Feminicídio de psicóloga é julgado nesta terça, mais de 7 anos depois

Marina foi morta por estrangulamento dentro da própria casa, no São Mateus, e teve o corpo jogado em mata no Parque da Lajinha; filho teria presenciado


Por Sandra Zanella

23/06/2025 às 17h55

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O julgamento está marcado para começar às 9h, no plenário do Tribunal do Júri do Fórum Benjamin Colucci

“Nunca mais vou ver a mamãe? Como eu faço agora?” A pergunta que J., 7 anos, fez ao tio logo após a descoberta da morte da mãe volta a reverberar nesta terça-feira (24). Mais de sete anos depois do feminicídio da psicóloga Marina Gonçalves Cunha, de 35 anos, supostamente morta por estrangulamento pelo companheiro dentro da própria casa, no Bairro São Mateus, Zona Sul de Juiz de Fora, o empresário Pedro Araujo Cunha Parreiras, 45, deve sentar no banco dos réus pelo assassinato da esposa. O julgamento está marcado para começar às 9h, no plenário do Tribunal do Júri do Fórum Benjamin Colucci. O acusado foi pronunciado por homicídio qualificado por motivo fútil, com emprego de asfixia, recurso que dificultou a defesa da vítima e feminicídio, além de ocultação de cadáver e fraude processual. A sessão vai ser presidida pela juíza Joyce Souza de Paula, que deve ouvir 14 testemunhas, sendo nove de acusação e cinco de defesa.

“A família de Marina espera que o Tribunal do Júri reconheça a verdade dos fatos, a autoria do crime e todas as qualificadoras previstas na denúncia: feminicídio, motivo fútil, meio cruel (asfixia por esganadura) e recurso que impossibilitou a defesa da vítima”, destacam os parentes, por meio de nota enviada à Tribuna. “Que a Justiça seja feita, com uma pena proporcional à brutalidade do ato praticado por Pedro Araujo Cunha Parreiras – que não apenas tirou a vida de Marina, mas destruiu o lar e deixou três filhos pequenos órfãos, hoje sob os cuidados dos avós maternos”, completam os familiares, sobre a extensão dos efeitos do feminicídio. “Que Marina, enfim, possa descansar em paz”, desabafam.

O advogado da família, Pablo Gomes, aponta que Marina foi morta por estrangulamento dentro da própria casa, na frente do filho mais velho do casal, então com 7 anos de idade. Marina deu o último boa noite às crianças no apartamento na mesma data. Quando o menino e as meninas, de 5 e 2 anos na época, acordaram no dia seguinte, a psicóloga não estava mais lá para oferecer o beijo que os esperava a cada manhã. “O corpo foi ocultado por dias em uma mata próxima ao Parque da Lajinha, sendo identificado apenas graças ao número de série da prótese de silicone. A perícia e os depoimentos apontam sinais de premeditação, frieza e tentativa de atrapalhar as investigações.” Sem notícias do paradeiro da psicóloga, a família foi ludibriada pelo acusado por 17 dias.

A Tribuna também procurou a defesa de Pedro: “A expectativa é a de um julgamento que deve ser decidido com sabedoria e serenidade”, resumiu o advogado José Arthur Di Spirito Kalil. O réu segue preso no Ceresp de Juiz de Fora, à disposição da Justiça, conforme a assessoria da Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Ele havia sido capturado no dia 5 de junho de 2018, obteve habeas corpus por meio de liminar três dias depois, mas a medida foi derrubada, e ele voltou a ser detido preventivamente no dia 28 de junho do mesmo ano.

Demora para julgamento de feminicídios

Matéria publicada pela Tribuna no início deste mês mostrou que os processos de feminicídios aguardam, em média, 300 dias até o primeiro julgamento em Minas Gerais, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). No caso de Marina, a família esperou mais de sete anos. O advogado Pablo Gomes comenta que a defesa apresentou diversos recursos e manobras processuais ao longo do processo criminal que contribuíram significativamente para a demora, como os pedidos de liberdade e habeas corpus. “A defesa impetrou diversos habeas corpus ao longo do processo buscando a revogação da prisão preventiva de Pedro, inclusive no STJ e STF. Esses recursos, mesmo quando não concedidos, geram a suspensão de atos processuais e demanda de tempo para apreciação em instâncias superiores.”

Também houve questionamentos sobre provas e nulidades. “A defesa tentou anular provas importantes, como os laudos periciais e depoimentos colhidos na fase de investigação, inclusive questionando a legalidade da apreensão de aparelhos eletrônicos. Houve pedidos para desentranhamento de provas, alegações de quebra de cadeia de custódia e pleitos de perícias complementares.” A defesa ainda tentou a impugnação da pronúncia. “Após a decisão de pronúncia, a defesa interpôs recurso em sentido estrito, tentando desqualificar o homicídio doloso e afastar as qualificadoras (feminicídio, motivo fútil, asfixia e recurso que dificultou defesa da vítima). Esse recurso tramitou por longo tempo, sendo indeferido apenas em 2024”, detalhou o advogado da família.

Acusado foi ao supermercado e colocou corpo em carrinho

Segundo a denúncia do Ministério Público, no dia 21 de maio de 2018, por volta das 20h, Pedro teria asfixiado Marina no apartamento do casal, na Rua Monsenhor Pedro Arbex, causando sua morte. Em seguida, alterou as condições do local do crime, limpando o quarto e lavando as roupas utilizadas pela vítima. Laudos periciais com base no uso de luminol constaram vestígios de sangue no piso, entre a cama do casal e o armário, na parede lateral esquerda, próximo à entrada do quarto, na parede próxima ao banheiro, sobre o colchão e na calça jeans clara pertencente à vítima. “E ainda, no dia 22/05/18, por volta das 00h42min, escondeu o corpo da vítima em um carrinho de compras para tirá-lo do local, deslocou-se até a Rua Eugênio do Nascimento, próximo ao n° 2.560, Bairro Aeroporto, e, com a intenção de ocultar o cadáver, adentrou em uma mata fechada, e o abandonou”, destaca o MP sobre a ação na garagem do prédio flagrada pelas câmeras, quando o corpo foi retirado do carrinho e colocado no porta-malas de um carro, antes de ser desovado na mata do Parque da Lajinha.

Ainda conforme a denúncia, naquele dia, Pedro havia ido buscar Marina no aeroporto de Goianá. Ela havia acabado de chegar de um curso de coaching em São Paulo, onde ficou uma semana. Ao retornarem à cidade, discutiram sobre o relacionamento. O marido desembarcou do veículo para um compromisso. Às 17h, retornou para casa, onde encontrou a funcionária do casal. Por volta das 17h50, Marina ligou para ela pedindo que descesse até a garagem para ajudá-la a subir com as crianças, e Pedro desceu também. Após lancharem, por volta de 20h, os filhos foram dormir, e Marina entrou no banho. Ao sair, o acusado e a vítima novamente discutiram sobre problemas financeiros e sobre o relacionamento do casal, “ocasião em que Pedro a imobilizou, a agrediu com diversos socos no rosto e a asfixiou, levando-a a óbito.”

Posteriormente, de acordo com o MP, ele alterou o local do crime, retirando a aliança, os brincos e as roupas da vítima. Em seguida, Pedro foi até um supermercado 24 horas para fazer compras. Ao retornar, pouco depois da meia-noite, usou um carrinho do condomínio para subir com as mercadorias. “Aduz ainda a acusação que, conforme filmagem do circuito interno de câmeras do prédio, às 0h42min, Pedro novamente saiu do apartamento com o carrinho de compras lotado de sacolas, onde ardilosamente transportou o corpo de Marina, enrolado em edredom, e, para passar despercebido pelas câmeras de segurança, usou as sacolas plásticas para esconder o cadáver.”

Depois de seguir até a Cidade Alta, o acusado teria arrastado o corpo mata adentro por cerca de 11m e, para evitar que o corpo fosse reconhecido, jogou um produto na região da cabeça da vítima, que estava nua e teve o rosto desfigurado. Segundo o MP, o crime foi praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, no âmbito da violência doméstica e familiar. “O denunciado matou sua esposa e mãe de seus três filhos por motivo fútil, derivado de discussão anterior, e com emprego de asfixia, em razão da vítima ter sido esganada até a morte, tendo sua defesa dificultada, ao ser surpreendida com tamanha brutalidade dentro de seu próprio lar, por aquele com quem mantinha relação conjugal e, assim, supostamente deveria confiar, e na presença do filho mais velho do casal, que se encontrava acordado.”

Para a Justiça, “indícios existem de que o acusado matou Marina Gonçalves da Cunha, conforme se extraem da confissão do acusado na delegacia, das declarações das testemunhas em juízo e da análise de DNA em cabelo humano localizado no porta-malas do veículo do réu identificado como sendo da vítima”. Além disso, no processo o pai de Marina relata histórico de violência anterior. Dois anos antes de ser morta, Marina teria se separado de Pedro, alegando que ele era muito violento e que chegou a enforcá-la. Ela teria medo, mas voltou a viver com ele dois ou três meses depois. Depois de cometer o crime, Pedro viajou para o Rio de Janeiro com as crianças, “como se nada tivesse acontecido” e as levou ao Maracanã.

 

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