Comunidade terapêutica é condenada por submeter dependentes químicos a situação análoga à escravidão
Acusação do MPT foi feita em janeiro de 2025; instituição e responsável precisam pagar verbas trabalhistas
A Justiça do Trabalho condenou a Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro, de Juiz de Fora, por submeter dependentes químicos a situação análoga à escravidão. Na sentença, foi reconhecida a existência de vínculo empregatício entre a instituição e os seis trabalhadores “acolhidos”. Consequentemente, a comunidade e seu representante legal foram condenados, de forma solidária, ao pagamento de verbas trabalhistas, bem como ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil, a ser revertida em proveito do Fundo de Direitos Difusos, e de indenização individual de R$ 10 mil a cada trabalhador.
Além disso, houve condenação da instituição a diversas obrigações de fazer e de não fazer relacionadas ao cumprimento da legislação trabalhista e de segurança do trabalho. A sentença decorre de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), após a fiscalização identificar a submissão de pessoas em situação de vulnerabilidade biopsicossocial a condições análogas à escravidão.
Segundo o julgador, a instituição utilizou indevidamente o instituto do trabalho voluntário para obter mão de obra gratuita, especialmente para obras de construção civil, sem a real finalidade terapêutica e contrariando preceitos legais. Há recurso aguardando julgamento no TRT-MG.
Em nota, a comunidade, representada pelo advogado Flávio Nunes, afirma que a relação existente entre a instituição e os participantes era de natureza civil e voluntária, não empregatícia. Além disso, destaca que os vínculos firmados com os acolhidos tinham base em contratos de trabalho voluntário, nos termos da legislação vigente.
Confira a nota na íntegra
A Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro, diante das recentes informações e interpretações equivocadas divulgadas a respeito de sua atuação, vem a público reafirmar seu compromisso com a verdade, com a justiça e com o acolhimento humano que sempre norteou suas atividades.
Em primeiro lugar, é fundamental destacar que, no processo criminal que tramitou perante a Justiça Federal, a Comunidade e seus Diretores foram absolvidos de todas as acusações, com trânsito em julgado da sentença absolutória, o que reafirma a lisura de sua atuação e a inexistência de qualquer prática ilícita. Essa decisão é definitiva e irrefutável.
No âmbito trabalhista, a Comunidade, por meio de seus representantes legais, defende a incompetência da Justiça do Trabalho para o julgamento do caso, uma vez que a relação existente entre a instituição e os participantes era de natureza civil e voluntária, e não empregatícia. No recurso interposto, foi pleiteada a declaração de nulidade de todos os atos processuais, inclusive da sentença condenatória, com o consequente envio dos autos à Justiça Comum, foro adequado para apreciação de relações dessa natureza.
Importa ressaltar que os vínculos firmados com os acolhidos tinham base em contratos de trabalho voluntário, nos termos da legislação vigente. Tratava-se de ex-dependentes químicos que, após longos períodos de exclusão social, encontraram na Comunidade uma oportunidade real de reabilitação, dignidade e reintegração. Muitos deles chegaram até a Comunidade Tenda do Encontro em situações extremas, abandonados por suas famílias, ignorados pelo poder público e ameaçados por facções criminosas, em razão de dívidas e envolvimento anterior com o tráfico de drogas.
A missão da Comunidade é transformar dor em esperança. E é por isso que, mesmo diante das adversidades e dos mal-entendidos, segue firme na vocação de acolher, recuperar e reintegrar seres humanos que um dia foram esquecidos pela sociedade.
Relembre o caso
Em janeiro deste ano, o MPT acusou a Comunidade Terapêutica Tenda do Encontro de ter obrigado trabalhadores a assinarem “contratos de prestação de serviço voluntário”. Inclusive, a Tribuna publicou que a Câmara homenageou a instituição, que apareceu na “lista suja” do Minstério do Trabalho e Emprego, em 2023.
A Ação Civil Pública contra a Comunidade e seu responsável foi justificada por uma ação de fiscalização realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego no dia 4 de outubro de 2023. Durante a ação, homens foram encontrados morando e trabalhando de maneira informal. Conforme o MPT, todos os seis trabalhadores eram dependentes químicos que haviam buscado a comunidade com o objetivo de obter tratamento contra a dependência.
Ainda segundo o Ministério Público do Trabalho, os homens atuavam em uma obra de expansão da construção da comunidade terapêutica, sem supervisão de profissional capacitado e nem observância de requisitos mínimos de saúde e de segurança do trabalho, como elaboração de programas de gestão de saúde e de segurança do trabalho, treinamentos, utilização de equipamentos de proteção individual e sem qualquer projeto terapêutico.
Os trabalhadores não recebiam contraprestação pelos serviços que prestavam e ao menos quatro deles foram obrigados a assinar “contratos de prestação de serviço voluntário” que não previam sequer a natureza das atividades que seriam desenvolvidas, de acordo com o MPT.