Igreja aposta na evangelização da juventude


Por Flávia Crizanto e Marina Sad

28/02/2013 às 07h00

Deus prende mais do que qualquer coisa', Valéria Machado, participante da Comunidade Resgate

Deus prende mais do que qualquer coisa’, Valéria Machado, participante da Comunidade Resgate

A renúncia do Papa Bento XVI, que ocorre oficialmente hoje, tem provocado ampla discussão na sociedade e na própria instituição sobre os rumos a serem tomados numa época marcada pelo individualismo e pela racionalidade. A situação tem reflexo em todas as paróquias. Em Juiz de Fora, religiosos, especialistas e fiéis são unânimes em afirmar que o momento representa uma oportunidade de reflexão. A cidade, assim como outras regiões do país, registra uma redução no número de católicos. Segundo o Censo 2010 do IBGE, a queda foi de 9,2%: em uma década, o número de juiz-foranos que se declarou católico caiu de 73,70% para 64,53%.

O arcebispo de Juiz de Fora, dom Gil Antônio Moreira, diz que, no mundo todo, o grande desafio é vencer a secularização, o materialismo e a oposição ao sentimento religioso. No entanto, ele diz que esse não é o principal problema local. "Estamos em uma cidade com muitas pessoas de fora. Por isso, o nosso grande desafio é desenvolver novos métodos de evangelização que atendam a essas pessoas." O arcebispo acrescenta que o mundo universitário e jovem também "precisa ser evangelizado".

Sob o olhar de padre Antônio Camilo de Paiva, coordenador do setor de Comunicação da Arquidiocese de Juiz de Fora, focar em números não é a melhor solução: "Temos que transmitir a mensagem de forma que encante fiéis. Uma religião firme, segura, mas sem proselitismo." 

Fiéis

Além da Igreja tradicional, que se baseia em missas, grupos de oração e nas pastorais, hoje há novas correntes, que foram criadas depois do Concílio Vaticano II, de 1962. Entre estes movimentos, alguns têm conseguido levar milhares de pessoas às celebrações semanalmente, como a Renovação Carismática ou as Novas Comunidades, nas quais está incluída a Resgate. As missas desta comunidade são realizadas às segundas-feiras, no galpão do Exposhop, no Bairro São Dimas, onde chegam a se reunir mais de 3 mil pessoas. No local, é possível encontrar aqueles que deixaram a religião e voltaram depois de conhecer o movimento. A comerciante Valéria Machado, 44 anos, há dois anos recuperou a fé. Segundo ela, após passar por um momento difícil. Primeiro vieram os grupos de oração, em seguida as missas carismáticas, hoje ela faz parte do Grupo Resgate e está no chamado caminho vocacional. "Deus preenche mais do que qualquer coisa, aqui aprendi a viver a santidade e a sentir a presença dele."

No entanto, aqueles que não fazem parte de movimentos como este têm críticas à Igreja. É o caso do empresário Flávio Souza, 58, nascido em família católica. Ele diz ter deixado de frequentar missas há oito anos por acreditar que o modelo e as ideias adotados pela instituição não se encaixavam mais no seu modo de pensar. "Não dá mais para ignorar que o mundo mudou. Se a religião não acompanha, eu não sou obrigado a concordar."

 

Adequação

Para o antropólogo e doutor em ciências da religião Emerson José Sena, as características do Movimento Carismático se adéquam às demandas da sociedade. "Os elementos trabalhados estão muitos próximos do mundo atual. A ideia da emoção, do sentimento, da questão da fé e da escolha pessoal, da individualidade, do sentir Deus no coração é recorrente nos discursos carismáticos. A famosa experiência pessoal com Jesus está muito envolvida com a religiosidade moderna."

Para o antropólogo, apesar da abertura para esses novos grupos, a Igreja cobra a fidelidade institucional. A participação de autoridades religiosas nesses espaços é uma forma de legitimar a sua autoridade. "Do ponto de vista prático, cada movimento desses – o carismatismo, o progressismo, o de libertação – tem uma outra visão do que é ser católico. No dia a dia, a Igreja precisa lidar com esses grupos, às vezes, possibilitando, às vezes, reprimindo, às vezes negociando.

As mudanças que visam atrair fiéis a qualquer preço são vistas com cautela por padre Camilo. "A Igreja não tem que mudar, promovendo a liquidação da fé ou a maquiagem. Vamos encher a igreja se começarmos a espalhar a teologia da prosperidade e fazermos exorcismo. Mas essa não é a linguagem da Igreja Católica."

  

Propostas jovens precisam ser vistas

Independente dos grupos de renovação ou tradicionais existentes na religião, uma das esperanças é a juventude. "Os jovens têm um desejo muito grande de viver a sua fé. O problema é que esta força não cabe dentro da estrutura que nós oferecemos. Então, eles têm que construir o futuro de nossa Igreja, pensar as transformações", acredita o padre Vicente de Paula Ferreira, responsável pela Congregação Redentorista na província formada por Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Ele acrescenta, no entanto, que é necessário não se esquecer da experiência e do testemunho dos mais velhos.

Para o coordenador arquidiocesano do Setor Juventude de Juiz de Fora, padre Luiz Roberto Magalhães Leite, o padre Zuca, a juventude não se resume somente em futuro. "Temos que tentar olhá-la agora, pois ela traz muitas propostas boas que a Igreja precisa urgentemente." A alegria, a disposição e a garra dos jovens seriam esses benefícios que, segundo ele, não podem faltar na caminhada eclesial. Segundo o Censo 2010, Juiz de Fora tem 79.660 fiéis jovens, na faixa entre 10 e 24 anos, ficando atrás dos grupos de adultos e idosos (ver quadro).

No intuito de atrair a juventude, a Arquidiocese de Juiz de Fora tem investido na formação de grupos paroquiais. "Eles refletem sobre a realidade, no esquema ver, julgar e agir: ver os problemas, julgar o que pode ser feito e agir para tornar a sociedade mais justa", explica o arcebispo dom Gil Antônio Moreira. O religioso destaca ainda o investimento na Pastoral Universitária, em um espaço específico para lidar com a juventude, além de um religioso responsável.

Padre Camilo acrescenta que a Arquidiocese tem potencializado a celebração do Dia Nacional da Juventude, que acontece em outubro. A comemoração já contou até com trio elétrico, banda de axé católica e camisa no estilo abadá. Além disso, o sacerdote lembra que, em todos os anos, é feita uma via-sacra com os jovens no Morro do Cristo, durante o período que antecede a Páscoa. Ele destaca ainda os esforço dos padres e do próprio arcebispo para manterem uma proximidade com a Pastoral da Juventude.

Outra ação da instituição, desta vez no âmbito mundial, é a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), um encontro internacional dos jovens com o Papa, que acontece a cada dois ou três anos. Em 2013, o evento será no Rio, entre 23 e 28 de julho. No entanto, padre Zuca explica que a JMJ começa uma semana antes, nas dioceses de todo Brasil, com a Semana Missionária. Em Juiz de Fora, são esperados até seis mil jovens, sendo dois mil estrangeiros.

  

Eleição de latinos não garante evolução

Com relação ao novo Papa, vários segmentos da sociedade local demonstraram a expectativa pela eleição de um latino-americano ou africano, principalmente por aqueles que desejam uma maior abertura da instituição para questões polêmicas, como a da homossexualidade, do uso de métodos contraceptivos e do papel das mulheres. Entretanto, o teólogo Faustino Teixeira reforça que, apesar de o número de fiéis estar concentrado na América Latina e África, a maioria dos cardeais é do eixo Norte. E, mesmo que esse desejo se efetivasse, não significaria a abertura da Igreja. "Os cardeais latino-americanos não são necessariamente abertos. Na verdade, a maioria é alinhada à lógica restauradora."

O responsável pelos Redentoristas na região, padre Vicente de Paula Ferreira, lembra a necessidade de paciência para evitar decisões precipitadas. "Não diria que a Igreja deve ou não mudar de opinião. Deve-se amadurecer à luz da fé. Ninguém toma grandes decisões em tempos de crise da sociedade. É necessário o amadurecimento dialogal."

Enquanto a discussão se intensifica, migrações religiosas acontecem de forma intensa em Juiz de Fora e por todo país. Segundo Faustino, também existe uma tendência do crescimento do movimento dos sem religião. Sendo esse último umas das preocupações do arcebispo da Arquidiocese de Juiz de Fora, dom Gil Antônio Moreira. "Com a indiferença religiosa, as pessoas perdem as referências éticas, o que traz riscos para a humanidade."

 

 

Novas estratégias

"O momento é uma oportunidade de a Igreja repensar suas estratégias", avalia o antropólogo Emerson José Sena. A opinião também é compartilhada por Faustino. "É preciso rasgar os corações para refundar a Igreja. Quem pode melhor exercer esse papel é um Papa que seja pastor e capaz de trazer um hálito vital diferente para a comunidade desgastada por tanto sofrimento e apatia. E que seja capaz de proferir palavras em sintonia com o tempo."

Para padre Vicente, a renúncia do Papa não significa que a Igreja Católica passa por crise. "Os desafios diante de uma época inusitada, pós-moderna, são muito grandes. O pontífice percebeu que os tempos exigem mais força, saúde e não só inteligência." Entretanto, a capacidade de mudança é lançada como um grande desafio, na opinião de Emerson. "Temos que tomar cuidado para não entrar em um diálogo de surdos. Existe a cobrança, mas acredito que a Igreja Católica não vai se adequar à modernidade porque ela tem uma lógica atemporal."

 

 

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