Caso Matheus Goldoni: julgamento termina com três réus condenados e um absolvido
Seguranças de casa noturna foram condenados a 18 anos de prisão, mas poderão recorrer em liberdade; pena de gerente operacional foi convertida em serviços comunitários. Ex-funcionário do estabelecimento foi absolvido
Após quatro dias e mais de 40 horas, chegou ao fim o julgamento de maior repercussão e de maior duração na história de Juiz de Fora. Nesta sexta-feira (23), por volta de meio-dia, o juiz Paulo Tristão, presidente do Tribunal do Júri do Fórum Benjamin Colucci, proferiu a sentença do caso que culminou na morte do jovem Matheus Goldoni, de 18 anos, cujo corpo foi encontrado há quase cinco na cachoeira do Vale do Ipê, três dias depois de ter sido visto pela última vez no entorno da boate Privilège, na Estrada Engenheiro Gentil Forn, na Cidade Alta. Confira no site da Tribuna os detalhes dos quatro dias de julgamento.
O Conselho de Sentença, composto por sete jurados, decidiu pela condenação dos réus que trabalhavam como seguranças da casa noturna na noite em que o jovem esteve no local, Adelino Batista da Silva e Aroldo Brandão Júnior, pelo crime de homicídio. Eles foram condenados a 18 anos de reclusão em regime fechado. Ambos poderão recorrer em liberdade. O gerente operacional da boate à época dos fatos, Fabrício Teixeira da Silva, foi condenado a dois anos de detenção em regime aberto por homicídio culposo, sendo a pena convertida em serviços comunitários, ficando ainda proibido, temporariamente, de ser gerente operacional de casa noturna e segurança durante o período da pena. Por último, o réu Marco Aurélio de Oliveira, ex-segurança do Privilège que teria dado carona a um dos seguranças para que ele alcançasse Matheus, foi absolvido.
Emocionada após a leitura da sentença, Nívea Goldoni, mãe de Matheus, falou com a Tribuna. “Agora a gente pode descansar. Eles queriam falar que meu filho foi acidentado. Tudo errado. A gente conseguiu provar que ele foi morto. A justiça foi feita. Agora é com Deus.” Para o advogado de defesa Fernando Sérgio, que representava o réu Marco Aurélio de Oliveira, houve falhas no inquérito. “Essas falhas fizeram com que eles viessem a ter uma condenação. Estou triste, porque embora meu cliente tenha sido absolvido, eu tenho plena convicção de que Adelino e Aroldo não fizeram o que foi colocado no inquérito policial. Certamente nós vamos recorrer, e temos ainda certeza de que nada ainda está por vencido.”
Marco Aurélio de Oliveira, ex-segurança que teria dado carona a Adelino na perseguição a Matheus do lado de fora da Privilège, disse que não sai ileso de todo o processo, apesar de ter sido o único absolvido. “Inocentado, mas com uma parte danificada. Eu acho que tudo que aconteceu foi uma covardia, sentença de 18 anos para trabalhadores, pessoas do bem. Foi provado que não houve homicídio, mas sim um acidente, para daí a gente ser chamado pelos promotores, pela sociedade, de assassinos? Eu acredito que essa resposta da Justiça foi só para acalmar o clamor, acalmar a sociedade, danificando e prejudicando as nossas vidas. Nós tínhamos que ser absolvidos e indenizados por todo esse tempo de covardia que fizeram.”
Promotoria
Já o promotor de Justiça, Hélvio Simões Vidal, afirmou que a sentença ocorreu dentro da expectativa. “Acho que a decisão era a esperada do que foi provado dentro do plenário. A primeira coisa provada foi que Matheus Goldoni foi levado para a trilha da cachoeira do Vale do Ipê e ali foi morto por dois seguranças, com a participação do gerente operacional de forma imprudente, porque permitiu a saída desses funcionários da boate e que Goldoni fosse afogado. A causa da asfixia foi criminosa. O júri reconheceu a existência de um fato criminoso e que duas pessoas são diretamente responsáveis por dar a Matheus a morte por submersão no meio líquido.”
Para o advogado assistente da promotoria, Wagner Valssis, só a família de Matheus poder dizer sobre a satisfatição do resultado, pois ele apenas cumpriu seu papel. “Sou um profissional responsável e eu os acompanhei durante todo esse feito e, na minha humilde concepção, entendo que as provas foram produzidas a contento, tanto que os jurados chegaram a um veredito acompanhando a tese da acusação do nobre promotor de justiça”, ressaltou Valssis, acrescentando que compreende que se tratou de um caso tumultuado durante todo o tempo. “O júri durou quatro dias e isso só entristece, mas é uma reflexão que devemos fazer de tudo que aconteceu, sobre os riscos para quem trabalha na noite. A família de Matheus ficou triste durante muito tempo. A família dos réus, por enquanto, também continua muito triste e respeitamos muito isso, porque, como disse o juiz, qualquer um é suscetível de errar e cometer algumas irregularidades na vida. Isso não foge a nós mesmos. É um alerta para que nós tenhamos mais cuidado nas nossas ações.”
Privilège se posiciona
No início da tarde desta sexta, após o pronunciamento da sentença, a boate Privilège se manifestou por meio de nota encaminhada à imprensa. O texto diz que “o Privilège acompanhou o desenrolar de todo o processo e julgamento do caso Matheus Goldoni e corrobora com a decisão da defesa de alguns dos acusados de recorrer da sentença; e espera que a verdade prevaleça nas instâncias superiores de forma isenta e sem pressão popular”. Ainda por meio da nota, a empresa afirmou se solidarizar com “a imensa dor das famílias Goldoni, do colaborador e dos ex-colaboradores e reafirma sua postura de repúdio a qualquer tipo de violência ou preconceito. No entanto, nenhum sofrimento, por maior que seja, deve imputar a condenação de inocentes sem provas. A Justiça se faz quando a verdade prevalece”, concluiu o texto. Segundo a empresa, Adelino Batista da Silva ainda é funcionário da casa noturna.
Denúncia do Ministério Público
Conforme a sentença, os réus Fabrício Teixeira da Silva, Adelino Batista da Silva, Aroldo Brandão Júnior e Marco Aurélio da Oliveira foram levados a júri popular pela prática de homicídio por motivo fútil, em razão de a vítima, ao sair da boate, ter tentado dar um soco contra Adelino; por asfixia por afogamento e por empregarem recurso que dificultou a defesa de Matheus, ante a superioridade numérica dos denunciados e a desproporcionalidade entre o porte físico deles e o da vítima. A ocorrência que resultou na morte do jovem foi registrada no dia 15 de novembro de 2014, entre 2h e 3h, na Estrada Engenheiro Gentil Forn, no Bairro São Pedro.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Adelino, após Matheus ter se desentendido com um cliente no interior da boate, decidiu pela sua retirada e o encaminhou ao caixa, local em que Fabrício, constatando que não havia débito, o autorizou a liberá-lo. Todavia, quando o jovem saía da casa noturna, os réus Adelino, Aroldo e Fabrício foram atrás dele, aparentemente por causa de uma discussão no momento da liberação do cartão na área dos caixas.
Narra a denúncia que, ao deixar a boate, Matheus tentou dar um soco em Adelino e começou a correr pela Avenida Engenheiro Gentil Forn, fazendo o sentido do Centro da cidade, sendo perseguido pelos três réus. Aroldo e Fabrício seguiam ao encalço de Matheus e Adelino ficou para trás. Ao perceber que Adelino interrompeu a perseguição, Marco Aurélio, ex-segurança da mesma boate, que estava em uma barraca de cachorro-quente próxima ao local, saiu com sua motocicleta e deu-lhe carona. Juntos, eles seguiram no mesmo sentido de Matheus.
Como pontua a acusação, Marco Aurélio e Adelino, por estarem de motocicleta, alcançaram Matheus, aproximadamente, 250 metros de distância da boate, ou seja, perto da entrada da trilha que dá acesso à cachoeira onde o corpo do jovem foi localizado. Eles então teriam cercado a vítima. Conforme o Ministério Público, Marco Aurélio imobilizou Matheus com um golpe chamado “mata-leão”, na presença de Adelino, chegando em seguida Fabrício e Aroldo a pé. A acusação alega que sob as vistas de Fabrício, Adelino e Aroldo receberam Matheus das mãos de Marco Aurélio e o levaram para a trilha, local de difícil acesso, desconhecido de Matheus e onde ele não entraria voluntariamente, ao contrário dos dois réus, seguranças que trabalhavam nas proximidades e que conheceriam o caminho até a cachoeira, que passa atrás da casa noturna.
O que dizia a acusação
Para a acusação, Adelino e Aroldo desceram a trilha com Matheus até a cachoeira do Vale do Ipê e lá o mataram através de asfixia por afogamento, enquanto Fabrício e Marco Aurélio, após vigiarem algum tempo a entrada da trilha, às margens da avenida, voltaram na motocicleta de Marco Aurélio, que, após deixar Fabrício na boate, voltou para a barraca de cachorro-quente. Cerca de 30 a 40 minutos depois, Adelino e Aroldo teriam retornado ao Privilège. O corpo de Matheus, apesar das intensas buscas feitas pelo Corpo de Bombeiros e pelas polícias Civil e Militar, somente foi encontrado cerca de 56 horas depois, na segunda-feira seguinte, por uma testemunha que conhecia a cachoeira.
Desta forma, Adelino e Aroldo foram acusados de serem os executores do homicídio, enquanto os outros dois réus teriam concorrido para a morte do jovem. No caso de Fabrício, a acusação considerou que ele, como gerente operacional da boate, sendo a pessoa que comandava os seguranças, responsável pelo funcionamento, equipe e funcionários, conhecedor de tudo que acontecia na casa à noite, não apenas abdicou de sua obrigação de zelar pelo seu bom funcionamento, como permitiu a saída dos dois seguranças dos seus postos de trabalho para perseguir a vítima e também a perseguiu. No caso de Marco Aurélio, a promotoria considerou que ele deu carona a Adelino e com ele perseguiu Matheus até alcançá-lo, imobilizando-o e o entregando a Adelino e a Aroldo, além de ter permanecido de vigia com Fabrício, durante algum tempo, na entrada da trilha.
Sentença
Diante das alegações do Ministério Público, em sessão secreta, o Conselho de Sentença condenou Adelino e Aroldo na forma em que foram pronunciados, reconheceram que a intenção de Fabrício não foi de causar a morte da vítima, tendo agido com culpa, na modalidade de imprudência, e absolveu Marco Aurélio, entendendo que sua conduta não importou em infração penal. Nenhum dos réus, conforme a sentença, é possuidor de antecedentes criminais. Como não foram presos durante o processo e como não se fizeram presentes requisitos para que fossem decretadas suas prisões preventivas, aos réus foi concedido o direito de recorrerem em liberdade.
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