Denúncia sobre tiroteio entre policiais civis está na 4ª Vara Criminal
Escrivão, dois investigadores e mais 4 foram denunciados por latrocínio, organização criminosa, tentativas de estelionato e de lavagem de dinheiro
A denúncia do Ministério Público sobre o tiroteio fatal envolvendo policiais no estacionamento do Centro Médico Monte Sinai, na Zona Sul de Juiz de Fora, foi recebida nesta quarta-feira (19) pela 4ª Vara Criminal, exatamente dois meses após o episódio que ganhou repercussão em todo o país. O juiz titular é Cristiano Álvares Valladares do Lago, mas os trabalhos não deverão avançar nos próximos dias, já que o recesso forense começa nesta quinta (20), com retorno previsto para 7 de janeiro. Na última terça (18), o MP denunciou os três policiais civis mineiros presos e mais quatro pessoas envolvidas no caso pelos crimes de latrocínio (roubo seguido de morte), organização criminosa, além de tentativas de estelionato e de lavagem de dinheiro.
O escrivão Rafael Ramos dos Santos, 30, os investigadores Leonardo Soares Siqueira, 43, e Marcelo Matolla de Resende, 45, lotados na 1ª Delegacia Regional de Juiz de Fora, ainda respondem por fraude processual. Conforme o MP, ele retiraram da cena do crime o celular do policial juiz-forano assassinado Rodrigo Francisco, 39, “a fim de induzir a erro este juízo, ante a relevante quantidade de informações, que comprometeriam ainda mais os denunciados”. Os telefones usados por eles naquele dia também foram inutilizados e descartados.
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Os demais acusados são o advogado Jorge William Ponciano Rosa, 43, identificado no local dos fatos em companhia dos civis de Minas; Nivaldo Fialho Cunha, 52, motorista do carro onde estavam as malas apreendidas com R$ 14 milhões – a maioria em notas falsas; Antônio Vilela, 66, suposto estelionatário ferido com um tiro no pé e preso em flagrante; e Sérgio Paulo Marques Guerra, 41, apontado como comparsa de Vilela.
Se condenados, os sete acusados podem pegar de 20 a 30 anos de prisão apenas pelo crime de latrocínio. Já a pena para organização criminosa é de três a oito anos, mas no caso em questão a penalidade pode ser aumentada até a metade por ter ocorrido emprego de arma de fogo. O estelionato, por sua vez, prevê reclusão de um a cinco anos, entretanto o período deverá ser diminuído de um a dois terços por não ter sido consumado. Da mesma forma, a reclusão de três a dez anos para lavagem de dinheiro deverá ser reduzida. Já a fraude processual, pode chegar a quatro anos.
17 testemunhas estão arroladas
Se a denúncia do MP for acatada pelo juiz, dando início ao processo, os denunciados serão citados para a apresentação de defesa. Dezessete testemunhas já foram arroladas pela Promotoria. Entre elas estão seis policiais civis lotados em Juiz de Fora, mais três integrantes da Corregedoria Geral em Belo Horizonte e um administrador de aeroporto. Nenhum dos nove policiais civis paulistas envolvidos no caso foi denunciado e nem responsabilizado pelas mortes do policial Rodrigo Francisco, 39, o Chicão, assassinado com cerca de 20 tiros, e do empresário paulista Jerônimo da Silva Leal Júnior, 42, baleado várias vezes no abdômen, falecendo seis dias depois no hospital. Três deles, no entanto, estão como testemunhas no processo: os delegados Bruno Martins Magalhães Alves, 30, e Rodrigo Castro Salgado da Costa, 31, e o investigador Jorge Alexandre Barbosa de Miranda, 50.
Estes três, junto com o também investigador Caio Augusto Freitas Ferreira de Lira, 36, chegaram a ser detidos em flagrante e tiveram suas prisões preventivas decretadas pelo juiz Paulo Tristão, mas conseguiram alvará de soltura na semana passada e, no último domingo (16), deixaram o Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na região Metropolitana de BH. Já os três policiais mineiros seguem acautelados preventivamente desde o dia 13 de novembro na Casa de Custódia da Polícia Civil, na capital mineira. Entre os acusados também está preso Antônio Vilela. Ele foi transferido do Ceresp para o Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves, na grande BH, na mesma data em que os policiais mineiros foram presos. Os mandados de prisão preventiva contra Jorge Ponciano, Sérgio Guerra e Nivaldo Cunha ainda não foram cumpridos.
Também estão como testemunhas no processo o executivo paulista Flávio de Souza Guimarães – que admitiu ter contratado os serviços de escolta da empresa de segurança de Jerônimo durante a viagem a Juiz de Fora, mas negou ter trazido cerca de R$ 1 milhão de dólares para vender, alegando estar “negociando empréstimos para sua empresa”- e o advogado Mário Garcia Júnior. A defesa deles acrescentou que seria realizado um empréstimo “de maneira formal e dentro da lei”, mas que seus clientes foram vítimas de golpe.
Os dois paulistas estariam junto com o executivo Roberto Uivary Júnior. No inquérito da Corregedoria da Polícia Civil, os três teriam sido indiciados por lavagem de dinheiro, assim como os noves policiais civis paulistas. A denúncia do MP foi assinada pelo promotores Flávio Barra Rocha, Cleverson Raymundo Sbarzi Guedes e Luiz Felipe de Miranda Cheib, este último integrante do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco).
Negócio seria “troca de valores em taxas favoráveis”
Segundo o Ministério Público, os três policiais civis mineiros denunciados, o falecido policial Rodrigo Francisco, Antônio Vilela, Jorge Ponciano, Sérgio Guerra e Nivaldo Cunha “se associaram, com o emprego de armas de fogo de maneira estruturalmente ordenada e mediante divisão de tarefas, informalmente, com o objetivo de obterem diretamente vantagem indevida de natureza pecuniária, mediante a prática de crimes contra o patrimônio com a utilização de grave ameaça e violência, estelionato e lavagem de capitais”.
Ainda conforme a Promotoria, consta no inquérito que eles “agindo em concurso e unidade de desígnios, previamente ajustados e em clara divisão de tarefas, tentaram subtrair, para todos, os bens e as quantias de valor que se encontravam custodiadas e protegidas pela vítima Jerônimo, que realizava serviço de escolta particular dos empresários, os quais se encontravam no hotel.”
Também consta no inquérito policial que os policiais mineiros “tentaram converter em ativos lícitos R$ 56 mil em espécie provenientes de infrações penais anteriores de estelionato praticadas por Antônio e Sérgio”. Além disso, teriam tentado induzir ao erro os executivos paulistas, “mediante artifício ardil”, com 147.633 notas falsas, “devidamente embaladas em pacotes plásticos e misturadas com notas originais, simulando o montante de R$ 14.673.300”. No entanto, a escolta armada conferiu a originalidade das notas e descobriu o golpe.
Antônio Vilela e Sérgio Guerra teriam atraído os empresários, que estavam à procura de crédito para suas empresas, “prometendo a realização de negócio econômico extremamente vantajoso para estes”. Antes do episódio violento, eles já teriam se encontrado em uma churrascaria de Juiz de Fora, “quando acertaram as bases do negócio milionário – troca de valores em taxas favoráveis”. Apesar de os empresários paulistas terem negado a versão, a investigação apontou que a intenção seria mesmo a troca de dólares por reais.
“Perdeu, perdeu” e troca de tiros
As investigações ainda indicaram que Antônio e Sérgio desconfiaram do forte esquema de segurança dos empresários durante os últimos acertos no hotel da Avenida Itamar Franco, no dia 19 de outubro, e chegaram a suspender a negociação, sob o pretexto de precisarem conferir o valor disponível para empréstimo. Como eles não retornaram mais de uma hora e meia depois, os paulistas dispensaram parte da escolta. Ao mesmo tempo “a organização criminosa” teve a brecha para realizar o “roubo”, e Sérgio retornou ao hotel, convencendo o empresário Flávio, o segurança particular Jerônimo e o delegado Rodrigo a seguirem até o estacionamento, a cerca de 600 metros de distância.
“Nesse ínterim, os demais denunciados se preparavam para organizar o novo local para onde tinham atraído o empresário Flávio e sua agora diminuta segurança, a fim de possibilitar a abordagem ilícita e a subtração dos valores em moeda estrangeira que trouxeram para a negociação”, discorreu o MP. “Antônio abriu o porta-malas e apresentou seis malas cheias de maços de notas de R$ 100, abrindo um dos pacotes, retirando uma nota e mostrando a sua originalidade, momento em que Flavio disse: ‘Vamos realizar o negócio’, e saiu caminhando, permanecendo no local apenas sua escolta”.
Ao desconfiar das notas, Jerônimo teria levado Antônio para a lateral do estacionamento, onde era mais claro, “quando chegaram correndo Rodrigo Francisco e o denunciado Rafael, de arma em punho e fritando ‘perdeu, perdeu’ (gíria tipicamente utilizada por assaltantes), sem fazer qualquer alusão à condição de policial civil, recebendo Rodrigo Francisco diversos disparos de arma de fogo de Jerônimo, que revidou a injusta agressão”. Já os tiros que acertaram o segurança teriam partido de Rodrigo. Antes disso, os policiais mineiros haviam abordado quatro policiais de SP na entrada do estacionamento. Os paulistas foram desarmados e tiveram seus pertences recolhidos, inclusive R$ 1.500.
A Promotoria destacou que, após os disparos, Sérgio conseguiu sair do local sem ser abordado e preso pelos policiais mineiros, já que fazia parte do mesmo grupo, e, assim como Nivaldo e Jorge Ponciano, ainda não foi localizado. “Além de serem todos lotados em unidades policiais distintas, os denunciados sequer comunicaram qualquer atividade suspeita aos seus superiores hierárquicos, já que estavam a cargo das tarefas exercidas na organização criminosa”, concluiu o MP.
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