Cuidados paliativos buscam bem-estar para pacientes com doenças que abreviam a vida
Domingo é o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, que conscientiza a população sobre uma série de medidas direcionadas para pessoas com doenças como câncer, condições neurológicas progressivas, Alzheimer e demências
Domingo (8) é o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, que conscientiza a população sobre uma série de medidas direcionadas para pessoas com doenças que ameaçam a vida ou sem possibilidade de cura, fazendo com que esses indivíduos tenham bem-estar desde o diagnóstico até os seus últimos momentos.
Para casos de pessoas com câncer, doenças neurológicas progressivas, Alzheimer e outras demências, algumas doenças do coração, pulmão, fígado e rins, como explicam os entrevistados do Departamento de Internação Domiciliar e da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, a adoção dos Cuidados Paliativos é uma forma de minimizar a dor, estar em casa e lidar melhor com a própria finitude. Além disso, de acordo com o Ministério da Saúde, essa é uma tendência que tem sido cada vez mais presente na Medicina, já que humaniza esse momento e também proporciona economia de recursos públicos na área de saúde.
“O meu pai descobriu o câncer no final do ano passado. Ele iniciou um processo de quimioterapia e, a partir de um certo momento, descobrimos que a doença dele não tinha mais cura”, conta Gustavo Godinho, morador de Juiz de Fora. Quando ele e sua família receberam a notícia, também foram informados sobre a possibilidade de internação domiciliar, serviço oferecido por departamento próprio mantido pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF). O pai dele estava apto para o programa, justamente por ter residência no município de Juiz de Fora, ser assistido pelo SUS, ter um cuidador apto e o critério de complexidade para o serviço. Ele também precisava de visitas seriadas, para alívio de sintomas, e estava com perda de funcionalidade. “Foi imprescindível ter esse serviço para que ele ficasse melhor. Em alguns momentos, ele chegou a precisar de morfina de duas em duas horas ou de quatro em quatro horas. Também tivemos acesso a medicamentos, cadeira de rodas, cadeira de banho e tudo de que ele necessitava”, conta. Toda a assistência foi oferecida pelo Departamento de Internação Domiciliar (DID).
Durante treze meses, foi dessa mesma forma que Edylane Eiterer escolheu cuidar da mãe, Edna Maria Silva, que teve diagnóstico de câncer de mama e, num intervalo de dez anos, evoluiu para metástase óssea e pulmonar. Ela faleceu em janeiro de 2022. “Foi uma questão de dignidade e de respeito muito grande com o que ela queria e com o momento que ela estava vivendo. Ela queria falecer em casa, se fosse possível. Não queria deixar de comer e nem perder a autonomia, então apesar de estar com balão de oxigênio, eles proporcionaram uma extensão muito grande, que deixava ela andar pela casa toda. O tempo inteiro ela foi respeitada enquanto pessoa, e teve qualidade de vida até o último dia”, relembra.
Logo que ela foi atendida, no Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus, a médica que a atendeu fez o encaminhamento para esse cuidado pelo Departamento de Internação Domiciliar (DID). Edna voltou pra casa com suporte de oxigênio, cama hospitalar e atendimento pela equipe de forma gratuita. Até agosto deste ano, de acordo com Verônica Aparecida Mendonça, que é gerente do Departamento de Internação Domiciliar, 42 pessoas recebiam esse atendimento. A equipe conta com médicos, um enfermeiro, três técnicos em enfermagem e um fisioterapeuta. Além desses profissionais, ainda existem duas equipes de apoio, contando com nutricionistas, fonoaudiólogos, psicólogos e assistentes sociais, para dar suporte aos pacientes de acordo com a sua necessidade.
Como explica Bruno Silva Nanni, que integra a Comissão de Cuidados Paliativos na Santa Casa, a importância de ter essa equipe está justamente no momento em que um paciente recebe o diagnóstico de uma doença incurável, que pode gerar impactos importantes em sua vida, tanto nos aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais. “Ao receberem os cuidados paliativos, possibilita-se que eles enfrentem a doença de uma maneira mais positiva, com menos sofrimento”, explica.
Na Santa Casa de Juiz de Fora, esse serviço funciona desde janeiro de 2022, sendo assistidos pacientes internados tanto das operadoras de saúde quanto do SUS. No total, mais de 400 pacientes foram acompanhados pela equipe em pouco mais de um ano e meio de atuação, dentre eles Agostinho Alves dos Santos, 95 anos, pai de Marília Santos. “Ele foi internado com pneumonia em 6 de setembro e, no momento em que os especialistas chegaram, falaram que ele teria que ir para o CTI. Eu optei por não levá-lo, porque, na idade dele, não queria que ele sofresse em um lugar onde não tivesse um filho ou um neto ao seu lado. Eu tive apoio de todos os profissionais da saúde, que montaram um quarto com tudo que ele precisaria. Foi um atendimento maravilhoso, muito humanizado, que fez com que a família pudesse estar presente. Ele partiu sereno e cercado de carinho”, conta.
Opção humanizada e econômica
De acordo com Verônica, a atenção domiciliar está em ascensão justamente porque é uma proposta do Ministério da Saúde manter o paciente, indicado ao cuidado paliativo, em casa. “O custo é muito menor do que no hospital. Um paciente em ventilação mecânica em casa, por exemplo, libera 54 leitos hospitalares durante o ano.” Para ela, a alternativa também permite maior humanização e diminui drasticamente as chances de o paciente contrair uma infecção hospitalar, que leva, em muitos casos, ao óbito precoce. Da mesma forma, Danielle Braga Pena, da Coordenação de Enfermagem do DID, afirma: “Nós não tratamos a doença, e sim o paciente”. Para ela, um dos grandes diferenciais é que o paciente sempre tem a opção de escolha e de decisão, caso seja lúcido, assim como a família.
“Temos pacientes que vivem dez anos a partir do diagnóstico. É algo que traz muitos benefícios quando é iniciado precocemente”, destaca a enfermeira Jessica Ferrugini, da Comissão da Santa Casa. Como enfermeira, seu trabalho consiste em ficar com o paciente praticamente 24 horas, acompanhando de perto as demandas, o que, em sua visão, ajuda bastante na promoção do bem-estar. “Ligamos para o plantonista ou para o médico assistente, comunicamos os incômodos, damos apoio aos familiares e também vemos as demandas do paciente. Já tive um caso em que uma paciente em cuidado paliativo, por exemplo, estava lúcida e estava começando um processo ativo de morte. Ela me disse que queria um hambúrguer, então eu liguei para a nutricionista, consegui um e ela pôde fazer a última refeição como quis”, conta.
Enfrentamento da finitude
Um dos tópicos centrais dos planos de ação dos cuidados paliativos é o enfrentamento da finitude, e isso acontece, como explica Danielle, com a atuação da equipe de psicologia e de toda a equipe, agindo de forma alinhada. “Um dos objetivos do cuidado paliativo é ajudar a família e o paciente a enxergar a morte como um processo natural. Nós, como população, em geral, temos um tabu com esse tema”, explica. Desde o início do acompanhamento, como ela esclarece, a psicóloga aborda o luto e faz uma visita para orientar no momento em que a morte ocorre, oferecendo acolhimento. Além dessas visitas, também são feitos grupos de apoio com os cuidados, que são assistidos pela psicóloga e pela assistente social.
No caso de Gustavo, esse acompanhamento se mostrou fundamental. “Mudou totalmente a minha noção de finitude. A gente sempre comenta, aqui em casa, que estávamos sendo egoístas, que é até uma coisa do ser humano, porque sempre queremos que a pessoa fique com a gente, independentemente do estado de saúde dela. Conversamos com a equipe e, entre a gente, fomos vendo que era preciso deixar meu pai partir. Era a cura para o sofrimento.” Ele afirma, ainda, que abordar o tema e a assistência tem potencial de ajuda maior do que as pessoas imaginam. “Esse programa pode salvar vidas, não no sentido literal. Mas da família, que acompanha o paciente, a sobreviver, porque muita gente acaba entrando em processo de depressão e angústia, porque não consegue lidar com a situação.”
Desde que Edy soube que a mãe poderia entrar em cuidados paliativos, ela mesma começou a estudar sobre o tema, e lia, junto com a mãe, textos sobre o assunto. A experiência também fez com que as duas passassem a refletir mais sobre o tempo que tinham.
“Refletimos muito juntas sobre como estávamos gastando nosso tempo, a qualidade do nosso tempo e da nossa vida. A finitude é um fato, e uma vez com esse diagnóstico, só quer dizer que vai ser mais perto. Começamos a aproveitar melhor nossos momentos, fazer mais a comida que a gente gostava, assistir mais os filmes preferidos, ter esse tempo mesmo. Ela ficou 13 meses em cuidados paliativos, e eu fiquei em casa com ela, e foi muito bom. Posso falar que aproveitei com ela, e que foi ótimo”, relembra. Quando sua mãe faleceu, então, ambas já haviam se despedido. “Pouco antes de entrar em coma, já com os órgãos em falência, ela conseguiu se despedir de toda a equipe e agradecer pelos cuidados. Ela morreu nos meus braços, foi uma experiência bonita”, conta.
Inserção em políticas públicas
Para Danielle, o grande impeditivo para que os cuidados paliativos cheguem até mais pessoas está justamente no fato de que ainda não existe uma política pública para cuidado paliativo – está para ser criada. “É preciso, para que os pacientes tenham acesso em todos os níveis de saúde”, explica. Tendo vivenciado a experiência de perto, Edy também passou a lutar para que isso acontecesse para mais pessoas e, como historiadora, fez um grupo de estudo dos paliativistas.
Eles organizaram um evento de Cuidados Paliativos na cidade, pois acreditam justamente que esses cuidados “precisam ser uma política pública, para todas as pessoas terem acesso”. Desde que começou a se interessar pelo tema, passou a se relacionar com médicos e enfermeiros. No grupo, há integrantes de todo o país. “A pessoa não é uma doença. Ela deve ter todo o suporte pra viver bem, até o final, diminuindo os sintomas e tendo o máximo de autonomia”, afirma.