Denúncia de estupro coletivo no Ceresp sob investigação
Atualizada às 19h10
A Polícia Civil de Juiz de Fora, por meio da 5ª Delegacia, instaurou inquérito para apurar o caso de estupro contra um detento, de 22 anos, numa cela do Ceresp. Em conversa com a delegada Larissa Mariscotte, responsável pela investigação, nesta terça-feira (23), o rapaz relatou que teria sido violentado por nove prisioneiros. O abuso foi registrado pela Polícia Militar, na última segunda-feira, 22, quando o acautelado denunciou ao médico da unidade prisional que havia sido estuprado diversas vezes por seus companheiros de cela.
De acordo com o documento policial, o preso contou, primeiramente, que era forçado a manter relações sexuais com sete homens, com idades entre 22 e 40 anos. Segundo a vítima, o último ato libidinoso aconteceu na noite de sábado (20). Além de abusarem do rapaz, os suspeitos ainda o seguraram e desenharam em seu corpo diversas imagens de pênis. A vítima ainda relatou que os abusadores a ameaçavam de morte caso relatasse a situação a algum agente penitenciário. Diante dos fatos, o preso foi levado até o Hospital de Pronto Socorro (HPS), onde foi constatada a ocorrência de estupro, pois a vítima apresentava laceração anal. Ela foi medicada e levada de volta à unidade prisional.
Apesar de no boletim da PM o preso ter mencionado o abuso por parte de sete companheiros de cela, ontem, à Polícia Civil, ele apresentou os nomes de outros dois suspeitos, elevando para nove o número de envolvidos. Como aponta a titular da 5ª Delegacia, na próxima fase do inquérito policial, serão realizados os depoimentos dos envolvidos, bem como o reconhecimento dos suspeitos pela vítima, o que deve acontecer ainda nesta semana.
Também foi requerido laudo pericial ao IML, para constatação da violência sexual, com a finalidade de ser anexado ao procedimento investigativo. Larissa prevê que a investigação concluída deverá ser encaminhada à Justiça nos próximos dias. A Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap) informou que a direção da unidade prisional instaurou um procedimento administrativo para apurar o ocorrido.
Segundo caso de violência no Ceresp neste mês
O estupro do prisioneiro é o segundo caso de violência registrado no Ceresp que vêm à tona este mês. Na última quinta-feira, dia 18, um detento, 24, ficou em estado grave após ter sido agredido na cela. Ele ainda encontra-se internado no HPS e, conforme a Secretaria de Saúde, ontem estava no CTI, sedado e entubado. No que diz respeito a essa ocorrência, o boletim da PM assinala que o diretor da unidade prisional acionou os militares dois dias depois do fato e informou que o jovem foi diagnosticado com uma lesão na traqueia, possivelmente causada por enforcamento.
Ainda conforme o documento policial, o detento não quis dizer ao diretor o motivo que teria provocado o ferimento. O rapaz recebeu os primeiros socorros na enfermaria do Ceresp e depois foi encaminhado ao HPS, onde deu entrada com insuficiência respiratória e foi atendido direto na UTI. Dez homens, com idades entre 22 e 41 anos, foram apontados como suspeitos do crime, que também está sob investigação da Polícia Civil.
No dia 28 abril deste ano, foi registrada a morte do detento Antonilson Tavares, 32 anos. Segundo informações do boletim de ocorrência registrado pela Polícia Militar, na ocasião da morte de Antonilson, ele estava na cela 30, junto com outros detentos e, por volta das 21h20, pediu ajuda. O detento estava ofegante e suando muito, reclamando de dificuldade respiratória. Os agentes penitenciários disseram aos policiais que providenciaram a retirada imediata da vítima para direcioná-la ao atendimento médico. No entanto, na entrada da inspetoria, o homem cambaleou e caiu, aparentemente infartando.O Samu foi acionado, e os agentes fizeram manobras para manter Antonilson vivo até a chegada do socorro. A equipe médica continuou os trabalhos, mas ele não resistiu. O episódio também segue em investigação pela Polícia Civil. Ainda em abril, ocorreu um motim que mobilizou até agentes que estavam de folga. Já em janeiro, sete presos ficaram feridos em outro conflito. A situação vem sendo acompanhada por autoridades, que já se mostraram preocupadas com o quadro do cadeião.
Fatos são consequência de omissão do estado
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Juiz de Fora, Cristina Guerra, considera que essa série de ocorrências no Ceresp é consequência da omissão do Estado e da precariedade na qual se encontra a instituição. “Em dez anos de atuação nos direitos humanos, nunca observei um quadro tão pessimista. Desde 2007, a questão da superlotação já existia. É humanamente impossível que haja condições favoráveis na unidade em virtude da omissão do Estado. A capacidade de água foi pensada para cerca de 300 pessoas e hoje tem cerca de 1.100, o mesmo acontece com o número de uniformes, camas e oportunidades de trabalho. A violação da dignidade humana é diária e continuada. Não existe investimento e vontade política para que essas unidades prisionais funcionem bem. Não existe uma intenção de realizar um trabalho voltado para o sistema prisional em todo o Brasil. O que existe é uma intenção punitiva, do quanto pior melhor, pois, quanto mais eles sofrerem, apanharem e se matarem, é melhor para a sociedade. A falta de atuação do Estado é reafirmada pela sociedade, de forma hipócrita, que quer que essas pessoas sejam punidas, maltratadas e violentadas”, ressalta Cristina.
A representante da OAB afirma ainda que os agentes penitenciários também vêm sofrendo com a precariedade, pois também não têm seus direitos respeitados. “Nossa sociedade está doente, e todos esses fatos acabam sendo ignorados. Mas é preciso pensar que essas pessoas que estão no sistema prisional vão voltar para sociedade, então, é preciso olhar para elas com olhar diferenciado, para que este retorno seja de forma positiva.”
*colaborou Michele Meireles