Capes suspende 14 bolsas de pós-graduação da UFJF
Em meio à insegurança, Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa teme o corte de 19 cotas para doutorado “sanduíche”. A nível nacional, 4.798 auxílios foram congelados
Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) foi mais uma a integrar a política de contingenciamento do Governo Jair Bolsonaro (PSL). A suspensão de bolsas de programas de pós-graduação atingiu 4.798 cotas a nível nacional, conforme anunciado, na quinta-feira (9), em coletiva de imprensa pelo presidente da Capes, Anderson Correia. Beneficiária de convênio, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) tem 14 bolsas bloqueadas; os programas de pós-graduação em Ciências Biológicas, Educação, Geografia, História, Saúde e Serviço Social foram prejudicados.
Conforme a Capes, pós-graduandos já cadastrados nos sistemas de concessão de bolsas não terão os auxílios cortados; o contingenciamento foi de bolsas consideradas ociosas. “Em maio, o sistema permaneceu fechado para reajuste da concessão de bolsas – recolhimento de bolsas que estavam à disposição das instituições, mas que não estavam sendo utilizadas no mês de abril de 2019 (bolsas ociosas, ou não utilizadas)”, pontua, em nota, a fundação. Das 4.798 cotas suspensas, 1.224 retornarão aos programas de pós-graduação “ainda nesta semana”, segundo Correia. Entretanto, tais cotas pertencem a programas avaliados como de excelência – cujos conceitos são seis ou sete, os mais elevados. A reversão do contingenciamento das demais dependerá “de melhoria da economia do país”.
Bem como o corte orçamentário imposto às instituições federais de ensino, o congelamento de bolsas de programas de pós-graduação surpreendeu tanto universidades públicas quanto mestrandos e doutorandos. “Estamos extremamente preocupados com o processo como um todo. Não sabemos até que ponto o corte de bolsas será suficiente para a Capes ajustar o seu orçamento. Achamos que outros cortes podem surgir. Isso nos causa muita insegurança. O sistema de pós-graduação no Brasil é bem organizado, constantemente avaliado e com um nível de produtividade altíssimo”, diz a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da UFJF, Mônica Ribeiro de Oliveira.
Flávia Calé da Silva, presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), aponta o colapso dos programas de pós-graduação e, consequentemente, da ciência brasileira. “O impacto direto é a paralisação das pesquisas. A maior parte da produção científica nacional se dá na pós-graduação. Se não há pós-graduandos vinculados à produção dessas pesquisas, não há produção científica. O impacto é imenso; a gente não consegue calcular. É uma grande tragédia.” O somatório correspondente a todas as bolsas contingenciadas não foi informado à Tribuna pela Capes. Mestrandos recebem, mensalmente, R$ 1.500 e, doutorandos, R$ 2.200.
Outras medidas
Além do contingenciamento de bolsas, a Capes, “em busca de economia racional de recursos, melhoria do sistema de pós-graduação e parceria com o setor empresarial”, reduzirá, gradativamente, a concessão de novas bolsas para todos os cursos cuja nota de avaliação, durante dez anos, for três — conceito mínimo de permanência no sistema de pós-graduação da Capes —, e suspenderá também novas bolsas do programa Idioma Sem Fronteiras.
‘É um momento desconfortável e desanimador’
Das 14 cotas de programas de pós-graduação da UFJF bloqueadas, 11 são do Programa de Demanda Social — concessão de bolsas nos níveis de mestrado e doutorado —, e três do Programa Nacional de Pós-Doutorado — financiamento de estágios pós-doutorais em programas de pós-graduação recomendados pela Capes. Entretanto, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa está insegura a respeito da concessão de bolsas do Programa de Doutorado-sanduíche no Exterior. Na modalidade, os pesquisadores recebem auxílios de mensalidade, instalação e seguro saúde de, respectivamente 1.300, 1.300 e 90 — valores fixos para moedas como dólar, euro e libra.
“O nosso impacto não é muito significativo, porque temos um setor de bolsas muito organizado”, afirma Mônica Ribeiro de Oliveira. “Digo que não é tão significativo em relação às outras instituições, com perdas muito maiores. A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), por exemplo, perdeu 25 bolsas. Em um quadro de perdas tão tremendo como esse, a nossa perda existe, mas, ainda bem, não tão alta assim. (…) Estamos inseguros. Há outros programas em época de implementação, como a bolsa para o doutorado-sanduíche, isto é, para os doutorandos irem para o exterior. Estamos em fase de processo seletivo nas universidades; estaríamos no momento de abertura do sistema para colocá-los. Mas o sistema está fechado.”
A UFJF tem, semestralmente, no mínimo, 19 cotas de doutorado-sanduíche para conceder aos estudantes. Caso as bolsas sejam, de fato, também congeladas, a instituição estima prejuízo a cerca de 40 alunos. “É um momento muito desconfortável e desanimador para todos nós. Em muitos anos de universidade, nunca passei por um momento como este”, relata a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa. A coordenação do Programa de Pós-Graduação em Geografia suspendeu o edital de concessão de bolsas para pós-doutorado.
De acordo com Monica, a perda de bolsas seria maior não fosse a organização da concessão de bolsas dos programas de pós-graduação. “Quando a Capes libera a bolsa para ser implementada pelos programas, o processo é muito dinâmico. Por exemplo, o aluno é bolsista. Ao fim do ciclo, faz a defesa de sua dissertação ou sua tese, e, posteriormente, um ou dois dias depois, essa bolsa é repassada para outro aluno. Aqui dentro, o processo é feito com muita rapidez para que nenhuma cota fique ociosa.”
A presidência de Anderson Correia à frente da Capes foi criticada pela pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa. Conforme Mônica, na iminência de cortes em gestões anteriores, inclusive do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ambas foram pró-ativas. “À época, os presidentes de Capes e CNPq se organizaram, foram às mídias, pressionaram o Governo para a manutenção do orçamento. Tivemos um comportamento das agências muito mais pró-ativo em defesa dos compromissos das agências. Percebemos que a gestão atual da Capes simplesmente repassou os cortes para as universidades, já prejudicadas com o bloqueio orçamentário do MEC; para os alunos e para a produção científica brasileira, especialmente. É uma mudança grave no comportamento do fomento público.”
‘Pós-graduação em colapso’
“Assim como o corte orçamentário das instituições federais de ensino, o corte de bolsas foi completamente inesperado, já que, com muita luta no passado, havíamos conseguido segurar os orçamentos da Capes nas leis Orçamentária Anual. Na nossa opinião, é uma situação que deixa em colapso a pós-graduação brasileira”, ratifica a presidente da ANPG, Flávia Calé da Silva. O entendimento de ociosidade pela Capes levou dúvidas à ANPG. A associação notificou a fundação em razão do conceito.
“Dizem que vão cortar bolsas ociosas, mas sabemos que as bolsas são deficitárias. Menos de 50% dos pós-graduandos brasileiros têm bolsas.” Questionada sobre a mobilização dos pós-graduandos, Flávia confirmou a participação da entidade, nesta quarta-feira (15), na greve nacional da educação, “como forma de defesa aos ataques à educação”, em conjunto com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).
Para Flávia, as bolsas deveriam ser encaradas pelo Governo federal como salários dos pesquisadores. “A pesquisa realizada na pós-graduação é um trabalho. E é muito desvalorizada, inclusive. As bolsas estão no sexto ano sem reajuste. (…) A bolsa tem um valor muito pequeno em relação ao que deveria ter e ao papel que deveria cumprir, não só de subsistência do pós-graduando, mas de remuneração de um trabalho fundamental para o Brasil.”
Ao encontro da presidente da ANPG, Mônica reafirmou o caráter remuneratório das bolsas, ao destacar, inclusive, a exclusividade exigida pelos programas de pós-graduação. “As bolsas concedidas pela Capes são para a docência. Em alguns casos, o aluno até pode dar alguma carga horária em sala de aula. Mas, do contrário, é dedicação exclusiva. Em sua grande maioria, não permitem o exercício de atividade remunerada. Muitos alunos dependem desses recursos para o financiamento da sua sobrevivência básica, não só da sua pesquisa. O impacto é material e simbólico.”
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