Futuro das represas em risco
A crise hídrica que afeta toda a região Sudeste do Brasil não é consequência somente do baixo volume de chuvas. Em Juiz de Fora, as três represas em operação são alimentadas por córregos e ribeirões que estão completamente vulneráveis à ação dos seres humanos. Esgoto sanitário de granjas e condomínios, fezes de animais, principalmente do gado, poluição gerada por automóveis, sujeira e ausência de cobertura vegetal são encontrados dentro ou próximo de cursos d`água de locais visitados pela Tribuna ao lado do doutor em geografia Cézar Henrique Barra, que coordena o curso de especialização em análise ambiental da UFJF. As situações foram flagradas em dois afluentes da Represa João Penido e outros dois córregos da Represa de São Pedro. A realidade em Chapéu D`Uvas também não é confortável. Segundo o pesquisador da UFJF e doutor em geografia, Pedro José de Oliveira Machado, nenhum dos mais de 30 córregos de contribuição estão completamente protegidos.
Além da perda da qualidade da água, a falta de cuidado em toda a bacia de contribuição reflete no assoreamento dos mananciais, o que reduz sua capacidade de armazenamento. Este quadro, já avançado em São Pedro, ocorre também na João Penido, onde sua área mais profunda reduziu-se de 12 para 10 metros desde sua construção, em 1934, conforme a própria Cesama. Isso leva a crer que, se alguns cuidados ambientais fossem adotados, a perda de água seria menor no período de estiagem e a cidade estaria hoje em posição mais confortável quanto ao abastecimento para a população.
Avaliações mensais
Barra avalia mensalmente a qualidade de cinco contribuintes de João Penido e São Pedro desde o ano de 2012, em dez pontos distintos. A Tribuna esteve com ele em dois córregos de cada manancial, e o cenário encontrado foi impressionante. Na João Penido, foram visitados o Córrego Grama e o Ribeirão dos Burros. Ambos têm a peculiaridade de serem atravessados por uma estrada que promete ser a grande escoadora de cargas da Zona da Mata. A via em construção, com obra paralisada no fim do ano passado pelo Governo de Minas, pretende ligar as rodovias MG-353 e a BR-040, deslocando o tráfego de carretas e caminhões direto para a malha federal, sem passar por Juiz de Fora. O problema é que os córregos estão abaixo da estrada, e a água fica totalmente desprotegida da poluição e de possíveis acidentes com risco ambiental, como vazamento de óleo combustível.
Embora a Lei Municipal 6.087 de 1981 determine a proteção do manancial e de sua bacia de contribuição, um aditivo de 2009 dá ar de legalidade ao acesso. O artigo 9, parágrafo primeiro, admite construções em área de preservação no caso de “implantação de infraestrutura de alto interesse público”.
Qualidade da água preocupa em S. Pedro
O atual cenário observado na Represa de São Pedro serve de alerta por estar em situação pior se comparado aos outros dois mananciais que atualmente abastecem o município. Quem acompanha a evolução de seu quadro afirma que os mesmos erros se repetem nas outras represas, principalmente com relação à falta de cuidado dentro da área da bacia de contribuição e o avançado processo de ocupação, com várias propriedades no entorno.
Para se ter ideia, no período chuvoso, os dois córregos somam vazão mínima de aproximadamente 500 litros de água por segundo, sendo que a captação é de, no máximo, 140 litros por segundo. Ou seja, se tivesse como acumular recurso, São Pedro estaria menos sensível à perda total de água, como ocorreu no segundo semestre de 2014 e teria capacidade, se a estação de tratamento fosse ampliada, a fornecer água para um terço da população. “Hoje ela tem aproximadamente 1,2 metro de profundidade, e já foram cinco metros. Mas o problema não vem de agora, pois estudos mostram que, em 1937, aquela área já tinha pouca mata no entorno. Além disso, posso garantir que ela nunca foi dragada”, disse Cézar Barra. O pesquisador explica que a vegetação é importante porque impede a entrada destes sedimentos, além de funcionar como uma esponja. Isso porque as raízes podem armazenar água que seria liberada na época de seca.
A perda na qualidade da água já aparecia em um estudo publicado em 1998 pelo doutor em geografia Pedro Machado. A diferença daquela época para os últimos anos é que o parâmetro mudou de bom para regular na captação. O mesmo processo acontece em João Penido, em que a água ainda é boa na captação, mas chega na foz dos córregos em nível regular. A explicação é que a própria represa, por meio de processos de sedimentação, diluição e incidência dos raios do sol, trata esta água naturalmente ao longo do curso. “Em 17 anos, São Pedro mudou de bom para regular. Acredito que em menos tempo isso irá acontecer em João Penido, porque lá a ocupação no entorno é ainda mais agressiva.”
Cesama admite vulnerabilidade
A Cesama confirma que a bacia de contribuição das represas é desprotegida e isso causa o assoreamento dos lagos. Mesmo assim, o diretor de Desenvolvimento e Expansão da companhia, Marcelo Mello do Amaral, diz que, no caso de João Penido, é difícil relacionar a situação atual com a ocupação do entorno. “Fato é que a presença do homem no entorno da bacia contribui para o assoreamento. Mas para a proliferação das macrófitas, por exemplo, há outros fatores, como a alteração do regime de chuvas. Como os córregos esvaziaram muito, a incidência do sol foi maior e a vegetação cresceu, mas elas não são de todo ruins. É melhor esta cobertura vegetal do que a terra exposta, porque o processo de evaporação é maior.”
Sobre o acesso do Aeroporto Regional, que passa acima dos córregos de contribuição, o diretor disse que, quando da proposta da estrada, a Cesama foi contra a obra.”Percebemos que seria inviável impedir a estrada, então nós partimos por determinar condições, tanto no projeto como no licenciamento ambiental.” Desta forma, segundo ele, quando a via estiver concluída, ela deverá ter dispositivos para acumular e permitir a drenagem de resíduos, em caso de acidentes com caminhões, por exemplo. Isso para evitar que materiais poluentes acessem o manancial. Marcelo Amaral também defende a conclusão da estrada, já que, inacabada, ela acarreta problemas maiores de assoreamento com a queda de terra batida no córrego, levando à represa.
Para melhorar a proteção dos tributários da João Penido, a companhia entregou ao Executivo, no fim do ano passado, a minuta de um projeto para limitar o uso e a ocupação dentro da bacia. “É complicado pensarmos em desocupar a bacia toda, mas o trabalho deve ser feito para evitar novas construções. Cada nova unidade é mais um contribuinte de esgoto na represa.” Segundo ele, o documento ainda é avaliado pelo Grupo de Trabalho do Executivo que desenvolve estudos para preservação da bacia da represa. Esta mesma equipe mobilizou o prefeito para, no fim do mês passado, ter assinado a prorrogação do decreto que impede novas construções dentro desta área. Além disso, ainda propõe, por meio de mensagem do Executivo, novas regras para ocupação das áreas limítrofes. O assunto ainda será discutido na Câmara Municipal.
Dragagem descartada
O mesmo tipo de trabalho, conforme Marcelo, deveria acontecer para proteger a Represa de São Pedro. O diretor não vê o despejo de esgoto de condomínios e granjas diretamente nos córregos como o grande vilão do manancial. No entanto, explicou que isso exige um tratamento de água mais cuidadoso. “Concordo com os professores quando afirmam que pode acontecer em João Penido o mesmo que em São Pedro, guardadas as devidas proporções. Mas sem querer defender os condomínios e as granjas, a construção da rodovia BR-040, no início da década de 80, foi o que realmente prejudicou o lago, porque carreou muito sedimento, causando assoreamento, diminuindo sua capacidade de 5 para cerca de 2 metros.”
Ainda assim, ele não defende o trabalho de dragagem do lago, para aumentar sua profundidade. Isso porque o volume de material a ser retirado é muito grande, o que inviabiliza financeiramente o processo. “Se ela voltasse a ter cinco metros de profundidade, ganharíamos 15 dias a mais de abastecimento. Por isso pensamos na subadutora de São Pedro (que transporta água de Chapéu D`Uvas para a Cidade Alta), porque o custo benefício é maior.”
Mas ele garante que isso não significará a desativação da represa, embora afirme que ela poderá ser poupada e utilizada somente em momentos específicos. “Ela poderá funcionar para amortecer o Córrego de São Pedro e evitar inundações. Poderemos deixá-la sempre com metade da capacidade de água, evitando as enchentes no período chuvoso.”
A dragagem também é descartada em João Penido, pelos mesmos motivos de custo/benefício e ainda por razões legais. “É um volume muito grande que deve ser removido para fora da bacia. Sem contar que dragar pode prejudicar a captação, porque, no fundo da represa, podem ter compostos tóxicos que inviabilizam o tratamento.
Chapéu D’Uvas: ocupação ainda sob controle
Os alimentadores da represa de Chapéu D`Uvas são tão vulneráveis quanto João Penido e São Pedro. A diferença, no entanto, é que a ocupação urbana dentro da bacia de contribuição ainda é pequena se comparada à extensão do lago, de 313 quilômetros quadrados. Segundo o professor da UFJF Pedro José de Oliveira Machado, cuja tese de doutorado aborda o manancial, guardadas as devidas proporções, em algumas décadas, Chapéu D`Uvas poderá sofrer as mesmas consequências já observadas nas outras duas represas. E com um agravante: como suas terras pertencem aos municípios de Santos Dumont, Ewbank da Câmara e Antônio Carlos, legalmente, Juiz de Fora nada pode fazer para evitar possíveis novos loteamentos nestas áreas.
No estudo do pesquisador, ele descobriu que Chapéu D´Uvas é alimentada por 967 nascentes catalogadas pelo IBGE, resultando na formação superior a 30 córregos de contribuição. Como o acesso a estes cursos d`água ainda é difícil, por causa da ausência de infraestrutura, ainda há cobertura vegetal e isolamento necessário na maioria deles. Em alguns, no entanto, moradores de pequenas localidades, como Dores do Paraibuna, com 800 habitantes, despejam esgoto sem tratamento no riacho. “A bacia toda tem cerca de 1.700 habitantes, o que é pouco.”
Na área mais próxima aos limites territoriais com Juiz de Fora, a ocupação já começou. Segundo o professor, alguns loteamentos já se formam na região de Ewbank da Câmara. “Ainda têm como características serem casas de fim de semana, mas as propriedades estão cada vez maiores. Além disso, há o uso do lago para fins turísticos, com muita pesca esportiva. Ainda é pouca gente acessando, à medida que esta ocupação crescer, talvez por uma melhoria nos acessos, o risco aumentará.”
De acordo com Marcelo, a ocupação do entorno não traria impactos imediatos, devido ao tamanho da represa. Em sua opinião, os reflexos começariam a aparecer daqui a cerca de 50 anos. Mesmo assim, ele reforça a necessidade de se mobilizar. “Sempre vai ser preocupante lotear, se pudesse impedir, melhor ainda.”