Isolamento agrava depressão e cria comportamentos viciantes, aponta estudo
De acordo com pesquisas da UFJF, pessoas que respeitaram o distanciamento social demonstraram ter sido mais afetadas pelas condições impostas pela pandemia
Cerca de dez meses após o início da pandemia de Covid-19, os efeitos das medidas de distanciamento e isolamento social, associados às notícias diárias da evolução da doença e à crise econômica, têm afetado também a saúde mental da população. Pelo menos duas pesquisas realizadas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) dedicam-se a colher dados e avaliar o impacto da pandemia neste campo. Conforme um dos levantamentos, há sintomas de depressão em mais de 90% dos participantes, que também relataram aumento do consumo de álcool e mudanças na alimentação durante a pandemia. Os dados ainda escancaram piora do quadro em pessoas que cumpriram as recomendações de isolamento.
As pesquisadoras do Núcleo Interdisciplinar de Investigação em Psicossomática, Saúde e Organizações (Nuipso) do Departamento de Psicologia da UFJF, Fabiane Rossi dos Santos, Laisa Marcorela Andreoli e Priscilla Aparecida de Aquino, que atua no Serviço de Psicologia do HU da UFJF, se debruçam sobre os resultados de uma pesquisa, feita com uma amostra de 3.092 pessoas por meio de um questionário on-line aplicado entre abril e junho de 2020. O levantamento apontou que há sintomas de depressão em 92% do total de participantes.
O estudo visou a analisar os principais comportamentos e sentimentos das pessoas dentro do contexto da pandemia de Covid-19, entre eles depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Só responderam ao questionário pessoas que cumpriram o distanciamento social. Entretanto, de acordo com a pesquisadora Fabiane Rossi dos Santos, uma das responsáveis pelo estudo, não foi apenas o distanciamento que apareceu como um dos principais fatores observados. Os medos e as incertezas também estiveram mais presentes nas respostas. “Houve também o medo na relação ao futuro, em uma situação nunca antes vivenciada, o medo de contrair o vírus, o medo da morte, que é muito frequente, e o medo de perder parentes.”
A pesquisa tem um recorte de dados de Juiz de Fora, já que mais de 800 pessoas da cidade participaram. Segundo Fabiane, não foram notadas diferenças significativas entre os números locais e nacionais, e as mesmas ocorrências que são percebidas no Brasil, podem ser vistas nos dados municipais, resguardadas as devidas proporções.
Dados reforçam necessidade de criar políticas públicas
Embora os sintomas de ansiedade e depressão tenham sido verificados em uma grande parte do grupo, a grande maioria não estava em acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, o que, segundo a professora Fabiane Rossi, indica que há um déficit. “Existe um problema, e não há tratamento para eles. Temos, nessa lacuna, uma questão para pensar, ainda que, depois dessa coleta, algumas iniciativas públicas tenham sido realizadas.”
Ela cita como exemplo o Projeto Calma Nessa Hora, também desenvolvido na UFJF, que oferece o suporte do acolhimento gratuito, por meio de contato via mensagem pelo site, ou por aplicativo, que teve uma adesão importante da população.
Ainda de acordo com Fabiane, a partir do que já foi possível perceber pela análise das informações é que, em curto e médio prazo, será necessário investir em saúde mental. “Ainda temos uma rede de atenção psicossocial muito frágil. Vamos precisar desenvolver estratégias de prevenção e redução de danos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já havia alertado para uma ‘quarta onda’, que seria o impacto na saúde mental. Por isso, existe a necessidade do fortalecimento das políticas públicas para a área.”
A realidade dos serviços, segundo a professora, sempre foi de não receber investimentos prioritários e substanciais, o que gera equipes com poucos profissionais e sobrecarga. “A pandemia, apesar de todos esses problemas, trouxe esse outro olhar. Ela sinalizou a importância de investir em psicologia e em psiquiatria como áreas fortes da Saúde.”
Os atendimentos virtuais, que se tornaram uma forma de ampliar o acesso no momento de restrição de contato pessoal, também podem ser levados como aliados no pós-pandemia. De acordo com Fabiane, embora existisse a possibilidade antes, havia pouca adesão. Agora, com maior experiência, as sessões remotas devem continuar sendo ferramentas importantes.
Impacto na alimentação e no comportamento
Outro levantamento realizado na UFJF começou com uma parceria com a Embrapa Gado de Leite, que tinha como objetivo verificar se a pandemia estava mudando o hábito de consumo alimentar das pessoas, com ênfase em produtos derivados do leite. Durante o processo de pesquisa, o grupo percebeu que tinha aumentado a ingestão de alimentos chamados de indulgentes, aqueles que as pessoas buscam não pela necessidade nutricional, mas pela sensação de prazer.
Essa mudança no padrão, segundo a professora do Programa de Pós-graduação em Modelagem Computacional, Priscila Capriles, começou a ser observada e foi percebida a possibilidade de relação entre ela e as síndromes de ansiedade e a depressão. A partir daí, o grupo, formado também pelo mestrando do programa, Thallys Nogueira, e pela professora do Departamento de Psicologia, Laisa Marcorela Andreoli, mudou de foco e se concentrou na coleta e na interpretação de postagens feitas em redes sociais que tratam de relatos sobre a depressão e a ansiedade. Para isso, os pesquisadores usaram a técnica de mineração de dados de mídias sociais coletados no Twitter e no Google Trends.
“Começamos a fazer uma busca mais direcionada, analisando se, de fato, quando as pessoas postavam nas redes sociais sobre esses alimentos indulgentes, se elas também estavam postando, associado a eles, o seu estado de ansiedade, depressão ou outros termos. A partir disso, resolvemos expandir, não só para alimentos, mas também para comportamentos”, narra Priscila.
A intenção era entender se a aderência a novos hábitos desenvolvia comportamentos ‘viciantes’: se as pessoas assistem a mais séries de TV ou jogam games por mais tempo, se estão comendo mais, fazendo mais uso de álcool, entre outros. “Conseguimos observar que essas mudanças estão muito associadas à questão da ansiedade e da depressão”, pontua Priscila.
‘Pessoas vão conseguindo entrar conforto para suas dores’
Os dados também indicaram que, com a adoção do ensino remoto e com a reabertura do comércio, o estado crítico verificado em um primeiro momento foi se abrandando. “Não que as pessoas não estejam ansiosas e deprimidas, mas elas estão aprendendo, ao longo desses meses, a conviver e a contornar um pouco mais essa situação. Isso se refere a casos de pessoas que têm ansiedade e depressão de maneira ocasional, àquelas que estão nesse estado em função da situação vivenciada”, explica.
Além disso, as pessoas passaram a falar mais, nas redes, sobre o que sentem. “Bem ou mal, ao longo do tempo, as pessoas vão conseguindo encontrar conforto para suas dores”, diz Priscila. Para ela, quanto mais os usuários se abrem, menos sentem necessidade de comportamentos viciantes. “A campanha do Setembro Amarelo, por exemplo, mostrou um aumento na quantidade de posts positivos, o que indica a importância de os profissionais de saúde mental começarem a usar esses canais de maneira mais efetiva, para levar mensagens positivas e ajudar a diminuir os estados de ansiedade e depressão.”
Apesar de ter constatado melhora nos índices, o grupo também aponta que as pessoas que estão, de fato, acometidas pelas síndromes de ansiedade e depressão de forma contínua ainda não conseguiram se recuperar. Entretanto, foi possível perceber que elas estão procurando tratamento e atendimento psicológico.
Desinformação
Priscila salienta que, no início da pandemia, a desinformação foi algo que também apareceu nos dados coletados. “Toda vez que chegavam notícias políticas relacionadas ao Poder Público e ao que acontece no país, era prejudicial e contribuía para aumentar o estado de ansiedade. Por outro lado, à medida em que as redes sociais ganharam fóruns mais sérios sobre o assunto, que levam notícia e reportam de forma verídica, os comportamentos foram alterados. O acesso à informação correta ajuda muito a melhorar o estado de ansiedade e depressão das pessoas”, afirma.
Apesar de ter constatado melhora nos índices, o grupo também aponta que as pessoas que estão, de fato, acometidas pelas síndromes de ansiedade e depressão de forma contínua ainda não conseguiram se recuperar. Entretanto, foi possível perceber que elas estão procurando tratamento e atendimento psicológico.
Número de suicídios cai em JF, mas ainda é alto
Um levantamento independente feito pelo jornalista Fernando Gonçalves junto a órgãos de segurança pública como a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, o Samu, a Polícia Rodoviária Federal e a hospitais e cemitérios de Juiz de Fora apontou que houve queda no número de suicídios consumados e de tentativas em 2020, em comparação a 2019. De acordo com os dados, em 2020 ocorreram 138 tentativas e 38 mortes por autoextermínio na cidade. No total, foram 176 casos. Em 2019, o balanço apontou 180 tentativas e 40 óbitos, com um total de 220 ocorrências.
Entretanto, os números não deixam de ser preocupantes. 2020 foi o segundo ano com maior número de tentativas e de mortes por suicídio nos quatro anos em que o levantamento é feito. Além disso, em 2021, segundo o levantamento, já ocorreram cinco óbitos por autoextermínio apenas nos primeiros 15 dias do ano. Os dados ilustram a necessidade da criação de políticas públicas e de maior investimento em saúde mental, conforme apontado pelos especialistas ouvidos pela Tribuna.
Ajuda
Caso você esteja precisando de apoio psicológico, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta ajuda emocional e de prevenção do suicídio, com atendimento gratuito a todas as pessoas que querem e precisam conversar. O órgão mantém total sigilo, e os contatos podem ser feitos por telefone, por meio do número 188; ou pela internet, por e-mail ou chat, no endereço www.cvv.org.br/quero-conversar. Os canais estão disponíveis 24 horas por dia, todos os dias da semana, de forma gratuita