O rio da minha aldeia: Paraibuna dialoga com a cidade no maior projeto jornalístico sobre o rio

Rede Tribuna de Comunicação lança projeto que visa a estimular um olhar mais generoso e inspirador sobre o principal recurso hídrico do município


Por Tribuna

11/05/2025 às 06h00

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”. No próximo mês, a Rede Tribuna de Comunicação dará início à primeira temporada do maior projeto jornalístico já realizado sobre o Rio Paraibuna. Intitulado “O rio da minha aldeia” faz referência e reverência ao centenário do poema de Alberto Caeiro (heterônimo do poeta Fernando Pessoa) chamado “O Guardador de Rebanhos” publicado, pela primeira vez, em 1925, na revista Athena.

A iniciativa envolve todos os veículos da empresa, como redes sociais, portal, jornal impresso e as rádios Transamérica e Mix FM. Humanizado, o Paraibuna conversará com a cidade, para contar sua história, seus planos para o futuro, as histórias de seus córregos, as obras necessárias para o projeto de despoluição, a revitalização das margens, os causos divertidos, os pedidos de ajuda à população, além de reportagens que marcaram história.

“Acredito que o Rio Paraibuna seja não só a maior testemunha do desenvolvimento de nossa cidade, como também é a maior pauta ESG (Meio Ambiente, Social e Governança) de Juiz de Fora. Através dele é possível refletir sobre diversos aspectos transversais, a começar pela própria ancestralidade dos povos indígenas cuja língua dá nome ao rio”, explica a idealizadora e curadora do projeto, a jornalista Lucimar Brasil.

Se nas redes sociais o rio é o protagonista, falando em primeira pessoa, no portal e no jornal impresso ele é a notícia produzida em parceria com a sociedade. “Vamos resgatar momentos históricos e apresentar marcos atuais com as obras de despoluição, os projetos futuros, para repensar a cidade a partir da forma como lidamos com o nosso principal recurso hídrico. A ideia é envolver toda a comunidade, incluindo instituições públicas, como a Prefeitura, a Câmara Municipal e a UFJF, assim como empresas, organizações da sociedade civil, escolas públicas e privadas e, claro, a classe artística e cultural”, acrescenta Lucimar.

“Durante muitos anos, construímos nossas casas dando as costas para o Rio Paraibuna. O momento agora é de mudança nesse olhar, encarando-o de frente, com orgulho e agradecimento. É hora de enxergá-lo com toda a importância que sempre teve para nossa história, construindo futuros possíveis de vida em sociedade”, observa a presidente da Rede Tribuna de Comunicação, Suzana Neves, entusiasmada com a possibilidade de unir todas as forças produtivas em torno de um projeto centrado na sustentabilidade.

Participação indispensável da comunidade

O sucesso do projeto “O rio da minha aldeia” está alicerçado na participação popular. Afinal, suas memórias estão espalhadas em cada canto da cidade, nos álbuns de fotografia, nos arquivos pessoais, nos arquivos históricos, nas lembranças e na forma como os juiz-foranos se relacionam hoje com ele, explica Lucimar. Por isso, o trabalho de curadoria pressupõe a construção e o fortalecimento de relações de proximidade com leitores e ouvintes, visando a total interatividade.

A população poderá participar através das redes sociais do jornal Tribuna de Minas e das rádios Transamérica e Mix FM, assim como pelas notícias que serão publicadas no portal. O envio de pautas e sugestões pode ser feito pelo e-mail da redação. Pesquisador e ex-vereador de Juiz de Fora, Vanderlei Tomaz, um entusiasta quando o assunto é o Rio Paraibuna, esteve recentemente na nascente, localizada no município de Antônio Carlos (MG), e compartilhou sua emoção nas redes sociais. Tão logo soube do projeto “O rio da minha aldeia”, fez questão de enviar uma história que envolve a navegação nas águas do rio no início do século XX.

“Esse é o objetivo dessa primeira temporada que seguirá de junho a dezembro. Resgatar e reforçar os laços de pertencimento em relação ao Rio Paraibuna, estimulando crianças, jovens e adultos a olhar para ele com mais generosidade e a contribuir no que lhes for possível para sua perenidade. Afinal, assim como escreveu o grande poeta português “Quem está ao pé dele está só ao pé dele”, afirma Lucimar. “Escolhi esse nome para o projeto ao ouvir, pela primeira vez, em 2013, a música cantada pelo maestro Tom Jobim, tendo o poema como letra. É inspirador e assegura ainda mais beleza e profundidade ao conteúdo”, finaliza.

Navegando pelas águas escuras
Por Vanderlei Tomaz

Em 20 de janeiro de 1914, o jovem Abel de Montreuil (então com 20 anos), procurando demonstrar que o Rio Paraibuna era navegável, inaugurou um serviço de transporte de passageiros por lancha a motor entre Benfica e a ponte da Rua Halfeld. Seu pai, Eugênio de Montreuil, também estava envolvido no projeto. O jornal “O Lynce” (mais tarde virou uma importante revista) noticiou o fato em sua edição de 1º de fevereiro de 1914.

Na época, o rio era mais estreito, muito sinuoso e com maior volume de água. As poucas pontes existentes permitiam a passagem de uma embarcação sob elas. O ancoradouro do barco ficava nos fundos da fazenda de sua avó, Maria Eugênia (onde hoje está situada a Transportadora IBOR, no Araújo).
A primeira viagem foi realizada com representantes da imprensa, partindo às 11h do Centro (ponte da Rua Halfeld) em direção a Benfica, e regressando às 20h. Onze passageiros participaram do passeio inaugural que transcorreu sem nenhum incidente.

Abel de Montreuil nasceu em Juiz de Fora, em 18 de novembro de 1893 e faleceu em 22 de novembro de 1961. Era filho de Eugênio de Montreuil (da tradicional Casa Montreuil que existia no Centro de Juiz de Fora) e de Anna Araújo de Montreuil. Seus avós maternos eram José Rodrigues de Araújo e Maria Eugênia Barbosa de Araújo (que foi dona do Hotel dos Boiadeiros, em Benfica). Seus avós paternos eram Charles Abel Marck de Montreuil e Clarisse Pharoux de Montreuil.

Em 2000, conheci pessoalmente a irmã de Abel, Jovita de Montreuil. Ela tinha 105 anos e estava lúcida. Morava em um apartamento na Avenida Rio Branco – em Juiz de Fora – em companhia do filho, Newton Brandão. Descobri que estava viva por meio de uma matéria que li no jornal Folha de São Paulo. Foi uma querida professora em nossa cidade. Emocionei-me quando conversamos sobre este assunto e ela respondeu-me que havia por diversas vezes feito esta viagem de barco Benfica-Centro. Certamente, a última pessoa viva que testemunhou este grande feito de Abel de Montreuil.

A tentativa de navegação no Paraibuna não era novidade. Em 1892, o então presidente da Câmara Municipal de Juiz de Fora, vereador Francisco Bernardino Rodrigues da Silva, assinou a Resolução Nº 94 (de 13 de outubro) autorizando André Halfeld e o padre alemão Adolfo Januschka (Capelão da Colônia D.Pedro II) a explorarem o serviço de transporte de cargas e passageiros em nosso principal rio durante vinte anos. Embora autorizados, não conseguiram levar adiante, pois menos de dois meses depois o padre veio a falecer.

Reportagem especial Paraibuna
(Foto: Arquivo Vanderlei Tomaz)

Na foto, vemos: Jovita (terceira criança em pé, a partir da esquerda), Eugênio de Montreuil (primeiro homem em pé, a partir da esquerda), Abel de Montreuil (última criança em pé, a partir da esquerda), Charles (homem sentado), Clarisse (primeira mulher sentada, a partir da esquerda) e Ana Araújo (segunda mulher sentada).

O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.

CAEIRO, Alberto, Poesia (O Guardador de Rebanhos), ed. Fernando Cabral Martins, Richard Zenith. Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, pp. 53-54

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