UFJF garante funcionamento para segundo semestre
Embora admita possibilidade de suspensão de determinadas atividades, Reitoria está em compasso de espera por recomposição orçamentária
Ainda que tenha R$ 33 milhões de custeio e capital bloqueados, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) manterá as operações para o segundo semestre letivo de 2019, a ser iniciado na próxima segunda-feira (5). Entretanto, a instituição admite a possibilidade de suspensão de determinadas atividades de extensão e pesquisa, caso parte da verba contingenciada não seja recomposta pelo Ministério da Educação (MEC). Em compasso de espera, a concentração de gastos orçamentários na manutenção dos campi de Juiz de Fora e Governador Valadares deve ser a solução encontrada pela Reitoria. Em entrevista exclusiva à Tribuna, o reitor Marcus Vinicius David expôs o quadro financeiro da universidade, bem como sua opinião sobre o “Future-se”.
“A UFJF tem uma situação um pouco mais confortável do que outras universidades, porque conseguimos gerar muitas receitas próprias. Nos últimos anos, mesmo com os cortes orçamentários – afinal, o arrocho orçamentário já vem há praticamente cinco anos -, a UFJF conseguiu manter as suas atividades, e, inclusive, apresentar novos projetos para a comunidade. Ou seja, estávamos conseguindo equacionar o orçamento”, afirma o reitor. À época do bloqueio orçamentário, o quadro estável permitiu ao Conselho Superior (Consu) da UFJF postergar para o segundo semestre eventuais manobras de contenção de despesas. Conforme David, inclusive, os recursos captados já eram utilizados para cobrir o custeio de manutenção da universidade. “O ideal era que o Governo federal conseguisse garantir o recurso necessário para a manutenção da UFJF, e a captação de recursos adicionais pudesse ser integralmente destinada a novos projetos. Isso não vinha ocorrendo.”
O Consu, porém, aguarda a execução de recomposição orçamentária do MEC na ordem de R$ 2,5 bilhões. Logo após a publicação da medida de contingenciamento, Decreto 9.741/2019, o Governo federal decidiu recompor R$ 1,588 bilhão dos R$ 5,8 bilhões da pasta bloqueados. Além disso, em junho, como contrapartida à aprovação do crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões ao Governo Jair Bolsonaro (PSL), o Congresso exigiu a revisão de parte do bloqueio. Na ocasião, a líder do Governo no Congresso, deputada Joice Hasselman (PSL), garantiu a recomposição de R$ 1 bilhão para a pasta. “Se o Governo não fizer recomposição alguma, acredito que o Consu certamente vai encaminhar e deliberar a concentração dos nossos gastos na manutenção da UFJF até o fim do ano, e os projetos que a universidade realiza sofreriam um forte prejuízo”, afirma David. “Se o corte se mantiver, vamos interromper uma série de programas, o que atingiria 2019-2020. Estou me comprometendo. Com o corte de programas, consigo equilibrar as contas neste ano.”
Sem previsão
Entretanto, apesar de acordadas, tais verbas não foram ainda repassadas pelo Ministério da Economia ao MEC. Questionada pela Tribuna sobre a previsão de recomposição orçamentária, a pasta informou que “a possibilidade de realização de descontingenciamentos para os órgãos do Poder Executivo, inclusive o MEC, dependerá da projeção das despesas e da arrecadação da receita até o final do exercício”. Em resposta à reportagem nesta quarta (31), o MEC, respondeu que “avalia qual será a aplicabilidade dos recursos acordados pelo PLN nº 4/2019 (projeto de lei do crédito suplementar). Além disso, a pasta articula com o Ministério da Economia a possibilidade de ampliação dos limites de empenho e movimentação financeira a fim de cumprir todas as metas estabelecidas na legislação. Caso o cenário econômico apresente evolução positiva no segundo semestre, os valores bloqueados serão reavaliados”.
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‘O real problema é a asfixia que vivemos’
Conforme o reitor Marcus Vinicius David, há um contraponto no bloqueio de dotações orçamentárias, uma vez que as universidades seguem acumulando dívidas, por falta de recursos, com prestadores de serviços terceirizados. “Estamos fazendo um esforço de contenção que não é real, porque, se o MEC fala para as universidades manter os contratos para acumular as dívidas, não há nenhum esforço de contenção de gastos. Na realidade, as universidades continuam mantendo os gastos, mas não estão pagando as despesas e estão acumulando dívidas. Isso não é uma ação que tenha qualquer bom senso econômico”, avalia. David cobra transparência do MEC para com a sociedade a respeito do projeto de ensino superior desejado. “Está faltando uma discussão concreta. O MEC quer manter o investimento social em 63 universidades federais? Porque, se mantivermos, a postura tem que ser outra. Não pode ser a de sufocar o orçamento e atribuir isso a problemas de gestão nas universidades. Todo mundo sabe que esse não é o real problema; o real problema é a asfixia que estamos vivendo.”
De acordo com o reitor da UFJF, o MEC tem a intenção de que cada universidade negocie, individualmente, junto à pasta, sua situação financeira, postura contrária à pleiteada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). “Nós, reitores, estamos insistindo para que o MEC faça uma política global. Queremos evitar a negociação caso a caso, para evitar qualquer tipo de interferência política nesses acordos. Queremos uma negociação transparente: ‘Olha, podemos liberar tantos por cento para todo mundo'”, explica. Em uma negociação individual, segundo David, universidades com quadros estáveis, como a UFJF, seriam prejudicadas. “Instituições que conseguem gerar recursos próprios serão punidas, porque todos os recursos dos nossos projetos serão usados para pagar contas de luz e a vigilância, por exemplo.”
‘A autonomia é a liberdade do pensamento’
“É muito difícil discutir um projeto para o futuro – e, de fato, o desenho do ‘Future-se’ só vai gerar efeito daqui a quatro, cinco anos efetivamente – sendo que estamos em um presente sufocante. Há uma paradoxo entre você discutir o futuro em meio a uma crise tão grande sem respostas completas do Governo federal”, afirma o reitor Marcus David. Dentre outras pautas, o programa “Future-se” foi abordado, na última sexta (26), em Vitória, pelos reitores de instituições federais de ensino, em reunião do conselho pleno da Andifes. O reitor da UFJF aponta pontos críticos na proposta do MEC: a interferência do Governo federal na autonomia universitária por meio de organizações sociais (OSs) e a ausência de financiamento de determinadas áreas de pesquisa.
No entendimento do reitor, as OSs assumirão a administração de todo um sistema de infraestrutura universitária, desde a vigilância à limpeza, além de administrar os recursos do fundo de financiamento a ser criado. “A OS assumirá o papel da gestão universitária de maneira centralizada. Uma OS gerenciaria um conjunto muito grande de universidades e seria conduzida de acordo com as políticas do Governo, que, segundo o programa, serão definidas posteriormente. A característica desta gestão retira a autonomia das universidades e a concentra nas OSs. O princípio universitário da autonomia não é apego a poder de reitor. Em hipótese alguma. A autonomia universitária é a liberdade da ciência. Não posso vincular o pensamento científico à política de um Governo. Não importa a linha ideológica do Governo. A autonomia universitária é a liberdade do pensamento.”
Na outra via, Marcus Vinicius David atenta para a possibilidade de que os recursos do fundo de financiamento sejam alocados apenas em áreas de inovação. “A universidade cumpre vários papéis na área, desenvolvendo tecnologias para serem apropriadas em formas de inovação pelas empresas. Entretanto, as universidades fazem muito mais do que isso. A UFJF, por exemplo, tem uma série de projetos de natureza social, cultural, educacional e de saúde pública. Então, não posso imaginar que tal fundo teria uma lógica puramente econômica. Se tiver, apenas um eixo da função da universidade vai ser atendido. E todas as outras funções ficam abandonadas.”
Em consulta
A minuta do “Future-se” estará em consulta no portal do MEC até 15 de agosto. Após a data, a redação final será elaborada em projeto de lei para encaminhá-lo ao Congresso para apreciação. Após o recesso parlamentar, a tendência é de que os esforços do Governo concentrem-se em outros projetos, como a aprovação, em segundo turno, na Câmara dos Deputados, da reforma da Previdência, bem como sua tramitação no Senado.
Além disso, os projetos de reforma tributária, do Ministério da Economia, e anticrime organizado, do Ministério de Justiça e Segurança Pública, tomarão o capital político do Governo. “Para as universidades aderirem, o projeto teria que mudar muito, sobretudo questões que são de sua estrutura básica. A negociação tem que ser feita no Congresso. Não podemos permitir que seja aprovado um projeto de lei que coloca uma faca no pescoço das universidades”, afirma David.