Mãe denuncia dificuldade em matricular filho com espectro autista em escola
Caso, em investigação pela Polícia Civil, aponta que Inscrição de criança de 3 anos com transtorno do espectro autista em instituição privada não teria sido aceita; vereador pede apuração do Ministério Público sobre o caso
A estudante de engenheira civil Karla Bronzato registrou uma ocorrência de discriminação, na última semana, em função da negativa à matrícula do filho dela, Murilo, de 3 anos, que tem o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), em uma escola privada de Juiz de Fora. De acordo com o Registro de Evento de Defesa Social (Reds), a coordenadora da instituição teria chegado a confirmar que a criança estava passando pela admissão de novatos, mas informou posteriormente que, durante os processos internos, foi constatado que não havia vaga para alunos com deficiência, pois este número seria limitado e duas outras crianças já estariam inscritas. O caso foi encaminhado ao Ministério Público e está em apuração na 7ª Delegacia de Polícia Civil, que informou já ter instaurado inquérito policial.
Em entrevista à Tribuna, Karla conta que iniciou o processo em dezembro, e que a recepção da escola, em um primeiro momento, foi atenciosa. “Falaram que a inscrição era fácil e que poderia ser feita pelo site. Fiz o cadastro e, ao final, apareceu que a matrícula foi finalizada e que a coordenadora entraria em contato comigo.” Alguns dias depois, a engenheira ligou para a escola, e a secretária a orientou a ir à instituição para fazer a matrícula. Quando ela chegou, a funcionária informou que as coordenadoras estavam de férias e marcou uma nova data, após o recesso de fim de ano, para que ela retornasse.
A mãe providenciou todos os documentos necessários para a efetivação da matrícula e retornou na data e na hora marcados. Nesta ocasião, entretanto, a pessoa responsável pela matrícula teria informado que o site da escola estava com problemas e que a coordenadora não estava, pedindo que ela voltasse no período da tarde.
Karla cumpriu a orientação, e quando retornou, foi recebida pela coordenadora. “Ela falou que não poderia aceitar o Murilo. Tinha vaga, mas apenas para crianças típicas, sem laudo. Ela disse que já tinha duas crianças atípicas, e havia uma terceira que a mãe não avisou que a criança era atípica, porque se ela soubesse, nem tinha aceitado. A coordenadora disse que é uma norma da escola, e me mostrou o papel em que isso estava marcado.”
Com a negativa, Karla, que já tinha tentado matricular o filho em outras duas instituições, ficou muito nervosa, e gravou um vídeo em que compartilhou a situação nas redes sociais. Segundo ela, em outras escolas, ela chegou a ouvir que crianças diagnosticadas com TEA são agressivas e que morderiam os colegas. “Fiquei pensando quantas mães já não passaram por isso, saíram chorando, magoadas”, lamenta. Diante da situação, Karla acionou a polícia e registrou o ocorrido.
Sinepe não foi procurado
Procurado pela Tribuna, o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino da Região Sudeste de Minas Gerais (Sinepe/Sudeste), Flávio Franco, informou que o Sinepe não foi procurado por parte das instituições de ensino associadas, o que torna impossível a emissão de qualquer pronunciamento sobre o caso relatado por Karla. “Cabe apenas acrescentar que, como de costume, o Sinepe/Sudeste orienta seus associados ao cumprimento da legislação que trata da educação, sendo certo que, quando foi publicado o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n° 13.146/2015), realizamos seminários, reuniões, etc., objetivando orientar às instituições de ensino sobre as disposições da nova lei, principalmente quanto à elaboração de ‘projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia’ (art. 28, III)”.
Ainda de acordo com Flávio, são compreendidas como “adaptações razoáveis aquelas assim definidas no artigo 3° VI, da mesma lei, como as ‘adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais'”.
Representação ao Ministério Público
O relato da mãe de Murilo chegou ao vereador Antônio Aguiar (DEM), que entrou com uma representação para que o Ministério Público intervenha e tome as medidas cabíveis, caso seja constatada ilegalidade neste caso. No texto da requisição, o legislador ressaltou que a Constituição e os tratados internacionais de direitos humanos, principalmente a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, proíbem todas as formas de exclusão das pessoas com deficiência, e garantem o direito à educação para todos, sem discriminação.
“No caso dos estudantes com deficiência, a Constituição determina que, além do ensino regular, devem ser asseguradas as condições necessárias à sua inclusão educacional, através de atendimento especializado a ser oferecido preferencialmente na própria escola em que o estudante está matriculado. Assim, educação especial não significa escola ou sala especial, e sim, como diz a própria Constituição, ‘atendimento especializado’ complementar à escolarização regular. Ou seja, as escolas não podem recusar a matrícula argumentando que não estão preparadas, pois isso significa discriminação”, argumenta o vereador.
Além disso, Aguiar diz acreditar que a busca pela autonomia, pela independência e pela inserção dos indivíduos inseridos no espectro autista é fundamental. “A presença de uma criança com transtorno do espectro autista em uma escola regular significa uma oportunidade muito grande nos desafios de melhoria da comunicação e da interação social, que são os pontos mais afetados que as crianças com autismo têm. Em contrapartida, isso é uma via de mão dupla. Estamos produzindo uma geração que vai aprender a conviver com pessoas com deficiência, que não vão reproduzir bullying, por exemplo”, afirma Aguiar.
Ação judicial
Depois do ocorrido, Karla afirma que vai lutar por justiça no caso do filho e diz que pretende entrar com uma ação judicial. Ela diz que sentiu os efeitos psicológicos depois do que aconteceu e não tem conseguido dormir. “Meu filho com 3 anos sofrer uma discriminação dessa é o cúmulo. Ficamos o dia todo na correria em busca pelo desenvolvimento dele, nos preocupamos em dar independência para que ele possa evoluir. Isso mexeu muito comigo, estou dormindo com remédios. Mas eu vou lutar pelo meu filho.”
Ela também aconselha outros pais e mães que tenham passado por situação semelhante. “Prestem muita atenção e não deixem as crianças serem discriminadas. Ser mãe de uma criança com autismo é um privilégio. Sempre agradeço por Deus ter me dado o Murilo, ele é uma bênção na minha vida, e tenho certeza que ele é muito mais que um laudo. Não saiam da escola chorando, tomem uma atitude.”