Nova personagem de Magda Trece transforma quitinetes em quintais repletos de afetos


Por Marisa Loures

26/10/2025 às 08h00

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Em “Miudinha, mas com quintal”, Magda Trece, a criadora da Vó Filó, convida crianças e avós a cultivarem juntos um quintal feito de lembranças, imaginação e amor. O lançamento do livro está programado para o dia 27 de outubro, em Mar de Espanha – Foto: divulgação

A história que vou contar se passa em um condomínio de quitinetes bem pequeninas, ocupado por avós, avôs e seus netos. Dizem que lá, um dia, já foi um castelo muito imponente, cuja moradora era uma rainha bem peculiar. Pois bem. O castelo foi substituído por um prédio de muitas janelas. A cada mudança que chegava ao local, as etiquetas coladas nas caixas davam conta de que, ali dentro, havia sonhos e memórias. No entanto, um pequeno problema angustiava a meninada que ali residia: o condomínio não tinha quintais.

É aí nesse ponto que chega, de mala e cuia, ou melhor, carregada de caixas e mais caixas, uma senhorinha muito simpática. Ela foi morar na quitinete 905. Embora pequenina como as outras,  destacava-se das demais. Magda Trece, a autora dessa história, conta, em “Miudinha, mas com quintal” (Trece Edições), que os netos da vizinhança ficaram enlouquecidos com o som de felicidade que se ouvia saindo lá de dentro. Mais do que isso eu não posso contar, pois não quero tirar de você, leitor, a magia de viajar por mais uma aventura idealizada pela criadora da querida Vó Filó.

“A nova moradora da quitinete 905, a mais famosa quitinete de Juiz de Fora, tem os cabelos vermelhos e o sorriso largo, sua marca registrada. Ela vem carregada de mistérios e de um poder criativo lindo. Ela é uma fazedora de quintais em espaços miudinhos. Às vezes, rainha, guerreira, dona de casa, mas ela realmente se reconhece como uma simples avó que transformou o improvável em realidade, apenas para encantar seu neto. Talvez seja esta a grande missão dos avós: encantar, ser morada, ser colo macio, como travesseiros. Mas essa história não é sobre travesseiros”, adianta Magda, que, cá entre nós, tem o poder de dar vida a personagens que são a cara dela.

“Miudinha, mas com quintal” (Trece Edições) é o 14º livro de Magda Trece. Ilustrado por Lorena Costa Lopes, ele nasce com apoio da Lei Aldir Blanc Estadual, e segundo a autora, é uma obra escrita para a criança presentear os avós, criando, com eles, “memórias poderosas e inesquecíveis.” O lançamento ocorrerá no dia 27 de outubro, em Mar de Espanha.

 Marisa Loures – De “Vó Filó” a “Miudinha, mas com quintal, há uma travessia afetiva: de uma avó que presenteia o mundo com encantamento a uma proposta de um livro para a criança presentear os avós, retribuindo o afeto recebido. Como nasceu essa inversão de papéis, a ideia de que agora são as crianças que oferecem encantamento dos livros aos avós?

Magda Trece – Queria um livro eterno, ou, talvez, uma vontade imensa de que os avós fossem eternos. Não me preocupei em ser um livro para a criança. A minha vontade era que fosse um livro-presente, que estivesse presente entre eles, para criarem memórias poderosas e inesquecíveis. Acabei criando um projeto mágico, no qual haverá essa oportunidade de a criança retribuir todo o afeto que recebe, numa troca de urgências, segredos e tesouros. Isso é de uma beleza tão grande, que sei que vou me emocionar em muitos colégios nessa demonstração de afeto entre eles.

– Em “Vó Filó”, você criou uma personagem que virou quase uma extensão sua. Agora, em “Miudinha, mas com quintal”, o quintal parece ser o espaço simbólico da infância. Quais lembranças ou experiências suas estão plantadas nesse quintal?

Fui uma criança com o privilégio de quintais externos e internos. Os externos me ensinaram a tocar o céu, e os internos, a criar o meu céu. Nos dias de sol, brincávamos no quintal de terra batida que contrastava com os “lençóis voadores”, e, nos de chuva, criávamos nosso quintal, que se chamava vidrinho. Eram vidros de esmalte e acetona que moravam em livros empilhados como casas, que tinham suas histórias individuais. Eu já “escrevia” histórias e nem sabia. Por ter essa vivência linda de infância, considero que todas as crianças do mundo deveriam ter seus quintais.

– Você diz que está “fazendo estágio para ser avó”. E, por falar em personagem que é quase uma extensão sua, agora você cria uma senhora que parece, mais uma vez, saída do seu próprio reflexo. Ela é ruiva, sorridente, cercada de livros e afeto. Quando cria figuras assim, sente que está projetando o futuro ou revisitando suas origens?

Minhas origens são retratadas em detalhes, mas sempre projeto para o futuro. Quando comecei a escrever a Vó Filó, queria que, se, por algum motivo, eu não estivesse mais aqui, que meus futuros netos me conhecessem através dos meus livros. Fico imaginando-os sorrindo e pensando: “Essa minha avó era do balacobaco”. E espero que, um dia, as crianças de todo o Brasil tenham a oportunidade de conhecer meus personagens.

– Para mim, existe uma linha de continuidade entre suas personagens femininas: Filó, Sofia, a avó da quitinete 905. Todas fortes, doces, curiosas. O que une essas figuras e o que cada uma ensina à Magda que as cria?

Fazendo uma análise a partir do seu questionamento, acho que a cor e o acolhimento é o que liga todas elas. Cor é alegria, presente na personalidade de todas. Acolher, unir e abraçar também estão presentes nas três personagens. Vó Filó me ensina que não preciso ser perfeita para ser amada e que aceitar as imperfeições é libertador e que encontrar maravilhas é uma “escolha diária”. Sofia me mostra que eu não preciso mudar para ser aceita e que está tudo bem. Não é o fim do mundo, afinal, cada um tem seu tempo. E a avó, de Miudinha, que veio propositalmente sem nome, para que qualquer avó se reconheça nela, me ensina que criar é experimentar o improvável sob outro ângulo. E para ficarmos atentos às nuvens que podem nos levar para lindos voos.

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– A Vó Filó não sai do coração das crianças. Você sente que ela também vive dentro de Miudinha, talvez na forma como essa nova história cultiva o olhar amoroso sobre o mundo?

Tenho certeza de que Vó Filó já morou na quitinete 905 e, provavelmente, na torre daquele castelo. São muitas as camadas de amor nas histórias dessas duas avós, que se sobrepõem, como uma grande “cebola”, e que nos levarão às lágrimas muitas vezes ainda. Vó Filó se rendeu completamente à Miudinha pois ela é, naturalmente, uma fazedora de quintais em espaços miudinhos.

– Magda, já disse e repito que você me impressiona com sua capacidade de criar personagens que têm lastro, que vieram para ficar, como a Vó Filó e agora essa senhorinha da quitinete 905. De onde vem essa força de criação? Como nascem essas figuras tão reais e, ao mesmo tempo, tão mágicas?

Às vezes, da observação do espaço em que estou inserida, como ao caminhar pela manhã observando a samambaia que varre o chão dançando, ou o arame que entrelaça uma flor na divisão de um terreno. Às vezes, por encomenda direcionada. E, no caso da Miudinha, de um susto. Sim, um susto. Eu estava reformando a quitinete 905, quando fui trocar uma ideia com minha filha, e ela disse que eu mesma deveria decidir já que eu iria morar lá. Ao argumentar que ela deveria também se posicionar, pois quando viessem os netos… E ela, de uma forma doce e firme, disse que não caberiam todos dentro da quitinete, que ficariam em um hotel, e minha voz saiu num grito: “Você quer dizer que não haverá casa de vó?” Aquilo me tirou o chão e mal dormi naquela noite. A mente nervosa não permitiu que o sono se aproximasse e, no dia seguinte, nasceu Miudinha, como uma solução para todas as avós que vivem em quitinetes sem entender que é possível criar até quintais dentro de espaços miudinhos, se o objetivo for encantar seus netos. Hoje, eu e minha filha sorrimos ao nos lembrar desse dia, e acho que isso fez com que o valor venal da quitinete subisse absurdamente, afinal, ela já é a quitinete mais desejada de Juiz de Fora.

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Capa do livro “Miudinha, mas com quintal” – Foto: divulgação

– O título “Miudinha, mas com quintal” sugere delicadeza e amplitude ao mesmo tempo, isto é, o pequeno que abriga o vasto. Que simbolismo existe nesse contraste?

Que a literatura permite abrir telhados e trazer o céu para dentro do quarto apertado. Que o pequeno livro abriga gigantes e mares. Que é possível colocar uma árvore no quintal do seu quarto e ser capaz de saborear o fruto dessa árvore.

– Eu te acompanho nas redes e percebo o carinho especial que você tem pelos professores, sempre celebrando o trabalho deles com muita gratidão. Que papel esses mediadores ocupam no teu universo criativo e no caminho que os livros percorrem até chegar às crianças?

Ahhhhhhh, os professores. Eu sou uma sortuda. Só professores feras trabalham com meus livros, e aí tudo ganha outra dimensão. Neste ano, eu me dediquei a agradecer aos professores pelo que eles fazem com os meus livros. Eles conseguem potencializar a capacidade de alcance dos meus livros. É cada projeto absurdamente lindo que encontro nas escolas, que fica difícil descrever. Sempre me emociono com o trabalho que eles desenvolvem. Isso sem falar nos professores de três escolas públicas (de Rio Novo e Juiz de Fora) que, juntos, decidiram presentear os alunos com minha contação de história e, para isso, os próprios professores adquiriram os meus livros para seu acervo particular, para presentear. Isso merece ser divulgado, e eu me sinto honrada e encantada com essa atitude. Um livro pode “morrer” em uma estante, entre tantos outros, mas, quando a mão de um professor retira o pó desse livro e o apresenta para as crianças com o requinte que a literatura merece, ele simplesmente explode e vai direto para o coração de uma criança que jamais o esquecerá. Viva os Professores! Viva a Literatura!

 – E, depois de tantos livros e personagens cativantes, o que a literatura infantil ainda revela de novo para você?

O novo da literatura pode estar dentro daquele antigo livro velho não acessado em uma biblioteca. Então, ainda tenho muita coisa para me encantar, o que me leva ao belíssimo texto de Alessandra Roscoe, do Livro “Receita para bem crescer”: “E que possamos ter no quintal pés de fantasia; nos bolsos, fios invisíveis e agulhas de tecer sonhos; nas mochilas, asas dobráveis para os voos imprevisíveis do coração, e na alma, a leveza que faz todo o resto acontecer”. Enquanto eu viver, estarei “caçando” livros novos que me arranquem aquele sorriso lateral miudinho que simboliza: “Puxa, eu gostaria de ter escrito esse livro.”

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