Casamento comunitário celebra união de 172 casais neste domingo
Cerimônia conjunta deste ano, promovida pela Prefeitura, será a primeira na qual casais homoafetivos vão oficializar os votos
O “sim” mais importante de suas vidas será compartilhado por 172 casais, neste domingo (25), no Parque Municipal, onde a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) promove o casamento comunitário. O número mais que centenário de noivos foi escolhido em alusão ao aniversário da cidade, que em 2022 completa 172 anos. O momento é marcante por muitos motivos, mas entra para história como o primeiro casamento comunitário no qual casais homoafetivos vão oficializar a união.
A espera para trocar as alianças foi grande. Nos últimos dois anos, por conta das medidas restritivas da pandemia da Covid-19, o casamento comunitário não aconteceu. Esse ano, por outro lado, ele vai contar inclusive com uma festa para os casais e até dez convidados. Os preparativos foram feitos ao longo da última semana, contando com a participação da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e entidades parceiras.
Bolos, docinhos e bem-casados para a festa
A festa vai contar com um bolo para cada casal, totalizando 172 bolos. Além disso, o casamento terá 2.064 brigadeiros e bem-casados. O projeto é uma parceria da PJF com o Centro Socioeducativo (CSE), Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires e a iniciativa privada. Os bolos foram confeccionados por três mulheres privadas de liberdade, e os docinhos e bem-casados, por acautelados do CSE.
A animação fica por conta da cantora Sandra Portela, e o “dia de noiva”, com direito a maquiagem, está garantido pelas alunas do curso de Estética e Cosmética do Centro Universitário Estácio Juiz de Fora.
A Tribuna foi atrás de alguns dos casais que vão realizar o sonho do casamento no domingo e conta, nesta edição, a trajetória de amor e cumplicidade que os levaram até o grande dia.
Um caso de almas gêmeas

“Alma gêmea é assim, a gente se une, às vezes sem entender muito bem como aconteceu. Ela vai te seguindo durante a vida toda até te encontrar”, essa é a definição, para Paulo Roberto dos Santos, 69 anos, do que é seu o relacionamento com João Batista Lanzieri, de 62. Juntos há 30 anos, o casal se conheceu na missa das 7h, na Catedral Metropolitana.
Paulo conta que João sentava sempre quatro bancos à frente e eles mal trocavam olhares. “Eu trabalhava no Rio de Janeiro, na época, e sempre que eu descia ficava pensando, ‘poxa, mas esse rapaz não olha pra mim, não sorri!”. Rindo, João rebate, “eu me fazia de difícil”. Quando se conheceram, Paulo tinha 39 anos e João 32. Essa troca de olhares no final da missa durou sete meses até que eles tivessem coragem de se apresentar. “Eu perdi a voz, fiquei meio abobalhado, parecia que era uma criança de sete anos vivendo aquela experiência como se fosse novidade, mesmo tendo 39.”
Depois disso eles não se separaram mais. O “encontro de almas gêmeas” dura até hoje. João conta que, durante o namoro, passaram a frequentar as famílias um do outro, sempre muito bem aceitos, “mas há 30 anos não tinha como a gente se casar, eram outros tempos.” Porém, o sonho de trocar alianças e oficializar os votos sempre existiu. Paulo afirma que, para todos, eles são conhecidos como casal. “Na nossa rua, todos sabem que a gente é um casal. Nos apresentamos como companheiros, e ele é mesmo meu companheiro. Mas a partir de agora vou poder chamar ele de esposo.”
A ideia do casamento comunitário surgiu ao ver um anúncio na internet. As inscrições começariam na segunda-feira seguinte, e o casal não perdeu tempo na hora de preparar a papelada. “Fomos uns dos primeiros a entregar a documentação”, disse Paulo. “Era o casamento que eu queria, com muitos casais, com histórias de amor diferentes, como a nossa.”
A partir daí, começaram os preparativos. Após a cerimônia, os noivos vão oferecer um almoço para parentes e amigos próximos, “com bolo de dois andares, noivinhos em cima e tudo o que temos direito”, diz Paulo. Para ele, ser o primeiro casal homoafetivo a se casar no casamento comunitário da Prefeitura, além de uma honra, é uma forma de mostrar aos casais mais novos que é possível encontrar um amor para vida. “Hoje em dia nossa sociedade está muito sozinha. As pessoas se casam com seus celulares, notebooks, apartamentos, e se esquecem que a vida passa rápido. Então vamos namorar, vamos beijar, vamos casar. Se me perguntassem hoje se eu faria alguma coisa diferente, eu responderia que não, casaria com o João mil vezes.”
O segundo “eu aceito”

O encontro de Daiane Pamela e Luciana Von Rondon aconteceu em 2015, mas, antes disso, elas já ouviam falar uma da outra. “A Luciana era amiga do meu irmão e, um dia, eu vim passar férias em Juiz de Fora na casa dele e a conheci em um aniversário.” Na época, Luciana estava em outro relacionamento e, por conta disso, elas não puderam ficar juntas. Mas Daiane conta que, por algum motivo, sabia que elas estavam predestinadas, independente dos obstáculos.
“Depois de um tempo, acabaram as férias e eu voltei para minha cidade, Inhampim, que fica a mais de 300 km de Juiz de Fora. Um dia a Luciana me ligou aos prantos dizendo que não sabia viver sem mim. Eu voltei para Juiz de Fora e aqui estou até hoje, já são sete anos.” Elas passaram a morar juntas e, em 2018, se casaram pela primeira vez em uma cerimônia religiosa com a família e amigos. “Na época, por conta da documentação estar em cidades diferentes, a gente decidiu não casar no cartório. Firmamos apenas união estável.” Porém, com o anúncio do casamento comunitário, ambas viram a oportunidade de realizar um sonho.
“Sempre foi o sonho da Lu que eu tivesse o sobrenome dela e, mesmo que a gente já tivesse casado na igreja, decidimos casar de novo no civil, como uma forma de celebrar nosso amor.” Durante a semana, elas recordaram a correria do primeiro casamento. Vestido, buquê, aliança, tudo novo para celebrar essa nova fase do casal. Quanto ao preconceito, Daiane disse que não se importa, entre os convidados estarão amigos próximos do casal, engajados com a causa LGBTQIA+, um ambiente que, segundo ela, será confortável para que elas sejam quem realmente são. “No nosso primeiro casamento, em respeito às pessoas mais velhas da família, eu e Lu não nos beijamos. Mas no casamento de domingo vai ter beijo sim, sem medo de mostrar que a gente se ama.”
Em família

Por conta da pandemia, Fernanda de Santana e Cleiton Fernandes tiveram que esperar dois anos para realizar o sonho de oficializar os votos. Juntos desde o ensino médio, quando ela tinha 15 anos e ele 16, casar não estava nos planos até a chegadas das filhas. Hoje, o casal tem duas meninas, Júlia, de 7 anos, e Sophia, de 5. “A gente decidiu oficializar a união, principalmente por conta delas, para ensinar o que é o significado de um casamento.”
O casal passou a pesquisar preços em cartórios da cidade pouco antes da chegada da pandemia, no início de 2020. Na época, viram que o valor ia pesar no orçamento da família e decidiram esperar por um casamento comunitário. “Este ano a Prefeitura me ligou dizendo que o casamento iria ser feito e na mesma hora nós topamos.”
A espera, apesar de longa, se mostrou produtiva. Durante esse meio tempo, Fernanda convenceu a sogra e a irmã a se casarem no mesmo dia. “Minha sogra já está há algum tempo com o companheiro e minha irmã também. Elas também tinham essa vontade de casar no civil. Eu decidi primeiro e incentivei que elas fossem.”
Celebrar o dia ao lado da família fará com que ele seja ainda mais especial. “Vai dando um frio na barriga conforme a data vai se aproximando. Apesar de já estarmos juntos há 18 anos, é como se a ficha não tivesse caído. Estar em família vai tornar tudo ainda mais especial e bonito. Vai ser um momento importante que todas vamos viver juntas.”