Mascarenhas recebe a mostra “Fragrante”
Coletiva busca refletir sobre a presença da negritude em espaços de arte
Nas entrevistas com os artistas que integram a mostra fragrante, uma afirmação foi recorrente: “todos os espaços são nossos”, “ocupar esse espaço é um direito nosso”, e variantes no mesmo tom. Pensei – do alto de minha branquitude – sobre como só é necessário afirmar o que não é dado, não é do senso comum. De fato, historicamente, os espaços institucionalizados de arte e cultura têm sido ocupados privilegiadamente por pessoas brancas, e a exposição “Fragrante”, ação artística proposta pelo projeto Verniz, é uma mostra coletiva de 29 artistas negros, que não só expõem seu trabalho no CCBM a partir deste sábado (5), mas também atuaram na produção, curadoria e realização da iniciativa, que teve abertura ontem e vai até o dia 13 de outubro.
A palavra “fragrante” (e não “flagrante”, termo que inclusive remete à violência policial contra a negritude) dá o tema da exposição como referência à sensação de novo que o cheiro de verniz traz em um clássica vernissage, mas também faz alusão ao incômodo causado por um forte odor, semelhante ao que se produz no momento em que o oprimido ocupa os mesmos espaços que o opressor. A exposição explora múltiplas linguagens artísticas, e a abertura também terá uma performance alinhada à temática. “Será uma performance olfativa, para afetar a percepção sensorial das pessoas. É uma performance de cheiro-denúncia. Nem tudo na arte é sobre o belo, a arte também é sobre coisas duras, difíceis e ruins que a gente tem que tragar”, diz Guilherme Borges, que integra a mostra com dois de seus trabalhos, “Feridas abertas” e “Desmemorização 3”.
Guilherme destaca que as duas obras abordam questões que perpassam os corpos negros. “A primeira é uma escultura, um carrinho de plástico com 80 pregos enfiados nele, em menção à violência policial contra os corpos negros (remetendo ao assassinato do músico Evaldo dos Santos Rosa com 80 tiros por militares do Comando Militar do Leste (CML) do Rio de Janeiro). Já a segunda fala sobre o apagamento da negritude no processo de miscigenação, que historicamente favorece os corpos claros. É uma fotografia antiga de uma família trabalhada com colagem, ilustrações em nanquim e bordado”, detalha o artista. “É importante mostrar que todos os espaços são nossos, que a gente não se delimita ao underground artístico, ao alternativo, a gente tem possibilidade e potência para ocupar todos os espaços e levar adiante nossa tradição, bem como questões da contemporaneidade”, afirma o artista sobre a edição realizada no CCBM, depois de uma primeira na Casabsurda. “A mostra vem inserida em um projeto maior, o Verniz, que tem como objetivo criar meios de explorar as possibilidades de produção poética no universo fecundo que é a negritude.”
Hibridismo
Apesar de ser aluno do Instituto de Artes e Design (IAD) da UFJF, Guilherme destaca que a mostra não tem apenas artistas oriundos da academia. “Inclusive uma das propostas é quebrar essa barreira, convidando artistas que não tiveram acesso ou interesse na formação acadêmica ou que já passaram por ela em outo momento, a mostra engloba a produção cultural da negritude em toda sua multiplicidade”, pontua. Múltiplo também é o trabalho com que a artista visual Paula Duarte participa da “Fragrante”. “Fiz uma projeção mapeada em um lambe-lambe com fotografia da Karolina Vieira (MC Xuxú), integrando várias linguagens artísticas neste trabalho. Ele começou há algum tempo, com retratos de travestis. Houve uma intervenção no Corredor Cultural em que projetamos estas fotos no prédio do CCBM, de forma a criar um monumento bem no aniversário da cidade, para se contrapor aos monumentos que sempre trazem homens brancos e estão espalhados”, diz Paula, que leva a obra, agora, para o interior do CCBM, projetando sobre a imagem de Xuxú a frase “Jesus é uma travesti negra”.
Para Paula, somente o hibridismo consegue dar conta de sua expressão como artista. “A artista afroportuguesa uma vez disse algo que mudou a minha vida, que ela não cabia nas linguagens tradicionais de arte. Eu acredito muito que enquanto pessoas negras, nós vamos fundando outras linguagens artísticas, e venho cada vez mais pensando no meu trabalho fora da caixinha”, diz ela. “Isso também se reflete na maneira como a mostra e o projeto Verniz se organizam, não é tradicional. Sempre há uma preocupação em fazer reuniões coletivas com os artistas que expoem para que eles sejam parte ativa da curadoria e da produção, não é como uma exposição convencional em que artistas são convidados, e entregam uma obra. É um coletivo de pessoas negras e que preza, de fato, a coletividade”, pontua.
A mostra vem como um indicativo de que as estruturas poéticas e mercadológicas postas estão sujeitas a modificações e tem obras, além das de Paula e Guilherme, de Augusto Costa, Aparecida Petronilha, Bárbara Morais, Carolina Cerqueira, Dayane Máximo, Gezsilene Oliveira, Lucas Soares, Luíso Camargo, Maury Paulino, Maré, Noah Mancini, Zaíra Tarin, Rafael Coutinho, Stain, Tainá Neves, Talitha Reis, Task e Ygor Ventura. A produção é de Luiza Amorim, e também integram a equipe MC Muxima, João Paulo Leal, Gabriel Teles, Lucas Melo, Stefany Silva, Jaqueline Souza, Melissa Domingues e Matheus Cardoso.
“Fragrante”
Abertura 5 de outubro, às 15h. Terça a sexta-feira, das 9h às 21h, e sábado e domingo, das 10h às 18h. Até 13 de outubro no CCBM (Av. Getúlio Vargas 200 – Centro). 3690-7051