Velhos orelhões ‘sobrevivem’ nas ruas de JF
Telefones mantêm suas funcionalidades e socorrem, principalmente, quando o celular falha ou em emergências
Desde que o celular passou a estar sempre ao alcance das mãos, os orelhões foram ficando invisibilizados dentro do mobiliário urbano. As estruturas que abrigaram horas de conversas, tornaram-se cada vez menos presentes na rotina das pessoas. O peso do fone que se leva à orelha, o volume do toque que indica chamada e até mesmo o formato do abrigo, que protege o aparelho das intempéries se tornaram itens que instigam até mesmo certa nostalgia. Embora o serviço venha caindo em desuso, ainda existem alguns pontos em que a população é dependente do orelhão pela falta de sinal de telefonia móvel. Mesmo no Centro da cidade, a equipe da Tribuna verificou a utilização dos telefones por pessoas de várias faixas etárias e até mesmo por famílias inteiras.
O motorista Rodrigo César não se lembrava da última vez que precisou recorrer ao orelhão. Chovia quando ele atravessava o Calçadão da Halfeld, sem guarda-chuvas ou qualquer outro tipo de proteção. Ele procurava um aparelho público no qual pudesse falar com sua esposa, já que ele tinha esquecido o celular em casa.
“Primeiro, tive que procurar um lugar que vendesse o cartão com crédito para telefone, porque ligações para celular ainda são cobradas. Fui em três bancas, até encontrar um. Depois tive que buscar um aparelho que funcionasse. Porque, apesar de ter vários concentrados no Calçadão, muitos não estão funcionando, não dão sinal, nem nada”, relatou. Ele disse que estava esperando uma ligação importante no celular e precisava saber se ela tinha ocorrido. “Mas não foi tão fácil. Além de ter que pular de telefone em telefone, quando finalmente consegui falar, eu ouvia o que minha esposa dizia, mas ela não me ouvia. Acho que a manutenção tinha que ser mais eficiente.”
O outro orelhão ao lado do que Rodrigo conversava com sua esposa, foi o quebra galho do contador Carlos Alberto Pinto da Silva, que também esqueceu seu celular em casa. “Precisei ligar para casa para ver se tinha recebido algum recado importante, ou alguma chamada que eu precisasse retornar. Falar no orelhão não é um hábito, mas ajudou na hora que eu precisei. O celular, de certa forma, acaba nos limitando. Ora a bateria acaba, ora fica sem sinal. A gente consegue falar no orelhão. As ligações para fixos locais, inclusive, são gratuitas, não paguei a chamada que acabei de fazer”, comentou Carlos Alberto.
Ainda de acordo com o contador, a qualidade da ligação o surpreendeu, e ele acredita que ainda há espaço para esse tipo de serviço. “É um recurso muito importante, e eu acredito que ele ainda vá durar muito tempo. Em situações como essa, a gente percebe o quanto o orelhão ainda tem serventia e ainda ajuda a trabalhar o cérebro, porque, se você não souber o número de cabeça, também não tem como ligar. Ficamos tão reféns do celular, que, até mesmo para saber um número de telefone, precisamos da agenda do aparelho.”
Redução gradativa de aparelhos
Há 2.131 orelhões em Juiz de Fora, de acordo com a Oi, que faz as operações dos telefones públicos no município e em boa parte do estado. Além desses, há outros 46 aparelhos divididos entre as localidades de Caeté (8), Chapéu D’Uvas (6), Humaitá (5), Igrejinha (17), Mascate (1), Paula Lima (7) e Penido (2). Em Minas Gerais, há um total de 84.019 orelhões em funcionamento. Número que deve diminuir gradativamente segundo o último Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Para o gerente de Universalização da Agência, Eduardo Jacomassi, existem duas vertentes que ajudam a explicar o aumento do desuso dos orelhões. A primeira, se encaixa nos perfis de Rodrigo e Carlos Alberto, que eventualmente esquecem seus celulares, ou até mesmo aqueles que perdem o aparelho, ou ainda quem fica sem crédito e não tem como repor imediatamente. O segundo perfil é justamente o das pessoas que moram em localidades pequenas, fora do Centro do município, nas quais a única opção é o orelhão. Para esse, a Anatel pensa alterações que possam fazer com que as pessoas dependam menos dos orelhões para se comunicar.
Cartões ainda são encontrados
Para usar o telefone público, há algum tempo, era necessário comprar um cartão com créditos para a ligação. A opção veio para substituir as fichas, e, em algum momento, também se tornou um item que podia ser colecionado, por conta das imagens que vinham em edições e até mesmo em coleções limitadas. A tecnologia que usa a indução magnética para armazenar os créditos, ‘queimando’ as partículas até que o cartão fique zerado, também começou a sumir do comércio. É preciso andar um tempo pelo Centro da cidade, até que se possa encontrar uma banca de revistas que venda o dispositivo. Algumas delas abandonaram as vendas do artigo, justamente em função do desuso.
Não é o caso da banca em que o promotor de vendas Lucas da Costa Silva trabalha. Ela fica na Rua Batista de Oliveira e, segundo ele, ainda recebe muitos interessados em comprar os cartões. “Muitas pessoas mais idosas ainda preferem o orelhão ao celular. Elas passam direto procurando cartão. Também sempre temos pessoas que estão sem o celular na hora e precisam do cartão por emergência. Por isso, a gente acredita que não deve acabar tão cedo.” De acordo com ele, o cartão com 20 unidades de crédito custa R$ 4,90.
As ligações locais em Minas Gerais são gratuitas, assim como em outros 11 estados. Nas outras localidades, a gratuidade se justifica como uma sanção para as operadoras, que respeita um cronograma revisto de tempos em tempos. Em Minas, não houve sanção, as ligações gratuitas são uma liberalidade concedida pela Oi.
Jacomassi cita a dificuldade relatada por algumas operadoras de ter os cartões circulando nas cidades. “É uma tecnologia própria,que remonta aos primórdios da Telebrás. Por ser muito específico para os orelhões, as empresas estão deixando de produzir. Em alguns estados, as operadoras deixam as ligações gratuitas justamente em função dessa dificuldade de acesso.
Modificações na prestação do serviço
De acordo com Eduardo Jacomassi, as ligações em telefones públicos não vão acabar tão cedo, mas elas vão se aproximar, cada vez mais, de lugares em que são mais necessárias. O que permitirá que as empresas de telefonia possam concentrar esforços e recursos na melhoria do sinal móvel, especialmente nos distritos em que a rede é mais precária. “Por força das obrigações, o telefone público é a única opção disponível em alguns pontos.
Também há um histórico de regulamentação que exigia a presença de um aparelho a cada 300 metros, que é até uma distância bem curta e depois outra regra falava da densidade populacional e determinava que deveria haver quatro telefones públicos para cada mil habitantes. A partir de 2019, as operadoras vão poder ir retirando aos poucos esses aparelhos e a obrigatoriedade valerá apenas para locais de interesse”, informa o gerente.
A lista de locais inclui instituições como escolas públicas, postos de saúde públicos, comunidades remanescentes de quilombos ou quilombolas, assentamentos de trabalhadores rurais, aldeias indígenas, organizações militares das Forças Armadas, postos da Polícia Rodoviária Federal, aeródromos públicos, postos de combustíveis e cooperativas.
A revisão do Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) prestado no regime público (PGMU) está disponível para conferência e contribuições, no edital de Consulta Pública número 51, na página na Anatel, até o dia 24 de fevereiro. O texto inclui a decisão sobre a diminuição no número de aparelhos para o investimento na melhoria e a expansão das redes móveis.
Vandalismo continua como desafio
Os danos causados pelo vandalismo seguem como o principal problema e causador de custos para as operadoras. Em 2018, segundo a Oi, a média de aparelhos danificados mensalmente era de 18% do total de orelhões instalados em Minas. Os problemas decorrentes desses atos causa defeito na leitora de cartões, em monofones e nos teclados. Fora isso, há também pichações e colagens indevidas de propagandas nas folhas de instrução de uso.
Além do problema encontrado por Rodrigo César, enquanto tentava falar com a esposa, Lucas da Costa Silva também sente os efeitos dos telefones quebrados. “O cliente compra o cartão, tenta usar, mas como alguns leitores estão estragados, acabam entendendo que o defeito seria do cartão e não é. Vira e mexe aparece alguém que quer devolver o cartão porque acha que ele está estragado.”
Em frente à banca onde ele trabalha, há dois orelhões e nenhum deles funcionava. “As pessoas passam, tentam usar. Até tem uma certa procura, mas elas precisam buscar outro aparelho, porque esses dois nem dão sinal”, informou um trabalhador de uma das lojas do entorno que passava perto dos aparelhos, mas não se identificou. A Anatel crê que a redução no número de telefones diminua sensivelmente os problemas com o vandalismo, justamente por concentrá-los em pontos mais estratégicos.