Mãe presa por abandono de incapaz quer filhos de volta
Liberada na última terça-feira após ser presa, mãe não pode manter contato com os filhos por decisão judicial
Quando saiu de casa no dia 22 de dezembro deixando os seis filhos pequenos sozinhos – a mais velha tem 7 anos e a mais nova apenas 8 meses -, a desempregada S., 28 anos, jamais imaginou que não os veria mais. Com depressão desde o nascimento da bebê, ela já vinha apresentando alteração no seu comportamento. Primeiro negligenciou o cuidado dos meninos, depois parou de cuidar da própria residência. Incomodados, os vizinhos tentavam ajudar as crianças como podiam e, por pena delas, afirmam não ter denunciado a mãe até o dia em que ela foi presa por abandono de incapaz. Acionada, a Polícia Militar chegou ao terreno do Bairro Dom Bosco à noite, encontrando os meninos sozinhos, sujos e com fome. A sujeira do imóvel deixou os agentes públicos estarrecidos. Levada para a Penitenciária Ariosvaldo Campos Pires, S. passou o Natal sozinha em uma cela.
Liberada na terça-feira, ela voltou para o bairro onde morava, mas, por decisão judicial, não pode manter contato com os filhos que estão divididos em duas moradias próximas. Ameaçada de linchamento, S. sabe que chegou ao fundo do poço e que precisará de ajuda para conseguir se organizar e, quem sabe, tentar reunir a família no futuro.
Chorando muito, ela afirmou estar arrependida. “Meus filhos são tudo para mim, mas não posso ter contato com eles de jeito nenhum até me tratar, passar por psicólogo, psiquiatra. Foi horrível passar o Natal longe deles, não desejo isso para ninguém. Me senti um monstro”, afirmou a mulher. S., porém, nega que tenha deixado os filhos sozinhos por 72 horas, como foi divulgado, e diz ter saído do imóvel da Rua Monsenhor Gustavo Freire no final da tarde do próprio dia 22 de dezembro para, segundo ela, “buscar sua bolsa na casa de uma conhecida”. Quando retornou ao endereço às 23h30, a polícia já estava no terreno. “Depois que eu tive minha última neném, parece que entrei em depressão, não sei, porque eu sou muito sozinha para cuidar dos meus filhos. Não estava cuidando de mim mesma, nem da casa. Nem todo mundo passou pelo que eu já passei na vida. Muita gente está me julgando, falando que eu não sou mãe, mas só quem convive comigo sabe o que os meus filhos são para mim”, lamenta a desempregada que não terminou o ensino fundamental e tem como renda mensal R$ 500 pagos pelo bolsa família.
Funcionária de um restaurante, P., 56 anos, madrasta de S., com quem ela está morando neste momento, também já ajudou a cuidar das crianças e diz que não queria que a enteada e os filhos tivessem deixado sua casa. “Ela quis morar sozinha com os meninos. Eu não queria, mas o que podia fazer? Trabalho à noite em restaurante e, quando dava cinco horas da tarde, meu horário de ir para o emprego, ela ainda não havia chegado para ficar com os meninos. Avisei tanto para ela, mas não me ouviu. A S. errou sim, mas quem não erra? Eu confio nela. Sei que vai se recuperar para cuidar dos filhos.”
Professora da rede municipal está cuidando de três crianças
Desde que S. foi presa, três dos seis filhos dela estão sob os cuidados de M., 35 anos, professora da rede municipal de ensino que assinou termo de responsabilidade. Mãe de duas crianças e vizinha de S., ela se ofereceu para abrigar os filhos da desempregada, quando soube que os irmãos seriam separados para acolhimento provisório em abrigos da cidade. “A gente ficou com pena das crianças, quando descobriu que elas seriam separadas. Por isso, ficamos com elas, e toda minha família está ajudando. A gente tenta fazer o máximo que pode, porque pobre nós também somos”, diz a docente com a bebê de 8 meses no colo. “No primeiro dia que eles vieram aqui para casa, a neném tomou quatro mamadeiras em uma noite. Essas crianças não mereciam passar por isso. Estavam vivendo em um lixão”, revela M., que também está cuidando do menino de 5 anos e de uma menina de 3 anos. Segundo a professora, o pai da bebê deve requerer a guarda da filha. Ele trabalha em uma oficina mecânica e tem ido visitar a criança e os irmãos dela.
V., 70 anos, mãe da professora municipal, disse que os meninos estavam indo sujos para a escola, mas afirma que, no passado, S. era “caprichosa”, mudando seu comportamento após o nascimento da última filha dela.
Uma tia da desempregada, que também mora no Dom Bosco, assumiu os três filhos mais velhos dela, de 7, 6 e 4 anos. Os meninos não souberam da prisão da mãe e acham que ela ficou doente. “As crianças mais velhas perguntam por ela e querem saber quando vai melhorar”, afirmou V., lamentando a situação deles.
A conselheira tutelar que acompanhou a ocorrência, Cecília Marques Alvim, informou que, um dia antes da prisão, o conselho foi procurado para que realizasse uma visita ao local, mas, pelo relato, não foi detectada urgência. No entanto, o órgão foi acionado pela polícia logo após a prisão de S. “O conselho é um órgão encaminhador que tira a criança do risco e encaminha para a rede de proteção, a fim de que a família seja trabalhada. Neste caso, porém, como era uma situação de risco real e de grande vulnerabilidade, mandamos direto para o juiz de plantão”, explicou a conselheira. Segundo Cecília, o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) também faz acompanhamento da família.
A Vara da Infância e Juventude está em recesso até o dia 8 de janeiro e, após esta data, caberá ao juiz decidir o futuro das crianças. A equipe técnica do Fórum também acompanha o caso.