Revelações da presidente
Novas páginas à vista. Enquanto o Governo promete um novo ciclo de representação, o ano começa com um novo capítulo do diário presidencial escrito pelo jornalista Renato Terra e ilustrado pelo cartunista Caco Galhardo. Recém-lançado, o livro “Diário da Dilma” (Companhia das Letras, 254 páginas), extraído da seção homônimo da revista “Piauí”, reúne toda a produção que faz troça da agenda da presidente, criando uma Dilma engraçada, vaidosa e extremamente fútil. “Nunca antes na história deste país uma presidenta escreveu um diário. Assim como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Luz Para Todos, o projeto Dilma Vana Rousseff foi implementado com sucesso durante meu governo”, brinca a apresentação da obra, ironizando ao ser assinada por um Luiz Inácio Lula da Silva, creditado como “ex-presidente em exercício”.
“José empregava Roseana que empregava Raimundo/ que empregava Maria que empregava Joaquim que empregava Lili/ que não empregava ninguém/ José foi para Furnas, Teresa para a Previ, Raimundo para o BNDES/ Lili foi cassada”, mais uma vez ironiza a apresentação, com uma paródia do poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade, atribuída a Michel Temer, por meio de uma portaria que dá direito de espaço ao PMDB. Escrito em formato de diário, com datas e até mesmo horários, o livro ainda conta com hilariantes desenhos de Dilma em situações muito improváveis, como dançando maracas com Hugo Chávez, fazendo massagem com um aspirador, pulando carnaval com Lula e fazendo ioga com Marina Silva.
Pela acidez, a proposta de Renato Terra tinha tudo para resultar em escritos ofensivos e maledicentes, mas, em momento algum, trabalha com a imagem íntima e pessoal de Dilma. Muito pelo contrário. O diário publicado na “Piauí” se aproveita da tentativa de composição e transmissão da imagem da presidente temida, convicta e extremamente segura. Nas páginas da revista e do livro, a personagem surge sempre à sombra do PT e do ex-presidente Lula. Preocupada com calçados, vestidos, brincos, maquiagens e amiga íntima de todas as ministras, a figura representada compõe um bastidor político divertido e, simultaneamente, bizarro.
Com o laquê do Justus
“Estou estressada com os últimos preparativos para a ceia de réveillon”, começa o diário, no último dia de 2010, às 13h. “Michel Temer queria reservar cinco vagas na janela para o PMDB ver os fogos. Teremos que negociar. Sarney vai trazer a família e pediu para estacionar dentro do prédio. Vou pedir para o Lula falar com ele”, continua, momentos antes da posse. “O vestido está passado, maquiagem no ponto e o penteado firme como o concreto do Palácio da Alvorada. Lula ligou para me lembrar da importância de sorrir e gesticular para os populares. Anotei na palma da mão direita: ‘Sorrir e gesticular’. Em caso de chuva, devo usar o laquê impermeável que ganhei do Roberto Justus”, revela a personagem sobre o grande dia.
Corriqueiros no diário escrito por Renato Terra, os familiares de Dilma também surgem, fazendo do palácio uma casa descontraída e animada. “Me vi na Hebe. Não foi à toa que minha mãe ficou louca com as joias delas. E que plástica bem-feita”, conta no dia 15 de março de 2011. Um ano depois, a personagem elogia os terninhos de Angela Merkel. “Quando ela vier ao Brasil, vou convidá-la para a nossa mesa de tranca”, diz. “Gracinha me contou que vai sair na avenida. Fiz cara de paisagem. Precisa ter muito peito para sair na avenida depois dos resultados da Petrobras. Mas cada um com seu cada um. Se ao menos servir para ela prender aquele cabelo”, escreve em 5 de fevereiro de 2013, como a premeditar o terrível escândalo que assolou o país meses depois.
“Virei Geni”, brinca Dilma sobre a onda de vaias que sofreu em 2013. “Começou o Festival de Cannes, e eu aqui visitando estádio. Mal pude dar uma passadinha pelas fotos. A Nicole Kidman está com mais botox do que o Justus”, brinca, às vésperas da Copa. Com menos sisudez, cada página reserva um convite a se pensar o país por outras vias. Com um senso de humor além da média, a Dilma, expressa em um diário engraçado e profundamente crítico, faz refletir sobre a política no Brasil, muito menos atraente que a narrativa quase anárquica.