JF tem 32 mil moradores em residências sem conexão com a rede de esgoto
Falta de acesso a saneamento básico pode causar doenças e favorecer ocorrência de enchentes, de acordo com especialista
O resultado do Censo Demográfico 2022 sobre as características dos domicílios brasileiros, divulgado nesta sexta-feira (23), apontou que cerca de 32 mil pessoas moram em residências não conectadas à rede de esgoto em Juiz de Fora. O dado representa 5,96% da população juiz-forana, que é de 540.756 pessoas, também segundo o Censo. A pesquisa divulgada nesta sexta também avaliou outros aspectos ligados ao saneamento básico. Foram contabilizadas as porcentagens de residentes em locais abastecidos pela rede geral de água (96,27%); de moradores de residências com coleta de lixo (99,44%); e dos moradores de locais onde há banheiros de uso exclusivo (99,94%).
Entre os índices apontados pela pesquisa, o menor refere-se ao percentual de moradores da cidade que reside em imóveis com conexão à rede de esgoto: 94,04%. Considerando o total de 540.756 moradores da cidade, a Tribuna apurou que aproximadamente 32 mil vivem em condições consideradas inadequadas no município. Reportagem publicada em janeiro pela Tribuna mostrou que Juiz de Fora tem capacidade para tratar 41% do esgoto, como parte das ações da Prefeitura de Juiz de Fora para a despoluição do Rio Paraibuna.
À Tribuna, o presidente da Cesama, Júlio César Teixeira, explicou que parte das residências que não têm acesso à rede de esgoto estão em assentamentos subnormais, ou seja, ocupações irregulares de terrenos públicos e privados. Nesses locais, por lei, a Cesama não pode colocar rede de água e esgoto. “Temos todo o interesse de ampliar ainda mais a rede de esgoto, e se tivéssemos mais assentamentos regularizados o faríamos, pois quanto mais clientes, maior nossa arrecadação.” De acordo com ele, o trabalho feito pela companhia nos últimos anos, como a ampliação em até cinco vezes da capacidade de tratamento da rede, representa um avanço no saneamento básico em Juiz de Fora.
Ainda conforme o presidente da Cesama, apesar do avanço da coleta, o tratamento de esgoto ainda é um desafio. “No início de 2021, a cidade tratava 7,14% de seu esgoto. Em um período de três anos, o volume absoluto de esgoto tratado foi multiplicado por seis, um avanço significativo. Mas ainda há muito a avançar pelas próximas gerações. É um procedimento caro, sobretudo em uma cidade como Juiz de Fora, com uma das piores topografias do país.”
Riscos
Consultado pela Tribuna para comentar os dados, o professor de engenharia ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Cezar Barra Rocha, defendeu que o Município ainda tem um longo caminho para percorrer quando trata-se de saneamento básico, para além dos percentuais revelados pelo Censo. “Muitas ligações clandestinas nas redes de águas pluviais viram um grande problema nessa época de chuvas intensas. E as inundações e enchentes ainda vêm misturadas com esgoto, favorecendo que doenças de veiculação hídrica retornem”.
Além da possibilidade de transmissão de doenças, as pessoas que vivem em condições inadequadas de tratamento de água e esgoto são submetidas outros riscos, de acordo com o especialista, entre elas, “doenças de veiculação hídrica e cheiro ruim nas proximidades dos córregos, que são esgoto puro e estão praticamente mortos, o que também causa impacto visual e inviabilidade de sobrevivência da fauna.”
‘Ausência de conjunto de direitos’
Para Leo Biage, doutorando em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com foco em Injustiças Ambientais e Segregação Urbana associadas aos Riscos de Escorregamento de Encostas, a ausência de redes de esgoto tem que ser vista sob o prisma do direito à cidade. “O direito à cidade parte do princípio que uma cidade democrática e com plena participação dos sujeitos em sua produção e reprodução deve assegurar o acesso a infraestruturas básicas, como moradia, segurança, lazer e transporte, assim como o saneamento básico”, ele enumera. Frente à negligência desses fatores, a desigualdade e a segregação são colocadas em evidência, segundo o pesquisador.
Outra observação feita pelo pesquisador, a partir de dados do IBGE, é o fato de a maior parte das moradias de Juiz de Fora ter apenas um banheiro em sua residências (61,62% dos imóveis), mas ainda existirem 161 residências na cidade com ausência total desse cômodo.“É muito significativo. Ao analisar esse valor, estamos analisando o acesso a uma infraestrutura básica, que dentre outras implicações está associada à saúde e à higiene básica dessas pessoas, que lhes estão sendo negadas”.
Ele também pontua que esta é uma problemática para ser elaborada de maneira multidisciplinar pelas políticas públicas, uma vez que trata da suscetibilidade a doenças e aos vetores de transmissão delas. “Portanto, esse número (de pessoas sem acesso a saneamento básico adequado) deve ser zerado. Do contrário, não podemos falar em cidade democrática, já que há um número que, mesmo pequeno diante da grande população, deve ser visto como alarmante”, finaliza.
Brasil tem 37,5% da população em domicílios sem rede de esgoto
O percentual de moradores de residências com conexão à rede de esgoto em Juiz de Fora, de 94,04%, é, entretanto, bem superior à média brasileira, de acordo com o Censo. Conforme divulgou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo levantamento, esse tipo de conexão é presente em 62,5% das casas no país – ou seja, 37,5% da população (49,03 milhões de pessoas) ainda vive em domicílios sem conexão com a rede de esgoto.
Desse total, 39 milhões despejam seus dejetos em fossas rudimentares ou buracos, e mais de quatro milhões têm rios, lagos ou o mar como destino de seu esgoto. O restante vai para valas ou outros tipos de locais de descarte não especificados no levantamento.