ao clima e às condições ambientais de uma região.
Esse aspecto da tecnologia, agora presente em todas as etapas da produção do queijo, acontece muito graças à movimentação financeira também gerada. Minas Gerais é o maior produtor de queijos do Brasil, sendo que 40% do queijo consumido no país tem origem no estado. Essa produção, de acordo com dados do estado em relação apenas ao Queijo Minas Artesanal, era de 40 mil toneladas, gerando uma renda de mais de R$2 bilhões por ano. É uma cadeia que vai gerando vários benefícios econômicos, como a partir do Minas Láctea, realizado em Juiz de Fora e que, apesar de não tratar só do queijo mas de todos os laticínios, movimenta cerca de R$500 milhões em negócios.
Importância da tradição
Apesar da movimentação econômica ser um aspecto muito importante do Queijo Minas Artesanal, a tradição é o que faz com que esse alimento tenha o reconhecimento global. É o que realmente diferencia o queijo Minas de outros queijos produzidos no Brasil. E, como lembra Ana Helena, apesar das mudanças trazidas por essas inovações, o essencial permaneceu o mesmo. E essa herança cultural é valorizada no estado, já que comer um pedaço de queijo faz realmente parte do dia a dia dos mineiros, e cada produção acaba sendo um reflexo da vida em cada lugar. Essa tradição é responsável inclusive pela sobrevivência de muitas comunidades rurais a partir dos ganhos financeiros.
A tradição não perde vez também porque, como destaca a especialista, o tradicional não significa que o processo não seja, por si só, inovador. O Queijo Minas Artesanal usa uma técnica que consegue matar as bactérias ruins mesmo usando o leite cru, no processo de cura. “Outros laticínios, inclusive os artesanais, são obrigados a pasteurizar o leite. Isso mata as bactérias ruins, mas também as boas. E aí usam um fermento industrial em que colocam essas bactérias positivas para o queijo”, explica Ana.
Diferentes fazendas trabalham essas características
Cada fazenda trabalha essas características de tradição e inovação de um jeito, mas é certo que a Queijaria Reis Moreira é uma das que mais se conecta ao processo de fazer o queijo como era feito há séculos atrás. Só na família, inclusive, já são seis gerações que trabalham com essa produção, uma aprendendo com a outra.
Apesar de preservarem essa técnica antiga e familiar, a família de Vanderlino Moreira foi se especializando com cursos do Sebrae para deixar essa produção mais higienizada e inclusive foram os primeiros a obter o CIF, que indica a qualidade da produção para o mundo – exemplificando bem a importância de unir o antigo ao novo para se destacar no mercado.
A fazenda Campos de Melo, do Queijo Eudes Braga, é uma das que trabalha com a inseminação artificial para levar a melhor genética para outras fazendas do mundo. Como produtores desde 2008, eles também foram incorporando técnicas novas para fazer com que a área que tinham rendesse mais para o gado e o leite. E, em 9 hectares, conseguem 13 mil litros de leite por dia – um processo considerado bastante otimizado através de maquinário novo e da ordenha tecnológica.
A Queijaria Taquaral é bastante recente no mercado, e por isso mesmo é um dos exemplos mais evidentes de incorporação da tecnologia na rotina produtiva. Desde cedo investiu nas práticas de produção com volume que também trouxesse um cuidado com a sustentabilidade – outro aspecto que tem sido valorizado por esse mercado. Isso é feito a partir da reutilização dos insumos e até da água utilizada no gado, que é tratada dentro da própria fazenda.
As boas práticas de ordenha também fazem parte da rotina, garantindo o bem-estar do gado e fazendo com que todo ele seja testado e livre de doenças que poderiam acometer esses animais.
*A repórter viajou a convite da Secult
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