Idoso morre em UPA à espera de vaga em CTI: família denuncia negligência e descumprimento de liminar

Dois dias antes da morte, liminar que obrigava a transferência havia sido deferida


Por Pedro Moysés

15/07/2025 às 18h23- Atualizada 15/07/2025 às 18h43

O idoso Márcio Heleno Oliveira, de 63 anos, morreu nesta terça-feira (15), após passar seis dias internado na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), do Bairro Santa Luzia, em Juiz de Fora, enquanto aguardava transferência para um leito de CTI. Mesmo com uma liminar judicial que determinava a remoção imediata do paciente para um hospital com estrutura adequada, a ordem não foi cumprida. A família acusa o sistema de saúde municipal de negligência.

Segundo decisão assinada no dia 13 de julho pelo juiz Francisco José da Silva, da Vara Plantonista da Microrregião XXV, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e o Estado de Minas Gerais deveriam promover, no prazo máximo de 24 horas, a transferência de Márcio para hospital público ou privado com capacidade de CTI. O magistrado determinou ainda multa diária de R$ 2 mil, limitada a R$ 50 mil, em caso de descumprimento.

Internado na UPA Santa Luzia desde 9 de julho, Márcio apresentava quadro grave de saúde, conforme laudo médico anexado ao processo. Ele sofria de comorbidades como diabetes, hipertensão, cegueira em um dos olhos e amputação de membro inferior. No momento da decisão judicial, Márcio já estava entubado e em ventilação mecânica, diagnosticado com abscesso perianal associado a quadro séptico — condição tida como grave e que apresentava risco de morte iminente. No atestado de óbito, a causa da morte foi definida como septicemia, infecção de pele e subcutâneo e insuficiência renal aguda.

Apesar da urgência reconhecida pela Justiça e da condição crítica do paciente, a transferência nunca foi realizada. Márcio faleceu na própria unidade, dias depois, sem acesso ao suporte intensivo necessário. Para os familiares, o desfecho escancara falhas no sistema público de saúde e desrespeito à dignidade humana. “Todas as medidas cabíveis que eu puder fazer, serão feitas. Mas acho uma questão importante nesse momento o colapso da saúde pública em Juiz de Fora”, afirmou a sobrinha de Márcio, que também foi a advogada responsável pelo processo, Lecy Maria Lopes da Silva, em entrevista à Tribuna. “Para nós, como família, essa negligência significa abandono. É a sensação de gritar por socorro e não ser ouvido.”

Muito além dos trâmites jurídicos, o que resta é a dor. Lecy descreve o sofrimento de ver a morte do tio que, na sua opinião, poderia ser evitada. “Ele não era um número, era pai, irmão, tio… uma pessoa cheia de história, de vida, que foi deixada para morrer em uma maca, esperando um direito que já tinha sido reconhecido pela Justiça.”

A sensação de impotência está presente na fala da advogada, que acompanha outros casos semelhantes na cidade. “O que sentimos é revolta, impotência e um vazio imenso. Ele tinha esperança, ele confiava que ia ser transferido, que alguém ia fazer o que precisava ser feito. Mas não fizeram. A Prefeitura e o Estado falharam com ele, e com a gente.” Para ela, o mais doloroso é saber que a mesma situação pode se repetir com outras famílias que também “só têm o SUS para recorrer”.

PJF confirma quase 80 tentativas de transferência

Em nota, a Prefeitura de Juiz de Fora informou que foram realizadas 79 tentativas de transferência do paciente Márcio Heleno Oliveira para leitos de UTI na rede pública e privada conveniada ao SUS, conforme registros da Central de Regulação. Segundo a Administração municipal, em nenhuma das tentativas havia vaga disponível.

A gestão destacou que atua conforme as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), analisando cada caso individualmente e buscando soluções “diante das limitações do sistema”. A nota também ressalta que os leitos de UTI disponíveis em Juiz de Fora atendem a uma demanda constante e elevada de mais de “90 municípios da Macrorregião Sudeste, com média mensal de 296 internações”. Ainda conforme a Prefeitura, os processos de regulação seguem critérios médicos e de prioridade clínica.

No entanto, a PJF não respondeu se recebeu a liminar expedida pelo Judiciário que determinava a imediata transferência do paciente, nem se houve algum tipo de providência diante do não cumprimento da decisão judicial. Também não comentou se a exoneração do então gerente do Departamento de Atenção Integral à Saúde, divulgada na tarde desta terça, tem relação com o caso.

A reportagem questionou ainda se a Prefeitura gostaria de se manifestar sobre a denúncia de negligência feita pela família e se há alguma apuração interna em andamento. Essas perguntas também não foram respondidas.

Também demandada, a Secretaria de Saúde de Minas Gerais não se manifestou sobre o caso até o fechamento desta edição.

O corpo de Márcio foi sepultado na tarde desta terça-feira, no cemitério Parque da Saudade. Ele deixa esposa, dois filhos e três netos. 

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